Segunda parcela do 13º salário chega em um cenário raro de juros altos, abrindo espaço para investimentos conservadores com retorno elevado. (Foto: Adobe Stock)
Nesta sexta-feira (19), cai a segunda parcela do 13º salário para os trabalhadores que se enquadram nos critérios legais. O momento é raro para o bolso do brasileiro: com a Selic em torno de 15% ao ano, o dinheiro extra pode ser convertido em rendimento elevado com baixo risco, desde que a decisão não seja tomada no impulso. Quitar dívidas, reforçar a reserva ou investir com estratégia? Especialistas explicam como usar o 13º de forma inteligente, quais aplicações fazem mais sentido em juros altos e por que liquidez, método e objetivo claro valem mais do que a promessa do “melhor rendimento”.
Para Diego Endrigo, planejador financeiro CFP pela Planejar, a principal armadilha é tratar o 13º como um dinheiro “sem função”. Segundo ele, a decisão “não deve ser emocional nem padronizada, ela precisa ser funcional à realidade financeira de cada pessoa”.
Na prática, o 13º funciona como um bônus, e bônus bem utilizados fortalecem o futuro financeiro. Por isso, Endrigo defende uma hierarquia clara: primeiro, a formação ou reforço da reserva de emergência; depois, a quitação de dívidas caras, como cartão de crédito e cheque especial; só então vêm os investimentos, respeitando o perfil de risco, e, por último, o consumo consciente.
A lógica por trás dessa ordem é simples. Quem ainda não tem uma reserva equivalente a pelo menos seis meses de despesas deve enxergar o 13º como uma oportunidade estratégica de ganhar segurança.
“A pergunta prática é: se minha renda parasse amanhã, por quanto tempo eu conseguiria me manter?”, provoca o especialista.
Já quem tem essa base construída pode direcionar uma parcela maior para investimentos, aproveitando o patamar elevado dos juros.
Tesouro Selic e CDBs na mira
Nesse contexto, os ativos conservadores ganham protagonismo. Endrigo destaca que, para esse perfil, liquidez e previsibilidade continuam sendo prioridade, mesmo com juros altos.
Já os títulos prefixados devem ocupar apenas uma fatia menor e estratégica, voltada a objetivos de médio prazo. “O erro é tentar ganhar mais abrindo mão da segurança. O conservador protege o capital primeiro e só depois busca eficiência”, resume.
Essa cautela também é reforçada por Thaisa Durso, educadora financeira da Rico. Para ela, antes mesmo de pensar em rentabilidade, é essencial organizar o comportamento financeiro.
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O 13º costuma ser visto como dinheiro extra, mas, na prática, faz parte da renda anual. Sem essa consciência, o investidor tende a gastar tudo ou aplicar sem critério.
“O primeiro passo é decidir qual função esse dinheiro vai cumprir: quitar dívidas, reforçar a reserva ou investir com um objetivo definido”, afirma.
A partir dessa decisão, a escolha do produto se torna mais simples e consciente.
Para quem está começando, Durso também avalia alternativas que podem render um pouco mais, como Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), mas elas exigem atenção redobrada a prazo, emissor e regras de resgate. Ela lembra que rentabilidade nominal não é tudo: impostos, liquidez e prazo fazem grande diferença no resultado final.
Um exemplo ajuda a ilustrar. Ao aplicar R$ 1.518 no Tesouro Selic 2029, com juros em torno de 15% ao ano, o valor líquido após 12 meses seria de aproximadamente R$ 1.699,91, já descontado o Imposto de Renda. Em uma LCI rendendo 90% do CDI, isenta de IR, o montante ficaria perto de R$ 1.680,17. Ou seja, mesmo produtos isentos nem sempre entregam um ganho maior quando se considera o conjunto da obra.
Outro ponto crucial, segundo a educadora, é entender o risco do deságio. Em investimentos sem liquidez diária ou com vencimentos longos, o resgate antecipado pode ocorrer a um preço menor do que o esperado, reduzindo ganhos ou frustrando expectativas.
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Por isso, antes de investir o 13º, é fundamental avaliar quando esse dinheiro pode ser necessário novamente. Se houver chance de uso no curto prazo (para despesas de início de ano, impostos ou imprevistos), o recurso deve ficar em aplicações líquidas e conservadoras. Já quando não há data definida para uso, é possível pensar em prazos mais longos, assumindo um pouco mais de volatilidade, desde que isso esteja alinhado ao perfil do investidor.
Essa combinação entre segurança e oportunidade também é defendida por Marcos Crivelaro, professor de finanças da Fundação Vanzolini, na Universidade de São Paulo (USP). Para ele, o cenário atual favorece claramente os investimentos, mas com uma ressalva importante: organização financeira vem antes de tudo.
Dívidas caras devem ser prioridade absoluta, já que “nenhum investimento conservador rende mais do que os juros do cartão de crédito ou do cheque especial”.
Mas por que os juros altos favorecem meus investimentos?
Quando a Selic está elevada, os investimentos de renda fixa (Tesouro Selic, CDBs e fundos atrelados ao CDI) passam a pagar taxas maiores automaticamente. Na prática, isso significa que você consegue ganho real relevante apenas emprestando dinheiro ao governo ou aos bancos, com previsibilidade e liquidez.
Mas os três especialistas convergem em um ponto central: juros altos não são convite para pressa, mas para método. Os erros mais comuns (investir sem reserva, confundir rentabilidade com segurança ou aplicar por impulso) podem ser evitados com princípios simples: liquidez antes de rentabilidade, diversificação básica e objetivo claro para cada aplicação. O consumo não é proibido, mas deve ser consciente e planejado.
Com as contas em dia, os juros altos representam uma oportunidade rara. Crivelaro afirma que o investidor pessoa física deve priorizar uma carteira com forte peso em pós-fixados atrelados ao CDI, que funcionam como um verdadeiro “porto seguro” em um ambiente de Selic elevada.
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Esses ativos acompanham automaticamente os juros, oferecendo previsibilidade e liquidez, características fundamentais para quem está investindo uma renda extra como o 13º salário.
Os prefixados, por sua vez, fazem sentido apenas de forma complementar. Eles permitem travar uma taxa elevada por mais tempo, mas carregam riscos. Se os juros subirem ou demorarem a cair, o investidor pode perder oportunidades melhores ou enfrentar oscilações no valor do título no mercado secundário. “O risco escondido não está na taxa, mas no tempo e na falta de flexibilidade”, alerta Crivelaro.
Usado com disciplina, o 13º não muda apenas o fechamento do ano. Em um cenário de Selic a 15%, ele pode ser o ponto de partida para uma trajetória financeira mais sólida, combinando rendimento, segurança e, sobretudo, tranquilidade ao longo dos próximos meses.