Investimento com propósito

Fernanda Camargo é sócia-fundadora da Wright Capital Wealth Management e tem mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, 15 dos quais em Gestão de Patrimônio, com passagens por Vinci Partners, Gávea Arsenal Gestão de Patrimônio, Standard Bank, Deutsche Bank e Merrill Lynch. Ela é uma das fundadoras do Instituto LiveWright, OSCIP dedicada a gestão do esporte olímpico no Brasil e faz parte do Conselho da ONG Atletas pelo Brasil.

Escreve mensalmente, às sextas-feiras

Fernanda Camargo

É necessário abrir mão do retorno para fazer investimentos de impacto?

O maior desafio para os investidores é encontrar um bom pipeline de negócios

Desde que foi criado, há 16 anos, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) supera rendimentos do Ibovespa (Pixabay)

Ainda hoje, quando falamos de investimentos de impacto, existe muita confusão. Muitos confundem com filantropia, e outros confundem com o uso de critérios ASG (Ambiental Social e Governança).

Para ser considerado Investimento de Impacto, a empresa/negócio deve investir com a intenção de gerar impacto social ou ambiental positivo e seus retornos financeiros e impactos socioambientais devem ser mensuráveis. O termo Investimento de Impacto surgiu em
2008 quando a Rockefeller Foundation iniciou um movimento para ajudar a desenvolver essa indústria no mundo.

A primeira vez que ouvi falar de investimentos de impacto foi em 2011, quando um cliente pediu ajuda para estruturar um fundo para investir em empresas que tivessem como objetivo resolver problemas sociais e gerar retornos financeiros, no caso, o foco era educação. Em um primeiro momento, imaginei que ele queria montar uma fundação, doar para ONGs ou projetos de educação. Ele nos explicou que queria investir em negócios sociais e, quando esses gerassem dividendos, gostaria de reinvesti-los, criando um ciclo virtuoso. Pensei… Isso existe?

Na época, muitos ainda acreditavam que para maximizar retorno social seria necessário abrir mão de retorno financeiro. Outros defendiam existir uma forte correlação entre retorno financeiro e impacto social.

Muitos casos de sucesso na área de investimento de impacto socioambiental existiram nos últimos anos. Fundos geridos pela Vox Capital, Mov Investimentos, Positive Ventures, dentre outros, vem apresentando resultados consistentes, tendo navegado bem em tempos de crise.

Um grande desafio para os investidores de impacto é encontrar um bom pipeline de negócios

Por outro lado, para acessar o investidor privado, tiveram que assumir retornos similares aos fundos de Private Equity ou Venture Capital, porém, com a obrigatoriedade de gerar impactos positivos. Estudos das mais renomadas universidades defendem que é possível obter retornos financeiros similares aos investimentos tradicionais, ao passo que outros, baseados na otimização de portfólios, demonstram que estatisticamente qualquer restrição resulta em retornos menores.

Alguns já investiram e garantiram retorno

O primeiro fundo da VOX Capital já teve seu primeiro case de saída bem-sucedido. Trata-se do desinvestimento na TEM, empresa no setor de saúde que oferece cartões pré-pagos para populações mais vulneráveis. Nessa operação, a VOX obteve um retorno financeiro de 26% a.a..

Além disso, a TEM impactou mais de 100.000 usuários em 2017 que economizaram, em média, R$ 406,00 em serviços de saúde. Trata-se de um marco importante para sinalizar a possibilidade de se obter retorno financeiro e social ao mesmo tempo, inspirando novos investidores.

Apesar de muitos ainda se restringirem a tal debate, alguns dos principais filantropos e investidores de impacto mais preocupados com o retorno social do que com o retorno financeiro passaram a focar seus investimentos em negócios sociais com objetivo de atingir populações mais vulneráveis com a oferta de capitais concessionários e mais paciente.

Mesmo não havendo uma mensuração exata do valor monetário para cada moeda de impacto, decidiram abrir mão de uma pequena parte, ou de parte mais substancial de retornos (ou assumiram riscos maiores), objetivando encontrar e fortalecer modelos economicamente viáveis capazes de serem escalonados ou replicados.

Exemplos importantes de tais práticas têm sido praticados pela Bill and Melinda Gates Foundation, Omidyar Network, Rockefeller Foundation, MacArthur Foundation (os três criaram um consórcio de US$ 150 milhões para alocação de capitais catalíticos pelo mundo), BMW e Shell Foundation, dentre diversos outros atores, governos e organismos multilaterais que passaram a se engajar em estruturas de blended finance (uma forma de financiamento misto que combina capital de fundos filantrópicos com o de investidores tradicionais – os primeiros, atuando como uma espécie de mecanismo de segurança para minimizar os riscos que o segundo poderia estar sujeito).

Os principais desafios

Muitos empreendedores sociais enfrentam desafios como ausência de capital para começar, pouca ou nenhuma infraestrutura, cadeias produtivas ineficientes, ausência de regulação, educação limitada e ausência de poupança entre seus consumidores. Esse tipo de empreendedor precisa de um investidor que consiga olhar para além do retorno financeiro.

Um bom exemplo no Brasil é a debênture do negócio de impacto social Vivenda. Estruturada pela D4namo e emitida pela Gaia Cred II, empresa do Grupo Gaia, foi a primeira debênture de impacto social do país. Foi criada para suportar o Programa Vivenda, que tem como propósito
fazer com que as pessoas possam morar com dignidade por meio de reformas em moradias localizadas em regiões de baixa-renda. Os R$5 milhões captados beneficiarão 32 mil pessoas.

A debênture contou com uma subordinação, de modo que um instituto sem fins lucrativos aceitou tomar mais risco para atrair outros investidores privados. O prazo estabelecido foi de 10 anos e taxa de retorno de 7% ao ano.

Para a Omidyar Network, um dos maiores e mais tradicionais investidores de impacto social, a grande questão é: sobre que condições um investidor de impacto deveria aceitar retornos abaixo do mercado em troca da possibilidade de atingir impacto social? Eles entendem que em
certas circunstâncias, investidores de impacto deveriam ajustar suas expectativas de retorno para apoiar empresas com grande potencial de catalisar mudanças sociais.

A Omidyar Network é um dos poucos investidores de impacto com olhar para a cadeia toda – desde advocacy e doações para ajudar no desenvolvimento denovos ecossistemas, até capital paciente junto com assistência técnica para empreendedores pioneiros e investimentos em negócios de impacto que já geram receita ou lucro.

Num estudo chamado “Across returns continuum”, identificaram três dimensões do mercado de impacto: novos modelos de negócios para novos mercados, infraestrutura de mercado e política para impacto.

Alguns mercados, principalmente aqueles que atendem um público de baixa renda ou rural, levam tempo para se desenvolver. Para servir esse tipo de público, é necessário um novo modelo de negócios. Ao oferecer capital de risco e paciente (longo prazo), o investidor de impacto pode ajudar a provar que este novo modelo de negócios é viável.

Se esse modelo obtiver sucesso, poderá inspirar outros investidores e empreendedores, trazendo competição e, com o tempo, queda de preços, aumento de qualidade e inovação. Neste sentido, o impacto gerado por um pioneiro engloba todo o público servido por todas as empresas que entrarão no mercado cujo pioneiro ajudou a criar.

Ao investir em uma empresa pioneira, o investidor não deve levar em consideração apenas o retorno financeiro e o impacto direto no público atendido que esta pode gerar, mas também os benefícios decorrentes da criação de um novo modelo de mercado. Há mercados que necessitam de peças importantes para que sua infraestrutura seja criada: regulação, tributação, investimento financeiro. Muitas vezes, essa infraestrutura não nasce, pois não existe um único investidor disposto a assumir os custos e os riscos decorrentes desse investimento.

Um grande desafio para os investidores de impacto é encontrar um bom pipeline de negócios. Neste sentido, no início dos anos 2000 na Europa foi criado a EVPA, uma rede de Venture Philanthropy que já esta presente na Ásia e na África e chega a América Latina como Latimpacto.

A rede busca criar um engajamento maior entre entidades filantrópicas e investidores de impacto para atender aos diversos tipos de negócios sociais, desde ONGs a negócios que já geram receita. O objetivo é fortalecer negócios sociais oferecendo tanto capital financeiro quanto assistência técnica. A metodologia é baseada nos princípios de Venture Capital, incluindo investimento de longo prazo e suporte hands-on. Uma das principais características é entender que tipo de capital o empreendedor necessita para cada fase da sua evolução (finanças customizadas) dando suporte organizacional e medindo o impacto.

O mercado de impacto vem crescendo, mas se você considerar que o total de ativos financeiros no mundo é de USD 280 trilhões, o segmento de impacto ainda representa um volume muito pequeno desse montante, algo em torno de USD780 bi. Já cresceu muito, mas ainda é insuficiente.

Acredito no poder dos mercados e do capitalismo. Mas, ao mesmo tempo que o mercado gerou incontáveis benefícios para a humanidade, também gerou desigualdades econômicas, sociais e raciais. Neste sentido, governos e o capital filantrópico não vão conseguir resolver os grandes problemas sozinhos, é preciso trazer o capital privado, e os negócios de impacto são uma boa alternativa.