A atual conjuntura de pedidos de Recuperações Judiciais (RJs) no agronegócio confere um cenário incerto sobre o ritmo e a perspectiva de novos pedidos no setor. O Banco do Brasil (BBAS3) evita traçar cenários sobre uma potencial aceleração ou retração do mecanismo no próximo ano.
“Vamos ter de esperar pra ver o que vai acontecer, inclusive porque no momento há muitas coisas misturadas nas RJs. Não necessariamente se a situação estará boa ou ruim economicamente, terá mais ou menos RJs”, avaliou o vice-presidente de Agronegócios e Agricultura Familiar do banco, Gilson Bittencourt, em conversa com jornalistas nesta segunda-feira.
Ao fim de setembro, dados mais recentes, o BB tinha R$ 6,6 bilhões em operações em recuperação judicial envolvendo 928 clientes de uma carteira de crédito de R$ 398 bilhões no agronegócio. O indicador, apesar de minoritário no montante da carteira, afeta as provisões de ativos problemáticos e de caixa do banco. “Tem um impacto relevante. Se isso se tornar algo mais indiscriminado afetará cada vez mais a provisão que tem de ser feita”, apontou Bittencourt.
O crescimento da inadimplência no agronegócio, que atingiu o recorde de 5,39% ao fim do terceiro trimestre deste ano, traz no momento impactos mais significativos sobre a carteira de agronegócio do banco. “O aumento da inadimplência que o Banco do Brasil e outras instituições estão enfrentando não é uma exclusividade da RJ. As RJs normalmente envolvem pessoas físicas ou jurídicas de maior porte, então somando esse grupo pequeno de casos tem um impacto significativo porque são operações maiores, mas a questão do fluxo de caixa apertado afeta vários produtores mesmo não estando em RJ, o que afeta a nossa inadimplência”, observou o executivo, citando os cerca de R$ 20 bilhões em operações de crédito rural com atraso superior a 90 dias.
Para o BB, o mecanismo da recuperação judicial no agronegócio ainda deve passar por um processo de amadurecimento, dados os impactos não apenas nos agentes financeiros, mas em toda a cadeia envolvendo o agronegócio. “A discussão que temos feito é como garantir que esse mecanismo cumpra a sua finalidade, para que não tenhamos situações de mau uso desse mecanismo e que não haja o uso indiscriminado da RJ no setor rural. Até em que ponto o mecanismo é bom ou até em que ponto o mecanismo pode estar prejudicando a concessão de crédito?”, questionou Bittencourt.
À frente da carteira de crédito rural do BB, que representa um terço da carteira total de crédito do banco, Bittencourt acredita em um processo de aprendizado pelos produtores e instituições financeiras envolvendo recuperação judicial. “A legislação sobre as RJs pensou de uma forma, no processo de desenvolvimento ela foi avançando. Ainda tem muitas interpretações que são muito individualizadas de uma justiça, de um juiz, de um tribunal. Há um tempo de maturação desse processo”, observou o executivo, citando consequências negativas e positivas desse processo. “O importante é que cheguemos em uma situação que efetivamente seja para atender o que a legislação previu”, pontuou em referência à legislação de 2020 que permite RJs de produtores rurais.
Na análise do vice-presidente do BB, o impacto das RJs em toda a cadeia do agronegócio é “muito maior” que o compreendido hoje. Bittencourt aponta que há “um desenho a ser melhor trabalhado” em relação às RJs, incluindo aspectos relacionados a produtores e de eventuais falências. “As consequências, caso seja uma falência, podem ser muito mais danosas do que um processo de busca de uma solução negociada”, acrescentou.
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Para ele, é a Justiça quem dará orientação sobre os limites das RJs no agro à medida que a própria Justiça “conseguir entender o que está ocorrendo”. “Há uma preocupação geral no jurídico sobre as diferenças de decisões que estão ocorrendo na primeira instância. Se vai ser o Conselho Nacional de Justiça, se vai ser um tribunal, se vai ser o próprio Congresso, cujos parlamentares apontam que precisa ter mudanças, se será uma interpretação jurídica ou uma mudança pelo Congresso, a definição mais política nos próximos meses que vai nos dizer”, sinalizou.
Diretor de Agronegócios e Agricultura Familiar do BB, Alberto Martinhago, aponta que a RJ é um mecanismo “legítimo” e previsto em lei, mas que, em muitos casos, trata de problemas que poderiam ser resolvidos antecipadamente ao instrumento. “As próprias lideranças do agronegócio estão preocupadas, porque de alguma maneira, isso acaba criando novos mecanismos de controle para quem concede crédito, não apenas os bancos, que querem garantias de recebimento nas condições acordadas. O que nos preocupa na procura de uma RJ pelo produtor rural são as operações que podemos resolver com alongamento, reestruturação”, alertou Martinhago.
Para evitar que produtores entrem em recuperação judicial antes de esgotar as opções tradicionais ofertadas pelo agente financeiro, o Banco do Brasil (BBAS3) “tem mudado a atitude e os mecanismos”, disse Bittencourt. As mudanças passam pelo maior monitoramento da situação em tempo real com tecnologia das lavouras dos produtores rurais à maior proatividade no contato e acompanhamento das operações de crédito junto aos produtores antes mesmo de as parcelas vencerem.