Ainda assim, o mercado de leilões imobiliários vem ganhando cada vez mais espaço graças à digitalização das plataformas e aos preços atrativos. Mas quando vale a pena investir em um imóvel de leilão? E, antes de levantar a plaquinha (o que na verdade significa clicar em “dar lance”), quais cuidados são indispensáveis para não transformar um bom negócio em dor de cabeça?
Dados da plataforma agregadora Leilão Imóvel, em parceria com a Associação Brasileira dos Arrematantes de Imóveis (Abraim), mostram que o número de propriedades ofertadas por meio de leilões cresceu 25% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado, somando cerca de 116,6 mil imóveis disponíveis.
Desse total, 13,8% foram efetivamente arrematados, com desempenho melhor nos leilões judiciais (15%) do que nos extrajudiciais (12,6%) — de forma sucinta, a principal diferença é que o leilão judicial é ordenado por um juiz em um processo judicial (como execução de dívidas), enquanto o leilão extrajudicial ocorre por força de lei, fora da Justiça, como em casos de alienação fiduciária de imóveis financiados. O avanço, conforme a Leilão Imóvel, vem após um período de retração provocado pela pandemia de Covid-19, quando a retomada de imóveis e os leilões extrajudiciais ficaram suspensos, além da paralisação parcial do Judiciário.
Esses imóveis vão a arremate por diferentes razões, desde execuções de hipoteca e consolidação de alienação fiduciária até liquidação de patrimônio ou disputas judiciais. Em comum, todos espelham algum tipo de inadimplência ou necessidade de recuperação de crédito por parte dos bancos e credores.
De olho no lucro: perfis estratégicos dominam leilões imobiliários
Nem sempre quem participa de leilões quer comprar um imóvel para morar. O perfil, segundo especialistas, é formado, em sua maioria, por investidores experientes e oportunistas, que buscam imóveis com potencial de valorização rápida. Entre eles, destacam-se os adeptos do house flipping (compra, reforma e revenda) e os que apostam na locação de curto prazo como forma de rentabilizar o investimento.
A engenheira Fernanda Gaebler, 46, é uma dessas pessoas que não deixam a oportunidade passar. Já atuante no mercado imobiliário, construindo e vendendo imóveis, ela conheceu esse universo quase por acaso, a partir da compra de um carro em leilão. Pesquisando, percebeu que surgiam oportunidades interessantes também em imóveis, e foi em junho de 2023 que iniciou suas operações nesse segmento.
No começo, Gaebler seguiu com cautela, buscando conhecimento mínimo antes de dar os primeiros lances. Arrematou três imóveis, mas acabou desistindo de um deles. Sem domínio total da parte jurídica, cometeu alguns erros, mas conseguiu minimizar riscos graças à assessoria de profissionais experientes, que reverteu uma arrematação que se arrastava por um ano sem decisão judicial. Com isso, ela saiu da operação sem prejuízo, já que o depósito judicial rendia juros e os valores pagos, incluindo a comissão do leilão, foram devolvidos.
Hoje, ela conta que já arrematou 13 imóveis: onze vendidos e dois à venda no mercado. “Compro imóveis para revenda, mas tenho planos de começar a imobilizar alguns já no médio prazo para criar uma carteira fixa para aluguel. É um negócio muito lucrativo para quem estuda e se dedica com tempo e esforço. Às vezes, consigo arrematar três imóveis em uma semana. Às vezes, participo de 20 leilões para arrematar apenas um. Justamente porque eu preciso de boa margem para revenda”, diz.
Por que o mercado de leilão está crescendo?
A alta dos juros, com o crédito imobiliário ainda atrelado a uma Selic em 15% ao ano, tem encarecido o financiamento da casa própria, o que tende a aumentar os casos de inadimplência e, consequentemente, o número de imóveis retomados pelos bancos. “Os brasileiros demoraram muito tempo pra descobrir o mercado de leilões. Sempre foi uma área muito estigmatizada. Mitos populares negativos afastavam as pessoas desse mercado, porém, com o aumento dos valores dos imóveis no Brasil e com a propagação do tema na internet, passou a ter maior visibilidade e ser acessível a mais pessoas”, diz Daniel Mascarin, diretor da Leilão Imóvel.
André Zalcman, CEO do Leilão Eletrônico e especialista em leilão de imóveis, avalia que investir em imóveis na planta já não é tão atraente quanto antes. Por muito tempo, essa era a estratégia preferida de compradores e investidores, mas o aumento da demanda elevou os preços dos lançamentos a patamares próximos ao valor de mercado. Além disso, ele diz que o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC) e outros mecanismos de correção tornaram os ganhos mais incertos, sem contar os riscos de atrasos na entrega ou diferenças em relação ao projeto original.
Nos leilões, segundo Zalcman, a realidade muda. Os imóveis já estão prontos e disponíveis para venda imediata, permitindo comparar preços de forma transparente e avaliar o valor real do bem antes de decidir pela compra. “As negociações são mais rápidas, menos sujeitas a reajustes e podem ser realizadas de forma 100% on-line, em qualquer lugar do Brasil, garantindo praticidade e acesso a oportunidades em diferentes regiões. Isso torna o processo mais previsível e, em muitos casos, mais vantajoso do ponto de vista financeiro”, argumenta.
Para este ano, a projeção da Zipin, hub de investimentos imobiliários, é de que o mercado de leilões imobiliários some cerca de 380 mil imóveis em editais, movimentando R$ 275 bilhões em valores de avaliação. A taxa de arrematação deve subir para 15%, o que representaria aproximadamente 60 mil transações efetivas e um Valor Geral de Vendas (VGV) real de R$ 4 bilhões, quase o dobro do volume registrado no ano passado.
A Caixa Econômica Federal, por exemplo, responsável por cerca de 70% dos financiamentos no País, leiloou aproximadamente 51 mil imóveis em todas as regiões do Brasil em 2024, de acordo com dados da instituição. Neste ano, até o momento, o banco diz que cerca de 47 mil imóveis já foram colocados em disputa, e a expectativa é de crescimento até o fim do ano, com a continuidade dos certames em andamento.
Os preços variam entre R$ 80 mil e R$ 250 mil, com ofertas que incluem casas, apartamentos, salas comerciais e terrenos. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Paraná são os estados que lideram a quantidade de imóveis levados a leilão, de acordo com a Caixa.
Segundo a Zipin, o mercado de leilões ainda mantém 85% dos imóveis disponíveis, mostrando seu potencial pouco explorado. Entre os motivos para tantos imóveis não serem arrematados estão o medo de dívidas, a falta de preços atrativos e questões jurídicas relacionadas a propriedade, usufruto ou espólio.
Quais cuidados tomar ao comprar imóvel em leilão
Investir em imóveis retomados pode ser uma oportunidade interessante, mas não é um caminho para iniciantes sem preparo, alerta Marcelo Prata, fundador da Resale. Ele diz que embora o segmento ofereça boas oportunidades de mercado, exige assessoria especializada, de preferência um advogado familiarizado com esse tipo de operação.
Um dos principais cuidados está na ocupação do imóvel. Embora alguns casos precisem de desocupação judicial, a experiência mostra que em mais de 90% das situações ela ocorre de forma amigável, segundo dados da Resale. Ainda assim, tentar conduzir o processo sozinho pode trazer problemas, por isso o acompanhamento profissional é fundamental.
Outro ponto de atenção são as dívidas vinculadas ao imóvel, como o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), condomínio ou taxas extras. Alguns vendedores repassam esses valores ao comprador, tornando a análise do contrato ou do edital indispensável. Por fim, seja em leilões ou vendas diretas, Prata recomenda ler atentamente todos os documentos, do edital à ficha proposta, porque detalham as condições da negociação e ajudam a evitar surpresas durante a compra.