Na disputa entre euro e dólar, 2025 expôs forças, fragilidades e novos caminhos da economia global. Foto: AdobeStock
O ano de 2025 começou puxado pelo otimismo do chamado excepcionalismo americano. Mas janeiro não havia terminado quando as propostas de elevação de tarifas do recém-empossado Donald Trump começaram a fazer preço no mercado. A desconfiança se somou ao Deepseek Day, um evento que serviu para questionar a singularidade da economia dos Estados Unidos, puxada pelas empresas de tecnologia.
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Esse foi o início do recuo do dólar frente as principais moedas, movimento que marcou 2025 e que também ajudou a valorizar o real. O receio das tarifas e o impacto disso na política comercial também se somaram à perspectiva de que juros começariam a ceder nos EUA. A nova concorrência chinesa na IA também trouxe a ideia de que a Bolsa americana, puxada pelas Big Techs, estaria sobrevalorizada e alimentou ainda mais o hype global sobre uma possível bolha.
Tudo isso contribuiu para uma realocação global de capital e a Europa, que estava “descontada”, apareceu como o mercado mais seguro. A partir daí, começou também a valorização do euro frente ao dólar, que no ápice, em setembro, chegou a comprar US$ 1,19.
Trump, tarifaço e defesa
O movimento de desvalorização do dólar, porém, não ocorreu de forma linear. A partir de abril, com o anúncio e posterior revisões do chamado tarifaço de Trump, o câmbio ganhou nova dinâmica. O temor inicial de impactos sobre o comércio global cedeu lugar à percepção de que as medidas seriam mais brandas. “Isso abriu espaço para uma recuperação dos ativos de risco e ampliou a desvalorização do dólar frente a várias moedas, inclusive o real”, comenta Isabella Hass, analista de mercado internacional da W1 Capital.
A valorização das Bolsas europeias também combinou o impulso fiscal promovido pela Alemanha na área de defesa. A invasão russa na Ucrânia somada ao posicionamento de Trump de questionar o compromisso dos EUA com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) evidenciou a vulnerabilidade geopolítica das nações da União Europeia (UE).
A UE anunciou planos para aumentar seus gastos com defesa em € 800 bilhões (R$ 5 trilhões). Outros países do continente tomaram medidas semelhantes. Esses movimentos sustentaram o crescimento da Zona do Euro.
A moeda europeia chegou a comprar US$ 1,18 no primeiro semestre, e passou a andar de lado na faixa de preço de US$ 1,16 no resto do ano. Segundo Isabella, “o euro realmente se destacou no início de 2025, impulsionado por uma economia europeia que reagiu positivamente e por uma postura mais estável do Banco Central Europeu (BCE)”. Ela pondera, contudo, que ainda é cedo para falar em força estrutural.
“O euro tem mostrado resiliência, mas transformar essa recuperação em uma força sustentada depende de avanços mais sólidos no crescimento e na integração econômica da União Europeia”, disse a especialista da W1 Capital.
Economia americana segue resiliente
Paralelamente, o debate sobre a desdolarização do mundo, tema liderado pelo bloco dos Brics e encampado por vozes como a do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), reforçou a percepção de perda relativa de força da moeda americana. Em meio a esse ambiente geopolítico instável, o ouro também ganhou tração extra, valorizando quase 50% em um ano.
“Junta tudo isso, parece que o dólar está desmoronando, que a moeda americana está acabando e o mundo não quer mais. Mas não tem nada disso”, diz William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue. Para ele, a desvalorização do dólar este ano foi um movimento conjuntural e que, estruturalmente, a economia dos EUA se mantém sólida e grande propulsora de crescimento.
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“O dólar contra o euro já voltou a se recuperar”, observa Alves. Ele diz que uma desvalorização na casa dos 10% é normal, principalmente sendo o início do ano a base de comparação, quando a moeda americana estava nas máximas. No Brasil, o dólar chegou a bater R$ 6,20 em janeiro. “Os fluxos de capitais já voltaram a migrar para cá, porque sabem que 70% dos investimentos em tecnologia do mundo são feitos aqui nos Estados Unidos”, completa.
Para Alves, a combinação de produtividade elevada, imigração — mesmo com as políticas de Trump — ambiente empresarial competitivo e um capitalismo mais pulsante, manterá os EUA em trajetória de expansão. Tudo isso reforça, na visão do economista, a influência dos EUA sobre a economia global e, por consequência, da força do dólar como reserva de valor. “Por mais que a Europa esteja crescendo, se recuperando, ainda assim, os Estados Unidos crescem mais. Esse é o ponto.”
Isabela, da W1 Capital, reforça essa visão sobre a moeda americana. “O dólar continua sendo a principal moeda de reserva do mundo porque oferece algo que nenhuma outra ainda consegue: liquidez, segurança e um mercado financeiro extremamente profundo e confiável.”
Dólar vs. Real
No Brasil, embora o movimento cambial tenha sido guiado principalmente pelo cenário externo, fatores internos também contribuíram para a valorização do real em 2025. Com juros reais na casa dos 10% ao ano, o diferencial entre Brasil e Estados Unidos manteve-se elevado durante todo o ano, o que atraiu capital estrangeiro para ativos locais.
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Além disso, avanços pontuais nas discussões fiscais e sinais de resiliência da economia doméstica ajudaram a reduzir a percepção de risco. “Mesmo sem uma resolução definitiva sobre as contas públicas, o mercado enxergou um ambiente de risco um pouco mais controlado, e isso também contribuiu para o fluxo positivo”, aponta a especialista da W1 Capital.
Em 2026, o dólar ainda será refúgio?
O cenário de 2026 deve ser de transição gradual, com oscilações pontuais ditadas pelos juros nos EUA e pelo ritmo da economia global. Segundo Isabella, o dólar continuará sensível à política monetária americana. Se o Federal Reserve (banco central dos EUA) mantiver os cortes de juros e o crescimento seguir estável, a moeda tende a perder força frente às principais divisas. No entanto, qualquer sinal de inflação persistente ou desaceleração mais forte pode inverter o movimento rapidamente, reforçando a demanda pelo dólar como refúgio.
Já o euro deve preservar parte do terreno conquistado em 2025, beneficiado pela perspectiva de crescimento moderado e pela condução equilibrada do BCE. A analista da W1 Capital pondera que “o fôlego da moeda europeia tende a ser limitado, já que o crescimento projetado ainda é baixo e há riscos fiscais e políticos importantes dentro do bloco”. Assim, 2026 tende a ser um ano de ajustes sutis, com um dólar ainda dominante, mas menos hegemônico, e um euro tentando consolidar espaço em meio à recuperação gradual da economia dos países do continente.
Diferencial de juros pode ceder
O estrategista-chefe da Avenue vê espaço para uma correção parcial no chamado “excepcionalismo americano”, hoje concentrado em poucas gigantes de tecnologia. Ele acredita que o mercado pode começar a questionar os valuations dessas companhias e buscar oportunidades em outros setores dentro dos EUA. Essa reacomodação, segundo ele, seria saudável e ajudaria a diluir riscos, reduzindo a dependência das Big Techs como principal motor da Bolsa americana.
Em relação ao câmbio, Castro destaca que o diferencial de juros entre Brasil e EUA continuará sendo um fator relevante, mas pode perder força ao longo do próximo ano. “A dinâmica do dólar contra o real tem esse componente extra. Talvez em algum momento de 2026 essa diferença passe a ajudar menos”, observa. Ele acrescenta que as eleições de 2026 no Brasil representam um potencial de risco, com chance de pressionar a moeda brasileira. “Sempre gera um catalisador de risco importante para mercados e que pode fazer preço negativamente contra o real.”