Selic alta encarece crédito e trava imóveis, mas 2026 deve ser melhor para quem quer comprar a casa própria?
Com juros em 15% ao ano e crédito caro, financiamentos caem em 2025; analistas projetam cortes ano que vem, o que pode mudar preços de venda e aluguéis
A taxa Selic em 15% ao ano mantém o crédito imobiliário caro e afeta tanto quem busca investir quanto quem precisa de um imóvel para morar. Com juros elevados, as parcelas ficam mais pesadas e muitas pessoas adiam o sonho da casa própria, enquanto a renda fixa se torna mais atrativa para quem tem dinheiro disponível.
Esse movimento já aparece nas estatísticas da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Nos primeiros oito meses deste ano, as contratações com recursos da poupança somaram R$ 97,1 bilhões, uma queda de 18% em relação ao mesmo período do ano passado, quando os juros estavam mais baixos e havia maior apetite por novos financiamentos.
Em 2024, o volume financiado via poupança chegou a R$ 187 bilhões, número que não deve se repetir neste ano: a Abecip projeta que 2025 termine em torno de R$ 150 bilhões, ou seja, 20% menos. No caso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), os financiamentos caminham em direção oposta, com expectativa de crescimento de 20% e um total de R$ 152 bilhões, puxados principalmente pelo programa Minha Casa Minha Vida, voltado às famílias de menor renda.
Mas esse jogo pode virar se as projeções dos analistas do mercado, apoiadas por leituras semanais do Boletim Focus, se confirmarem. O Bradesco BBI projeta que a Selic deve começar a cair em 2026, chegando a 11,75% ao fim do ano, após descartar a possibilidade de corte em dezembro deste ano.
A avaliação é semelhante à do Itaú BBA, que estima que a taxa permanece em 15% até dezembro e inicia um ciclo de reduções no primeiro trimestre de 2026, encerrando o ano seguinte em 12,75%. Já a XP Investimentos adota uma visão mais agressiva e prevê seis cortes consecutivos a partir de 2026, o que levaria a Selic a 12% ao ano.
“Essa possível virada pode alterar tanto os preços de venda quanto a rentabilidade dos aluguéis, equilibrando o jogo entre compradores e investidores”, diz Adenauer Rockenmeyer, delegado do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP).
Para Lucas Girão, economista e planejador financeiro, a expectativa de cortes futuros já cria um movimento de “espera ativa” no mercado. “Alguns compradores antecipam negociações justamente para tentar aproveitar os preços antes de eles reagirem à queda dos juros. Então, o cenário no curto prazo deve ser de vendas ainda moderadas, mas com uma retomada gradual de confiança à medida que o ciclo de cortes se confirma”, explica.
Selic alta freia expansão do crédito habitacional
O crédito imobiliário sofre influência direta das expectativas do mercado em relação aos juros de longo prazo, afirmam os especialistas. No Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), usado principalmente pela classe média, a conta fica ainda mais pesada. Quanto maior a taxa, maior o valor acumulado pago ao banco ao longo do contrato.
Quem compra imóvel na planta enfrenta um obstáculo extra: o saldo devedor sofre reajuste mensal pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). Mesmo sem ligação direta com a Selic, o indicador vem avançando por causa da inflação nos insumos da construção civil, o que encarece o imóvel antes mesmo da entrega das chaves.
Outra barreira vem da forma como os bancos precificam o crédito. As instituições antecipam tendências do mercado e incluem nos contratos a percepção de que os juros permanecerão elevados por mais tempo, o que aumenta o custo tanto para compradores quanto para construtoras em busca de capital para novos projetos.
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A fonte dos recursos também faz diferença no valor final. No caso dos financiamentos destinados à classe média, que dependem da poupança, há um limite legal: os bancos são obrigados a destinar até 65% dos recursos captados via caderneta para o crédito imobiliário. Quando a demanda ultrapassa esse teto, as instituições recorrem ao mercado a taxas mais altas, custo que acaba sendo repassado ao mutuário.
Já os contratos com subsídio do FGTS, como no programa Minha Casa Minha Vida, oferecem condições mais acessíveis, mas ficam restritos às faixas de renda mais baixas.
Juros mais baixos podem reaquecer aluguéis e abrir oportunidades em imóveis de qualidade
Se a inflação permanecer sob controle e os cortes de juros seguirem à risca o que espera o mercado, os aluguéis de imóveis bem localizados e com custos de manutenção reduzidos podem voltar a oferecer retorno líquido competitivo, diz Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos.
Caso a Selic volte para a faixa entre 8% e 10% ao ano — algo que ele considera pouco provável no curto prazo —, a renda fixa perderia parte da atratividade e abriria espaço para que o mercado de locação se tornasse novamente interessante, sobretudo para investidores que buscam diversificação em ativos reais.
O movimento, porém, não acontece de forma imediata. Patzlaff e Girão explicam que, diferente do mercado financeiro, que reage quase em tempo real às decisões de política monetária, o setor imobiliário costuma ter um prazo maior para absorver mudanças. Primeiro, a redução dos juros melhora as condições de crédito, depois aumenta o número de compradores ativos e, apenas em seguida, essa pressão se reflete nos preços dos imóveis e no comportamento dos aluguéis. Esse descompasso ajuda a explicar por que investidores costumam enxergar o setor como uma aposta de médio a longo prazo.
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“Quanto mais a expectativa se consolidar, mais veremos um aumento na demanda e como consequência os preços sobem. A queda da taxa de juros vem sendo postergada há muitos meses e isso tem reprimido a demanda. Quem precisa vender está torrando os imóveis, uma boa oportunidade para quem quer comprar. Os primeiros ajustes de valorização provavelmente ocorrerão em regiões centrais, de alta demanda, ou imóveis premium ou de qualidade superior”, finaliza Patzlaff.