De acordo com um levantamento recente realizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), 15,1% das brasileiras possuem saúde financeira ruim, ante 8,3% dos homens. Na categoria considerada “muito baixa”, elas representam 23,4% enquanto eles, 18,8%. A participação das mulheres diminui conforme as classificações aumentam.
O estudo nacional, realizado com cerca de 5 mil pessoas em 2020, foi guiado pelo Índice de Saúde Financeira do Brasileiro (I-SFB), um indicador desenvolvido pela Febraban em parceria com o Banco Central do Brasil.
Para avaliar o bem-estar das finanças em uma escala de 0 a 100, o I-SFB se baseia nos quatro componentes da saúde financeira e no contexto socioeconômico do País, mensurado pela renda total da família.
Para Amaury Oliva, diretor de cidadania financeira da Febraban, a pontuação baixa das mulheres foi uma surpresa na pesquisa, uma vez que elas participam de mais programas governamentais como o Minha Casa Minha Vida, que financia o imóvel da família em nome delas. O que puxou o índice feminino para baixo, segundo Oliva, foi a disparidade da base financeira. “As mulheres têm mais conhecimento e habilidade, mas a renda dos homens é maior”, afirma.
A percepção de que a mulher tem uma saúde financeira pior não é novidade para Sandra Blanco, estrategista da Órama Investimentos.
Além de as mulheres receberem, em média, um salário equivalente a 77,7% ao dos homens, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019, Blanco também aponta como comprometimento da saúde financeira feminina o fato de as mães ficarem com a guarda dos filhos em uma separação.
“Essa conta não fecha”, avalia a estrategista. Na Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, 39% das famílias são chefiadas por mães, informa a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). Vale destacar, contudo, que a renda desses lares é 30% menor em relação ao das mulheres com parceiros para dividir as despesas.
Blanco ressalta ainda que a mulher também necessita de mais dinheiro porque vive mais. A colocação da estrategista faz sentido. De acordo com o IBGE, a expectativa de vida média da brasileira é de 80,1 anos, sete a mais que a do homem. “Ela precisaria guardar mais dinheiro hoje para a sua aposentadoria. E o fato de ela estar em déficit na idade adulta prejudica a segurança e o conforto do futuro”, diz.
Guardiã do lar
Para Sarai Molina, gerente de produtos da Ágora Investimentos, a mulher desempenha o papel de guardiã do lar e utiliza o salário principalmente para o bem-estar da família, enquanto o homem costuma gastar com tecnologia, bens e fontes de novos recursos. No último censo demográfico realizado pelo IBGE, o percentual médio de contribuição no rendimento familiar das mulheres era de 40,9%.
Esse é o caso de Elaine Conceição, de 39 anos, que contribui com cerca de 70% do salário para a casa em Salto de Pirapora, município de São Paulo onde vive com o marido e quatro filhos. Há dois anos, no entanto, ela teve o nome negativado, quando perdeu o emprego de operadora de caixa.
Conceição melhorou a saúde financeira ao fazer o curso de Técnico em Enfermagem, que a recolocou no mercado de trabalho e reforçou sua renda mensal. Ela negociou as dívidas, quitou os saldos e recuperou o crédito. “Hoje eu penso de outra maneira”, diz a técnica em enfermagem, que agora toma mais cuidado ao fazer contas.
De acordo com a Serasa Experian, que produz indicadores econômicos para o comércio, não há muita diferença de gênero no perfil de inadimplentes – 50,1% são mulheres -, mas elas negociam mais as dívidas do que os homens: 53% ante 47% deles.
Realizada durante a pandemia de covid-19, a pesquisa da Febraban pode ter refletido o cenário de desemprego feminino amplificado pelo fechamento dos serviços, observa Mariana Ribeiro, analista da Xpeed School. “A gente sabe que as mulheres perderam mais emprego por serem cuidadoras e não terem onde deixar crianças e idosos”, diz ela. De acordo com o IBGE, o terceiro trimestre de 2020 teve uma taxa de ocupação feminina 14% menor que a do mesmo período do ano anterior.
Pandemia impulsiona mulheres na B3
Essa preocupação com a família também contribuiu para aumentar o interesse feminino por investimentos durante a crise sanitária. “A possibilidade de perder o emprego ou eventuais problemas de saúde criaram um alerta para a necessidade de as famílias fazerem uma reserva de emergência”, diz Molina, da Ágora.
De 2018 para cá, o percentual de novos registros de investidoras na B3 também saltou – até agora, o aumento de 2021 em relação ao ano passado é de 27,84% -, enquanto o dos homens, embora majoritariamente maior, tem sofrido uma redução a cada ano.
O tempo maior em casa, disponibilidade para buscar informações sobre investimentos com influenciadores e especialistas, pode ter contribuído para o primeiro milhão de mulheres registradas na Bolsa de Valores brasileira. A marca foi cravada em abril deste ano. “A educação financeira é infinita. A investidora vai sempre ter que estudar, porque envolve comportamento humano”, diz a gerente da Ágora.
Recortes necessários
A pesquisa da Febraban não detalhou a saúde financeira das mulheres por idade ou região do País. Segundo Ribeiro, da Xpeed School, a mensuração desses dados é necessária para medir uma piora no índice.
Além disso, não foi feito o recorte racial. Para o diretor de cidadania financeira da Febraban, como a renda teve impacto no resultado dos gêneros, provavelmente o estudo apontaria uma diferença entre raças. “É importante evoluirmos cada vez mais”, diz o diretor da federação. Uma nova pesquisa está prevista para 2022.
Veja os detalhes sobre a saúde financeira dos brasileiros:
Índice de Saúde Financeira |
Homens |
Mulheres |
Ruim |
8,3% |
15,1% |
Baixa |
18,8% |
23,4% |
Muito baixa |
16,1% |
15,1% |
Ok |
10,2% |
9,9% |
Boa |
15,2% |
13,4% |
Muito boa |
21,3% |
17,2% |
Ruim |
10,1% |
5,9% |
Fonte: Febraban