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Fraude virou ciência: como escapar de golpes que usam a sua mente

Do WhatsApp ao drink adulterado, golpes cada vez mais sofisticados mostram que a confiança virou alvo

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Como fraudes exploram emoções, manipulam confiança e usam ciência do comportamento para enganar; veja dados, exemplos e formas de se proteger. (Imagem: Adobe Stock)
Como fraudes exploram emoções, manipulam confiança e usam ciência do comportamento para enganar; veja dados, exemplos e formas de se proteger. (Imagem: Adobe Stock)

Vivemos hoje uma era em que a insegurança corrói a confiança em todos os âmbitos: nas relações, instituições e até mensagens que chegam ao celular. Esse estado de alerta permanente desgasta a saúde emocional e alimenta o pânico coletivo. Não basta se proteger com tecnologia. É preciso compreender como a mente funciona. E é aí que a psicologia do comportamento faz diferença.

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E não se trata apenas do mundo digital. A recente onda de bebidas adulteradas com metanol, que já provocou mortes no Brasil, é outro retrato dessa insegurança. Rótulos e embalagens falsificados enganam os olhos, assim como narrativas convincentes enganam os ouvidos. O mecanismo é o mesmo: criminosos se apropriam da confiança e a transformam em armadilha. Quando a desconfiança se espalha por todos os lados, da transferência bancária a um drink, vivemos uma guerra silenciosa que adoece a sociedade e mina a confiança necessária para o crescimento de um país.

Na última semana, vivi pessoalmente uma tentativa desse novo tipo de fraude. Após uma palestra sobre psicologia do investidor, recebi mensagens que imitavam o tom de escrita da minha advogada, com dados reais de um processo que aguardo. Logo depois, veio a ligação de um número com o logo do banco no WhatsApp, reforçando a encenação. O enredo explorava minha expectativa pelo resultado da ação, o cansaço da viagem e a alegria do dever cumprido. Era convincente demais para ser coincidência. Justamente por isso tão perigoso.

Não houve prejuízo porque mantenho um hábito: não carrego em viagem celular com aplicativos bancários ou de transferência. Essa barreira prática me deu tempo de refletir e perceber que era um golpe.

O crime evoluiu. Se antes estava armado apenas de violência física, hoje domina a tecnologia, a inteligência artificial e a ciência do comportamento. Os fraudadores trabalham com nossas emoções como matéria-prima. Exploram o medo, manipulam afetos, estimulam desejos, se aproveitam da euforia. Sabem identificar quando estamos cansados, quando a autoconfiança vira excesso, quando o viés de confirmação nos faz acreditar no que já queremos ouvir. Não é improviso. É ciência sendo usada contra nós.

Exemplo disso são fraudes que utilizam biometria facial para enganar sistemas de reconhecimento. É como se o golpista importasse sua identidade para dentro da máquina. Segundo o Identity Theft Resource Center, os golpes de personificação, de vozes clonadas a falsos atendimentos digitais, cresceram 148% em um ano. Esse salto tecnológico mostra que não lidamos mais com amadores, mas com operações complexas que exigem prevenção em outro nível.

Os números no Brasil também impressionam. Só nos dois primeiros meses de 2025, foram mais de um milhão de tentativas de fraude, uma a cada dois segundos. No setor bancário, 1,87 milhão no trimestre, alta de 20%. O golpe do falso advogado já atingiu oficialmente 17,5 mil pessoas, segundo a OAB. E a saúde suplementar, planos de saúde e odontológicos privados, recebeu mais de 4 mil denúncias de fraude em cinco anos.

O que precisamos reconhecer é que os golpes exploram nossas vulnerabilidades emocionais. O cansaço reduz o raciocínio. A euforia baixa a guarda. O viés de confirmação nos faz acreditar em algo que desejamos, em um medo que já carregávamos ou em uma promessa que esperávamos receber. E o excesso de confiança nos convence de que “comigo não acontece”.

E o que podemos fazer diante disso? Se o crime usa ciência contra nós, precisamos usar a ciência do comportamento a nosso favor. O primeiro passo é criar condições para que a razão entre em cena. Pausas obrigatórias antes de qualquer decisão financeira são simples, mas poderosas. Um “vou pensar e retorno depois” já desarma o golpista.

Criar nudges pessoais também ajuda. Barreiras práticas, como não manter aplicativos bancários em todos os dispositivos ou limitar transferências previamente. E, sobretudo, fortalecer o radar interno: se algo parece bom demais, se chega em tom de urgência ou desperta emoções intensas, desconfie.

A ciência do comportamento mostra por que caímos: heurísticas de confiança: quando algo vem de um estabelecimento tradicional, ou de um WhatsApp que exibe foto e nome de alguém conhecido, a mente baixa a guarda. Viés de confirmação: acreditamos em narrativas que reforçam desejos, medos ou expectativas já existentes. Viés da normalidade: pensamos que “isso não vai acontecer comigo” ou que “não adulterariam justamente essa garrafa ou essa operação”. Esgotamento do ego: cansados, relaxamos a vigilância crítica. Impacto coletivo: quando fraudes se multiplicam, a sociedade passa a viver em desconfiança constante. Isso adoece mentalmente e trava a economia.

O segundo passo é praticar a checagem cruzada. Confirme sempre por outro canal oficial. Ligue para o banco, para o advogado, para a empresa. Não confie no número ou link que chega até você. E, por fim, transforme conhecimento em blindagem. Fale sobre os golpes, compartilhe informações, ajude quem está ao seu redor. O silêncio é o maior aliado do criminoso.

Fraudes não são apenas crimes, são ataques à confiança que sustenta nossas relações. E, se a confiança é minada, a vida em sociedade adoece. É dever do Estado e da Justiça oferecer segurança, porque uma crise de confiança corrói não só os vínculos pessoais, mas também o crescimento econômico de um país. Enquanto essa proteção não se fortalece, cabe a cada um de nós reforçar a lucidez, criar barreiras e não ignorar os próprios alertas.

As mães diziam: não converse com estranhos. Hoje, o desafio é outro: reconhecer que o estranho pode ser justamente quem parece íntimo demais.

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