O que este conteúdo fez por você?
- Há foco excessivo, quase robótico, na observação do fluxograma clássico de poder dentro de um governo a fim de buscar identificar quem são os principais formadores de opinião
- Quem crê que um Presidente possui um enorme poder de tomar decisões a torto e a direito, sem envolver uma multitude de personagens que nem sempre são seus aliados, está perdido
- No Brasil, cabe ao Congresso definir o rumo das coisas estruturais, enquanto cabe ao governo a narrativa política de intenções e leituras circunstanciais
Somos acossados o dia inteiro por um mar de informações. E mais ainda se contarmos as muitas e variadas análises que tentam explicar o sentido de cada frase proferida por um figurão da política. Às vezes, esse excesso nos faz mergulhar no detalhe dos acontecimentos e na política das intenções, nos afastando muitas vezes da observação do ritual que acompanha cada fato político e de como eles são realmente formalizados.
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Esse mergulho no detalhe e na busca por interpretar o que um ou outro quis dizer não é de todo inválido, mas certamente nos toma um tempo que poderia ser dedicado a observar como a máquina política brasileira funciona. Entender a máquina é a ferramenta que nos possibilita fazer leituras e predições para um futuro próximo mais críveis e próximas da realidade (mesmo que muitas vezes erremos, pois um elemento importantíssimo na política, que não podemos entender na sua plenitude, é a construção psicológica de uma tomada de decisão).
O papel do Legislativo é muitas vezes esquecido dentro do processo amplo de tomada de decisão. Focamos muito no que deveria ser feito, mas não tanto na forma como certas decisões são tomadas a partir do principal poder que temos na nossa tríade. Conversando essa semana com diversos investidores, percebi o foco excessivo, quase robótico, na observação do fluxograma clássico de poder dentro de um governo a fim de buscar identificar quem são os principais formadores de opinião.
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Claro, que nessa visão, não fugiríamos dos óbvios: Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, Rogério Marinho, Tarcísio de Freitas etc. Assim, tanto o observador externo quanto o brasileiro, acompanham cada respiro dessas figuras na expectativa de desvendar comportamentos futuros que possam ser aplicados de forma prática em seus projetos.
Nessa conversa, ressaltei alguns elementos básicos e não tão óbvios que devemos observar:
Narrativas
As narrativas políticas tendem a sair principalmente do Executivo. Bolsonaro é um presidente que se ancora na narrativa de intenções futuras (habilmente atribuindo a culpa a terceiros quando não consegue alcançar satisfação), em justificativas passadas (que demonstrem elementos impeditivos para que decisões sejam tomadas hoje) e em comparações atemporais (lembrando que o “hoje” poderia ser pior, caso tivéssemos outros personagens à frente do governo).
Independente do leitor concordar ou não, essas narrativas visam transmitir ideias e sentimentos que se retroalimentam com a finalidade de gerar uma persona ideal para um grupo de eleitores que o seguirão apoiando, independente de qualquer coisa.
Essas narrativas substanciosas não se originam tanto no âmbito coletivo do Legislativo. Até porque a força do legislativo (e sua proteção) está na diluição de vozes, responsabilidades, decisões e comportamentos. Pouco pode ser feito individualmente, apesar que a narrativa de um indivíduo ganha, muitas vezes, uma desproporcionalidade, quando esquecemos que um único parlamentar não muda nada. A disseminação de ideias e visões é importante (e às vezes também perigosa) quando as narrativas mal-empregadas ganham tração. Por isso que o foco no processo de tomada de decisão, independente de narrativas, é o ponto-chave para o observador pragmático.
Tomada de Decisões
O fato de termos um sistema presidencialista confunde muitos brasileiros (e investidores estrangeiros) sobre o processo de tomada de decisões. Quem crê que um Presidente possui um enorme poder de tomar decisões a torto e a direito, sem envolver uma multitude de personagens que nem sempre são seus aliados, está perdido. Um dos problemas centrais apareceu quando elementos do próprio governo acreditavam que o poder presidencial era desproporcional à realidade. Isso acabava gerando uma questão grave de construção de consenso.
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Vamos pegar a reforma administrativa, por exemplo. O governo envia uma proposta de reforma para a Câmara e precisa estar preparado para o complexo processo de busca de consensos. Segundo o relator da Reforma Administrativa na CCJ, o deputado Darci de Matos (PSD-SC), “depois da aprovação da PEC ainda virão alguns projetos de lei. Mudanças pontuais de benefícios, carreiras, avaliação de gestão, de gratificações, isso tudo será tratado em novos projetos de lei que o governo vai mandar”.
Apenas nessa PEC, que não inclui deputados, ministros, Judiciário, Ministério Público, diplomatas, a necessidade da busca de consenso é absoluta, a narrativa tem um valor baixo e a disponibilidade e a habilidade de negociação são fatores imperiais para que haja um mínimo sucesso. Isso sem mencionar que ainda precisará passar por uma análise em uma Comissão Especial, com outro relator (Dep. Arthur Maia – DEM/BA).
Diálogo Constante
Numa democracia, o diálogo não é só desejado, mas é a chave para que qualquer coisa funcione minimamente. Toda a polêmica em cima do Orçamento da União é um exemplo claro disso. Quando o Ministério da Economia enviou um relatório de avaliação de receitas com um rombo de mais de 17 bilhões de reais para cumprir com o teto de gasto, além de 26 bilhões de cortes obrigatórios de despesa (feitos pelo Senador Marcio Bittar – MDB/AC), isso vai obrigar a um ajuste de 44 bilhões de reais na Lei Orçamentária.
Nesse quadro, o ministro Paulo Guedes recomenda ao presidente um veto parcial ao projeto aprovado, lembrando que o presidente poderia gerar mais uma razão para que um processo de impeachment fosse aberto. Para o presidente da Câmara (e principal influenciador político em relação ao governo), Arthur Lira (Progressistas – AL), não há necessidade alguma de veto. Essa construção faz com que o Presidente tenha que tomar uma decisão, seja qual for, que necessitará logo depois de remediação na relação com um ou com outro.
Dificilmente um governo não será refém do Congresso
Isso ocorre pela simples natureza constitucional do Brasil. As narrativas de “esquerda” ou de “direita” servem para mobilizar os eleitores e prover de elementos a inúmeras conversas de bar e de Whatsapp pelo país. Na prática, a ideologia não existe em temas estruturais, pois isso depende da forma como o Congresso a define ou não. Obviamente, decisões ruins também podem ser pragmáticas, pois o pragmatismo não é sinônimo de tiro certeiro. Mas o fato que persiste é que, no Brasil, cabe ao Congresso definir o rumo das coisas estruturais, enquanto cabe ao governo a narrativa política de intenções e leituras circunstanciais.
Não devemos abandonar, no entanto, o papel de construção inicial de propostas que partam do Ministério da Economia, da Infraestrutura, da Agricultura, etc. Isso vale pouco, se não existe a busca pelo consenso. Para quem vê que não pode existir consenso com “esse tipo de Congresso”, lembremos que a base aliada é maioria.
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Lembremos também que o Congresso não quer Estado de Sítio (não terá), Congresso não quis Ernesto Araújo, Congresso quis Flávia Arruda, Congresso quis Fábio Faria, Congresso não quer veto ao Orçamento. Mesmo que essas decisões tendam a ser centralizadas em Arthur Lira, Rodrigo Pacheco, Márcio Bittar, entre outros, tudo foi fruto de algum consenso dentro do Congresso. Enquanto as divergências no Executivo são escancaradas, as convergências no Legislativo tornam o governo refém do Parlamento e assim segue o barco.