OS COEs voltaram a chamar a atenção do mercado em meio à crise de crédito da Ambipar (AMBP3). (Foto: Adobe Stock)
A queda recente das ações da Ambipar (AMBP3), empresa que enfrenta crise financeira e conseguiu no final de setembro uma tutela cautelar na Justiça do Rio de Janeiro contra bancos credores, chamou atenção do mercado para outro ativo: os Certificados de Operações Estruturados (COEs). Com a promessa de alinhar o “retorno de renda variável com a segurança de renda fixa“, o produto ganhou espaço nos portfólios, sem que houvesse a compreensão plena de boa parte dos investidores pessoa física sobre os riscos envolvidos.
Como detalhamos nesta reportagem, os clientes do BTG Pactual e da XP Investimentos, que adquiriram os COEs da Ambipar ao longo de 2024, perderam quase todo o valor investido em poucos dias.
O modelo dos COEs foi questionado após a empresa de gestão ambiental indicar a possibilidade de pedir recuperação judicial. As ações da companhia na Bolsa de Valores despencaram 90,5% em 10 pregões consecutivos, pressionando os COEs estruturados por XP e BTG — porque eles acompanham a trajetória dos ativos na B3. No acumulado do ano, AMBP3 recuou 94,38% até chegar à cotação de R$ 0,73 nesta quinta-feira (9).
O episódio ilustra bem a complexidade desses ativos que, mesmo sem a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), vêm atraindo o capital do público de varejo, sem a devida cautela que o produto exige. Isso reforça as orientações básicas para qualquer investimento: estar ciente do que se trata o produto e qual é a finalidade para o portfólio.
O que são COEs?
Os COEs foram criados no Brasil em 2010 com o objetivo de ser a versão brasileira das Notas Estruturadas, investimentos comuns nos Estados Unidos e na Europa. A regulamentação da operação, contudo, ocorreu apenas em 2013 pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), oferecendo aos bancos mais uma alternativa de captação de recursos via mercado de capital.
O COE é na prática um título emitido por um banco que mistura uma parcela derenda fixa, responsável por proteger parte do investimento, e outra vinculada a derivativos, que expõem o investidor ao desempenho de ativos como ações ou atrelados a índices. O retorno final depende do cenário projetado no momento da emissão: se o ativo de referência evoluir conforme as condições previstas, há lucro — caso contrário, o investidor pode sair do período de vencimento sem rendimento ou até com perdas.
Enquanto os bancos e emissores conhecem os detalhes e riscos embutidos na estrutura, o investidor pessoa física muitas vezes não compreende como o desempenho do ativo de referência impacta seu retorno final.
Em muitos casos, a sedução dos ganhos esconde o risco real da operação. A emissão desses certificados pode ser feita em duas modalidades: valor nominal protegido ou valor nominal em risco.
O primeiro funciona da seguinte forma: se a rentabilidadedo ativo atrelado ao COE for positiva, o investidor ganha o lucro. Mas se os retornos forem negativos, recebe o valor investido, inicialmente sem a correção monetária na data de vencimento do COE.
As perdas recentes em COEs ligados à Ambipar evidenciam como esses produtos podem esconder riscos pouco claros ao investidor. Quem compra acredita estar aplicando em algo com características de renda fixa, mas o resultado final depende do comportamento de uma ação ou índice específico — o que pode levar a prejuízos quando o cenário projetado não se concretiza.
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“Imagine que você investe R$ 100 mil em um COE com vencimento de 3 anos e que protege o valor nominal. Ao fim de três, você tem a garantia de, no mínimo, receber os R$ 100 mil”, exemplifica Marcos Praça, diretor de análise na Zero Markets Brasil.
Já na segunda opção, há a possibilidade de perda total do capital investido, como ocorreu com os COEs da Ambipar.
Vale a pena ter COEs na carteira?
Especialistas ouvidos pelo E-Investidor explicam que a decisão de incluir ou não COEs no portfólio depende do perfil de risco e do nível de experiência de cada investidor. Como esses produtos possuem estruturas complexas e baixa liquidez, o investidor comum pode ter dificuldade de avaliar corretamente a relação entre o risco e o retorno desses instrumentos.
“As instituições financeiras podem estruturar e vender COEs com remunerações menores ao que o investidor poderia obter montando as suas posições por conta própria”, diz Harrison Gonçalves, membro do CFA Society Brazil, associação dos analistas de investimentos certificados.
Marília Fontes, cofundadora da Nord Investimentos, tem um pensamento similar. Para ela, só faz sentido ter esses instrumentos financeiros caso o investidor queira ter acesso a uma estratégia de investimentos que não está disponível no mercado brasileiro. Mesmo nesses casos, a especialista recomenda exposição de até 2% na carteira.
“A falta de liquidez e o prazo longo de vencimento, em alguns casos de cinco anos, tornam o produto inadequado para investidores que possam precisar resgatar o dinheiro antes do prazo”, diz Fontes. “Ele pode fazer sentido para investidores com perfil de risco de moderado a arrojado e que não precisem de liquidez, além de entender os riscos envolvidos na operação”, complementa.
A percepção sobre esses produtos, no entanto, não é unânime no mercado financeiro. Há especialistas que enxergam oportunidades interessantes nos COEs.
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José Victor Cassiolato, estrategista da Victrix Capital, por exemplo, argumenta que essas operações oferecem aos investidores a possibilidade de “experimentar” investimentos sem perder completamente o valor investido. Para essas finalidades, os COEs da modalidade“valor nominal protegido” correspondem à melhor opção.
“O COE consegue oferecer ao investidor mais certeza do que pode acontecer no futuro em comparação a outros ativos. Se o investidor alocar dinheiro no Ibovespa, ele pode não ter nada daqui a três. Pelo COE, há a possibilidade de ter seu capital protegido, taxa mínima ou correção pela inflação”, afirma Cassiolato.
Até junho deste ano, cerca de 630 mil investidores pessoa física tinham posição em COEs, com um saldo de R$ 75,3 milhões, segundo dados mais recentes da B3. O número de base dos investidores representa uma alta de 5% em comparação ao fim de 2024, enquanto o saldo subiu 15% no mesmo período.