O que este conteúdo fez por você?
- Transações caíram em março, mas se recuperaram nos dois meses seguintes. Demanda por soluções tecnológicas favorece startups e juros baixos da renda fixa atraem investidores
- Boas apostas incluem setores como telemedicina, mobilidade, educação à distância e agronegócio
- Fundos de venture capital perseguem rentabilidade de 20 a 25% ao ano, mas nem todas as empresas que compõem a carteira sobrevivem até o final dos dez anos de período de investimento
Aplicar dinheiro em uma empresa nova, de pequeno ou médio porte, mas com grande potencial de crescimento: quem investe em venture capital está financiando os primeiros passos de startups. É uma jornada com riscos nada desprezíveis (não são poucas as empresas que morrem pelo caminho), mas que tem suas realizações. A maior delas é embarcar em uma nova história que, em alguns anos, pode se transformar em negócio milionário – caso de “unicórnios” como Nubank, Loggi e iFood.
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A boa notícia é que, contrariando as expectativas, o mercado de venture capital não foi fulminado pela pandemia do coronavírus. De acordo com o último relatório que acaba de ser publicado pela Distrito – empresa de inovação aberta ligada ao ecossistema de startups brasileiro -, os cinco primeiros meses de 2020 foram de crescimento em relação ao mesmo período do ano passado.
Até agora, ocorreram 116 rodadas de investimentos, contra 113 nos cinco primeiro meses de 2019 (alta de 2,6%), movimentando um volume quase 20% superior: US$ 516 milhões, ante US$ 431 milhões do ano passado. Apenas no mês de maio, o volume investido cresceu 80% sobre maio de 2019: US$ 36 milhões, contra US$ 20 milhões do ano anterior.
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De acordo com Gustavo Gierun, um dos fundadores da Distrito, o ano de 2020 começou com grandes expectativas, que foram cumpridas nos dois primeiros meses. Em março veio o colapso, com o início da quarentena fazendo as transações despencarem, mas abril e maio já apresentaram recuperação.
“Eu não diria que o cenário é otimista, as pessoas ainda estão cautelosas”, ele pondera. “Mas o setor de tecnologia e inovação é resiliente por natureza. As empresas investem em tecnologia tanto nos bons momentos, para acelerar a conquista do mercado, como nos ruins, para reduzir custos, criar novos canais de venda e se aproximar do consumidor.”
Como o horizonte do venture capital é de longo prazo – os fundos têm duração de 8 ou 10 anos – os gestores sabem que terão de atravessar fases de maior volatilidade. “Eles estão acostumados. A crise é um momento de ‘reprecificar’ os ativos, explorar novos mercados e aproveitar as oportunidades”, afirma Gierun.
Conjuntura macroeconômica é favorável ao venture capital
Clóvis Meurer, conselheiro da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap), admite que há várias dificuldades no cenário, com desemprego, queda da renda e do consumo. “Várias empresas foram muito afetadas. As ligadas a restaurantes, que fazem softwares para controle de clientes, por exemplo, estão há três meses sem trabalhar. Mas, ainda que esse período se prolongue um pouco, os negócios vão ressurgir”, acredita.
Mesmo assim, ele destaca que o momento atual favorece o venture capital, pois os juros baixos levam o investidor a sair da renda fixa em busca de alternativas para obter ganhos maiores. “Essa modalidade de investimento é uma opção interessante de longo prazo, com possibilidade de retorno de três a cinco vezes maior que o da renda fixa.”
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Outro dado macroeconômico que pesa a favor é o real desvalorizado. “Ele deixa o Brasil barato para o investidor estrangeiro, que terá boas oportunidades em venture capital. Com o mesmo volume de dinheiro aplicado, ele poderá realizar muito mais”, diz Gierun.
Boas apostas vão da telemedicina ao agronegócio
Onde investir? Boas ideias de uso inteligente e inovador de tecnologia surgem em muitas áreas. Há setores que acabaram sendo até beneficiados pela pandemia. O isolamento imposto pela quarentena forçou empresas a buscar soluções para realizar à distância tudo aquilo que não podia mais ser feito de forma presencial, de reuniões de trabalho a consultas médicas, passando por compras de todo tipo.
“O mercado teve que evoluir cinco anos em três meses”, resume o sócio da Distrito. “O consumidor brasileiro foi forçado a entender e usar o comércio eletrônico.”
Ele diz que startups também têm bastante espaço para criar soluções que facilitem o trabalho remoto, como programas de contratação e gestão de pessoas e softwares de teleconferência. A telemedicina é outro filão, graças à maior abertura dada pelos órgãos regulatórios ao atendimento à distância.
A telemedicina também é mencionada por Meurer, da Abvcap, ao lado dos serviços financeiros, ramo que sempre foi celeiro de startups. Mas ele diz que há muitos outros caminhos a explorar.
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“Penso em educação especializada, com plataformas que ensinem o professor a lecionar à distância, e em mobilidade urbana. Se os patinetes não funcionaram a contento, logo virá outra solução”, prevê. “O próprio agronegócio tem espaço de sobra para o venture capital trabalhar. Com produção recorde de grãos, podem entrar em cena softwares de controle de produtividade, por exemplo.”
Leonardo Teixeira, sócio da gestora de venture capital Iporanga Ventures, explica que mercados grandes, ineficientes e caros são particularmente propícios ao surgimento de startups. “Serviços financeiros e cartões de benefícios de empresas são setores muito concentrados, de pouca competitividade. As startups podem proporcionar novas experiência de usuário, baratear custos e substituir pessoas por software”, ele enumera. “O investidor não precisa focar em um único nicho ou setor.”
Investimento-anjo: é cruzar os dedos e dar um voto de confiança
Um dos dois caminhos para entrar no mundo do venture capital é investir dinheiro em uma startup ainda em estágio inicial. Nessa fase, ainda pré-operacional, a empresa está formatando suas ideias sobre o produto, o público-alvo e a operação. Quem injeta capital nela nesse primeiro momento é chamado de investidor-anjo; em geral, as empresas contam com um grupo de 5 a 30 desses investidores, todos eles pessoas físicas.
Para quem não dispõe de grandes fortunas para investir, ser um anjo é a única porta de entrada possível para o mundo das startups. Isso porque os fundos de venture capital, a outra via possível, têm um tíquete bastante elevado, muitas vezes limitado aos investidores qualificados (leia mais no próximo capítulo).
“O anjo é um investidor sério, que costuma ter afinidade com o setor daquela startup em formação”, afirma Renato Ramalho, CEO da gestora de fundos de venture capital KPTL. “Ele dá o pontapé inicial e, nas rodadas seguintes, surgem investidores mais capitalizados, que podem ser fundos. É uma aposta arriscada: o anjo está completamente exposto aos erros e acertos da empresa.”
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O engenheiro e consultor José Renato Mannis explica que o investimento-anjo pressupõe um envolvimento efetivo do investidor com a startup. Portanto, exige tempo, interesse e dedicação.
“É diferente de comprar uma ação e esquecer do assunto. O que move o anjo é poder se envolver no destino daquela startup. Tipicamente, ele é um cara agressivo, hiperativo na carreira, ou alguém que já sossegou e quer arregaçar as mangas e se sentir útil, ter realização pessoal”, define.
Para a própria startup, também é preferível que o anjo traga algo além do dinheiro, como bons contatos e alguma vivência empreendedora, que possa ser compartilhada. Mas esse investidor não participa diretamente da gestão da empresa.
“Muitos anjos iniciantes acham que poderão regrar a relação com a startup de forma dura, patronal, com ingerência, mas não é por aí. O que o anjo faz é dar um voto de confiança naquela empresa”, diz Teixeira.
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Por falar em confiança, para abraçar a ideia de apoiar a startup, o anjo precisa ter a convicção de que aquele time fundador vai conseguir tirar a empresa do papel. “Esse time precisa ser resiliente, ter ambição e vontade de realizar, porque vai tomar pancada de tudo quanto é lado”, explica o sócio da Iporanga. “Por isso, antes de investir, vale refletir: o cara está empreendendo nesse setor por quê? Ele quer conquistar o mundo, ou resolveu brincar de startup só porque está na moda?”, provoca.
O investimento-anjo é um dinheiro que não voltará para as mãos do investidor antes de, no mínimo, cinco anos. “A efetiva liquidez depende da rodada de investimentos seguinte. É nessa ocasião que o investidor poderá vender sua participação na empresa, se desejar”, explica José Renato Mannis.
Para quem se animar a trilhar esse caminho, a diversificação é fundamental: apostar em várias startups diferentes ajuda a mitigar parte do risco. Mas, antes de separar a quantia que você deseja investir, dividir em vários cheques e entregá-los aos projetos com os quais você simpatizar, é mais inteligente procurar a ajuda de outras pessoas que saibam mais sobre esse assunto.
“Nesses grupos, chamados redes de anjos, você vai ouvir opiniões diferentes, melhorar sua capacidade de julgamento e entrar em uma jornada de aprendizado antes de investir”, diz Teixeira. “Mas o grande aprendizado só vem mesmo com a prática.”
Fundo de venture capital: um projeto de até 10 anos
O outro caminho é participar de um fundo de venture capital. Nesse fundo, um gestor aplica o dinheiro dos investidores na compra de participações de diferentes startups. O raciocínio é parecido com o dos fundos de ações, que funcionam como condomínios de investidores.
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O fundo não chega a ter a participação majoritária na startup, mas pode ter a maior participação individual. Ele investe dinheiro no caixa da empresa, ajudando-a a crescer; a empresa emite novas cotas de participação, e o fundo as compra. Mas essas cotas não são negociadas no mercado. O que o fundo faz é esperar que a startup cresça, fature e se valorize; aí, ele vende sua participação.
É nesse momento que o fundo ganha, e reparte os ganhos com os investidores. Tudo isso ocorre em um prazo de 8 ou 10 anos, que é estabelecido no regulamento do fundo. Durante esse período, investidores e fundos têm um compromisso entre si e nenhum dos dois ganham nada. O dinheiro só aparecerá no final, na venda da participação.
É um investimento ilíquido, de longo prazo e pouco democrático. “Pelo alto risco envolvido, não é com qualquer cheque de R$ 100 mil reais que se pode entrar em um fundo. Em geral, é preciso ser um investidor qualificado”, diz Teixeira. “É uma ordem de grandeza totalmente diferente da do investimento-anjo, no qual uma startup poderá um dia passar a valer R$ 20 milhões e isso já será um grande resultado.”
Para escolher em qual fundo apostar, o investidor precisa ficar bem atento ao histórico do gestor. Ter vários fundos no currículo é um bom sinal. “Se o gestor não conseguir fazer dinheiro em três fundos, terá dificuldade de colocar um quarto fundo em pé”, afirma o sócio da Iporanga Ventures.
Como os retornos das startups são incertos, o desafio na hora de compor a carteira é garantir que algumas poucas empresas consigam pagar sozinhas o fundo inteiro. Na prática, como a mortalidade no portfólio é elevada e pode passar dos 50%, uma ou duas empresas devem conseguir entregar 80% do retorno total. Por isso, o gestor precisa ter bom faro para oportunidades.
“Algumas das empresas da carteira vão morrer no meio do caminho, isso faz parte. Três ou quatro quebram, algumas apenas atingem o benchmark, e as que forem bem pagam a conta inteira”, diz Ramalho, da KPTL.
O benchmark, no caso desses fundos, costuma ser uma rentabilidade entre 20% e 25% ao ano. Sobre o retorno que exceder essa meta, é cobrada uma taxa de performance de 20%. Há ainda uma taxa de administração de 2% ao ano.
“É um mundo de retornos absolutos bem mais altos que outras formas de investimento. Não dá para relacionar com a renda fixa. A comparação seria com renda variável, por ser um investimento em empresas, mas a performance é muito maior”, diz Teixeira. “Os melhores fundos de venture capital do Vale do Silício entregam rentabilidade em dólar de mais de 30% ao ano. É um retorno tão forte que justifica alocar uma parcela do recurso do investidor com risco.”
Pelo risco envolvido, exposição não deve superar 10% da carteira
E por falar em risco… os especialistas ouvidos pela reportagem fazem coro: venture capital é um território perigoso e é preciso moderar a exposição da carteira.
“Ele não será a maior parte da carteira de nenhum investidor. Não há mercado secundário para vender as posições”, justifica Ramalho, da KPTL. “É uma modalidade adequada para o investidor de perfil agressivo, e mesmo assim alocando não mais que 10% do portfólio. Assim, se der errado, ele não sairá machucado.”
Teixeira frisa que o risco de perder dinheiro em venture capital é sabido desde o primeiro dia. Uma startup pode quebrar rápido, porque não conseguiu ajustar o produto ao mercado ou não soube cobrar por ele. Um unicórnio pode levar cinco, sete anos para florescer.
“Você deve usar recursos que não farão falta, porque o risco de perder não é desprezível. Você pode ter sorte e acertar a mão, mas o mais provável é que perca dinheiro”, alerta.
A situação do anjo também é delicada. Se tudo der errado, ele não consegue vender sua participação e fica a ver navios. Exigir o dinheiro de volta, além de pouco eficaz, pode acabar destruindo a reputação do anjo no mercado. “Se a empresa quebrou e não agiu de má-fé, (a perda) faz parte do jogo. Cobrar o mútuo vai fazer aquele anjo ficar mal falado no meio”, diz o sócio da Iporanga.
Por outro lado, se a startup for um sucesso, o anjo pode continuar embarcado nesse avião por quanto tempo quiser. A cada nova rodada de investimentos, quando surge a oportunidade de vender a participação, ele decidirá se quer permanecer ou sair.
“Pode ser que ele não consiga sair, porque a empresa ficou grande demais e a fração dele, que passou a ser de 0,0001%, ninguém vai querer comprar. Mas ele pode conseguir vender, e aí terá o retorno financeiro da vida dele”, finaliza Teixeira.