No curto prazo, o efeito já pode ser observado na valorização do peso argentino, na alta da bolsa de valores e na expectativa de queda do risco-país. Analistas, porém, alertam que, para o médio prazo, o mercado vai avaliar se o apoio será acompanhado de reformas estruturais e disciplina fiscal, já que os recursos oferecem tempo, mas não resolvem sozinho os problemas mais profundos da economia.
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O pacote inclui cerca de R$ 20 bilhões em swap cambial do governo norte-americano (um acordo em que os EUA fornecem dólares à Argentina em troca de sua moeda local, com recomposição futura), R$ 4 bilhões de assistência do Banco Mundial e mais R$ 4 bilhões anunciados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), instituição que oferece empréstimos ou recursos para projetos e suporte econômico na América Latina. Além desse montante, uma redução temporária de impostos sobre exportações também trouxe US$ 7 bilhões em poucos dias.
O problema é que, apesar do alívio imediato, especialistas alertam que a situação permanece frágil, sem solução para problemas estruturais, sobretudo porque, no final do segundo trimestre deste ano, a dívida externa bruta da Argentina atingiu US$ 305,043 bilhões, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec).
Esse valor representa um aumento de US$ 23,783 bilhões em relação ao trimestre anterior. O crescimento ocorreu principalmente devido ao aumento do endividamento do governo em US$ 18,48 bilhões, proveniente de empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de outras instituições multilaterais.
As dívidas de empresas não financeiras e de famílias subiram US$ 2,435 bilhões, enquanto o Banco Central registrou acréscimo de US$ 2,380 bilhões e as instituições financeiras captadoras de depósitos US$ 559 milhões. No trimestre, a dívida externa bruta total avançou US$ 18,162 bilhões em relação ao mesmo período de 2024, atingindo o nível mais alto desde 1994, quando começaram as séries históricas do Indec.
Considerando o valor de mercado, a dívida externa bruta alcançou US$ 284,905 bilhões, um crescimento de US$ 24,669 bilhões em relação ao primeiro trimestre deste ano e de US$ 36,527 bilhões ante o segundo trimestre de 2024. A dívida do governo é composta por US$ 96,763 bilhões em empréstimos e US$ 70,799 bilhões em títulos de dívida a valor nominal cujo valor de mercado é de US$ 50,423 bilhões, indicando baixa valorização dos títulos soberanos argentinos.
O endividamento com o FMI subiu para US$ 55,17 bilhões, aumento de US$ 13,994 bilhões em relação ao trimestre anterior após a assinatura de um novo acordo de facilidades ampliadas. No total, os compromissos com credores internacionais cresceram US$ 16,014 bilhões e os débitos com credores privados avançaram US$ 2,424 bilhões, mostrando a pressão sobre as contas externas do país.
“Esse movimento é claramente uma ação política, principalmente do governo Trump, para fortalecer sua influência na América Latina e mostrar que os Estados Unidos estão dispostos a agir para manter a Argentina alinhada. O apoio oferecido funciona como uma solução temporária e não resolve os problemas estruturais que a Argentina enfrenta”, afirma João Ferreira, sócio da One Investimentos.
Riscos que investidores correm na Argentina
Os investidores devem ter consciência de que a Argentina continua sendo um mercado de elevado risco, alerta Hulisses Dias, mestre em finanças e sócio da Beginity Capital. Segundo ele, os retornos financeiros ficam vulneráveis a mudanças inesperadas, em meio a uma economia marcada por volatilidade cambial intensa e inflação persistente, que corroem o poder de compra e aumentam a pressão sobre empresas e consumidores.
Mudanças repentinas do governo, como novas medidas ou alterações em impostos, podem reduzir rapidamente os ganhos, afetando tanto títulos públicos quanto ações e outros ativos do setor privado. Nesse contexto, Dias pontua que é necessário acompanhar de perto o mercado e adotar estratégias de proteção, priorizando ativos defensivos que ajudem a reduzir os riscos políticos e cambiais.
“O ponto positivo é que, em cenários de crise, surgem ativos descontados, o que pode gerar oportunidades para investidores sofisticados, com perfil arrojado e tolerância a grandes oscilações. Para o investidor iniciante ou conservador, o risco pode superar em muito o potencial de retorno”, afirma Dias.
O mestre em finanças e especialista em economia e política internacional, Paulo Godoi Filho, acrescenta que investir na Argentina exige muita seletividade e visão de longo prazo. Esse tipo de aplicação, diz ele, é indicado apenas para investidores com alta tolerância a oscilações e dispostos a manter os recursos aplicados por períodos mais extensos, apostando que reformas fiscais e de controle da inflação podem não avançar rapidamente, mesmo diante de turbulências econômicas.
Onde investir na Argentina
Na prática, Ferraira, da One Investimentos, recomenda escolher setores ou empresas que recebem receita em moedas fortes, como o dólar, ou que dependam menos do consumo doméstico, que segue em queda. Entre os instrumentos mais acessíveis, ETFs (fundos que replicam fundos de índices) e alguns ADRs (títulos de empresas argentinas negociados nos Estados Unidos) surgem como alternativas para investidores que buscam exposição ao mercado argentino de forma relativamente mais segura.
No setor de energia, o Bradesco BBI mantém a preferência por empresas que apresentam maior capacidade de enfrentar momentos de instabilidade. A Vista Energy passou a integrar a carteira, substituindo a YPF, que permanece fora da seleção. A lista de ações recomendadas também inclui TGS, Pampa Energía e IRSA.
No segmento financeiro, os analistas sugerem reduzir a exposição a bancos mais sensíveis a choques econômicos locais. Nesse contexto, o Grupo Financiero Galicia (GGAL) foi retirado da carteira e substituído pela Byma, a bolsa de valores da Argentina, considerada mais resistente às flutuações políticas e macroeconômicas do país.