Um dos motivos é que os preços das commodities agrícolas seguem pressionados, afetando o lucro dos agricultores. “Eu espero uma inadimplência ainda bastante negativa para a carteira do agro no terceiro trimestre”, diz Evandro Medeiros, analista CNPI da Suno Research.
O calote do agronegócio foi a principal causa da queda no lucro líquido do banco no segundo trimestre de 2025, atingindo 3,49%. Um crescimento de 0,45 ponto percentual na comparação com o 1T25 e de 2,17 pontos na base anual. O atraso nos pagamentos está concentrado nas cadeias de soja e milho, sobretudo na região Centro-Oeste.
O prognóstico ainda não é bom para o BB. No primeiro dado do terceiro trimestre, referente a julho, a inadimplência da pessoa física no agro bateu nova máxima histórica, segundo números do Sistema Financeiro Nacional. Os dados de agosto serão divulgados no fim de setembro, mas a tendência segue negativa. “A inadimplência no setor está batendo recorde na pessoa física, a gente vê isso nos dados do Banco Central”, diz Larissa Quaresma, analista de bancos da Empiricus Research.
Bancos enfrentam indimplência
Ela reforça que o problema é setorial, lembrando que os gestores do Santander (SANB11), em teleconferência de resultados do 2T25, comentaram que estão colecionando recuperações judiciais. “Como o Banco do Brasil tem 50% do mercado no crédito agrícola, a gente acha difícil que essa situação melhore substancialmente no curto prazo.”
A analista da Empiricus lembra que um entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que permitiu produtores pessoas físicas registrados em juntas comerciais ingressar com pedidos de recuperação judicial, tem agravado a situação.
O cenário ruim combina preços pressionados de commodities, crédito caro e produtores endividados. Medeiros lembra que a soja segue em queda e que a Selic a 15% amplia o risco. “Qualquer spread acima disso tende a pressionar a inadimplência”, diz. Em outras palavras, a taxa extra cobrada pelos bancos (spread) deixa o crédito ainda mais caro e, para o produtor rural, isso significa dívidas mais pesadas.
Estratégia do BB para enfrentar calote
Na tentativa de controlar o risco, o BB passou a exigir garantias mais robustas, como alienação fiduciária de terras e equipamentos, no lugar de lastros atrelados à safra. Com isso, o BB passou a originar menos crédito novo, mas viu os contratos antigos, mais frágeis, ganharem peso relativo em seu portfólio. “Conforme você vai originando menos, os créditos podres ficam mais representativos”, explica Medeiros. Assim, a taxa consolidada de inadimplência pode superar 4% neste trimestre.
Larissa avalia que a estratégia atual está correta, mas exige tempo para surtir efeito. “Crédito demora a dar problema e demora a sair do balanço.” Ela projeta um horizonte de 18 meses para normalização dos índices. A queda da Selic a partir de dezembro deve ajudar. “A partir do primeiro trimestre do ano que vem a gente já pode ver alguma melhora gradual”, afirma.
A carteira consolidada do banco soma cerca de R$ 1,3 trilhão em ativos, sendo R$ 409 bilhões no agronegócio – aproximadamente um terço do total. Somando a carteira da BB Seguridade (BBSE3), subsidiária de seguros, previdência e capitalização, o banco chega a R$ 2,4 trilhões em ativos.
Programa do governo é insuficiente
Diante deste porte, o programa de crédito do governo federal anunciado na semana passada e publicado hoje no Diário Oficial da União (DOU), de R$ 12 bilhões, é positivo, mas insuficiente. Na sexta o governo publicou uma medida provisória que autoriza a renegociação das dívidas de produtores rurais prejudicados por eventos climáticos adversos.
“É importante, mas não muda o jogo”, diz Medeiros. Ele lembra que só a carteira prorrogada do agronegócio – produtores que conseguiram negociar mais prazo para pagamento -, soma R$ 58 bilhões, o equivalente a 14% da carteira expandida do setor e 4,5% da carteira total do banco. A chamada carteira expandida inclui todos os instrumentos de crédito que o banco tem exposição, incluindo títulos como os Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA).
O anúncio do programa na sexta (5) coincidiu com a alta das ações do BBAS3, mas para os analistas os motivos para isso foram outros. Na visão de Larissa Quaresma, por exemplo, o rali da sexta foi uma combinação de payroll (relatório mensal de empregos) fraco nos EUA, que reforçou apostas em corte de juros por lá, e pesquisas eleitorais que mostraram melhora de um candidato de oposição pró-privatização e reformas. “Isso faz o mercado premiar múltiplos de estatais”, resume.
Problemas de gestão e Magnitisky
Os desafios do BB também passam pela gestão. O aumento agressivo de concessões desde a troca de comando, que elevou a carteira do agro de R$ 309 bilhões no fim de 2022 para mais de R$ 400 bilhões é visto com desconfiança pelo mercado.
Apesar de a projeção da administração de aumentar provisões, reduzir para 30% a distribuição dos lucros e ajustar para R$ 21 bilhões a previsão de resultado líquido (contra R$ 37 bilhões anteriores), parte do mercado não enxerga essa estratégia como suficiente para reter capital de forma a fazer frente às atuais perdas.
Alheio ao comando, a Resolução 4966 do CMN obriga o banco a parar de contabilizar juros em créditos com mais de 90 dias de atraso, impactando em cerca de R$ 1 bilhão por trimestre a margem financeira. “É um valor significativo”, diz Medeiros.
A questão internacional, com a Lei Magnitsky, é outro desafio mas que ainda não pesou sobre as ações. Para Medeiros, o tema preocupa mais investidores pessoa física do que institucionais. “Tende a ser mais ruído”, diz. Ele compara com sanções anteriores, como no caso do BNP Paribas, multado em US$ 9 bilhões por negócios com acusados de terrorismo, mas paralelo não parece razoável com a situação brasileira, e vê que esse debate perderrá força com o tempo. “Daqui a 12 meses o assunto e os riscos provavelmente vão ser outros.”
BBAS3 oportunidade de longo prazo
Mesmo com dificuldades grandes, os analistas enxergam oportunidades no BBAS3 para investidores de longo prazo. O banco tem vantagens competitivas, como o domínio sobre 50% do crédito agrícola do país, além de forte participação em depósitos à vista e poupança. Hoje, o papel negocia com desconto frente ao valor patrimonial, o que amplia o potencial de valorização.
Para os próximos trimestres, o investidor deverá focar nos indicadores de inadimplência da carteira agronegócio e também de pessoa jurídica, que vem crescendo no Banco Central. As micro e pequenas empresas estão pressionadas pelo CDI alto. Outros indicadores para ser acompanhados são o índice de capital principal, que define a capacidade do banco de pagar dividendos e expandir crédito e ROE (retorno sobre o patrimônio líquido). Com um ROE abaixo do custo de capital (hoje em 15%), o banco até pode apresentar lucro, mas o acionista estaria melhor aplicado em alternativas como a Selic.
O cenário eleitoral também pode influenciar e uma troca de administração mais pró-mercado poderia melhorar a alocação de capital e corrigir ineficiências da gestão. “A atual não tem se mostrado capaz de lidar com R$ 2,4 trilhões em ativos”, comenta Medeiros.
A Empiricus mantém visão neutra para BBAS3, negociando a 0,6 vez o valor patrimonial. Para atravessar a volatilidade, Larissa recomenda estratégias defensivas. “Comprar put de Banco do Brasil pode ser uma estratégia interessante.”