Pensando uma nova economia

Luana Ozemela é CEO da DIMA, uma empresa de desenvolvimento internacional estabelecida no Qatar que é uma porta de acesso ao mercado árabe. Doutora em economia e professora pesquisadora de gênero e políticas públicas da universidade Hamad Bin Khalifa da Fundação do Qatar, ela é diretora de relações com doadores da ONG PEGF da Nigéria na área de saúde. Foi funcionária do BID, em Washington DC, nos EUA. Ao longo da sua carreira Luana ela interagiu com dezenas de governos, doadores, investidores e ONGs nos EUA, América Latina, África e Oriente Médio.

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Luana Ozemela

Homens têm 60% mais chances de sucesso em competições tipo Shark Tank que as mulheres

Há evidências de que existe homofilia no mercado de capital de risco

Os tubarões da segunda temporada de Shrk Tank Brasil: Camila Farani, Caito Maia, Robinson Shiba, Cristiana Arcangeli e João Appolinário (Em sentido horário) (Foto: Sony/Divulgação)

Muitos fatores podem influenciar o sucesso dos indivíduos na busca e obtenção de capital. Estes fatores não estão apenas relacionados ao investimento em si, mas, surpreendentemente, o sucesso depende das características pessoais das partes envolvidas, como a aparência ou até mesmo o tom de voz.

De acordo com um estudo de pesquisadores da Universidade de Harvard e do MIT, os homens têm 60% mais chances de obter sucesso em competições de pitch do que as mulheres. E, entre os homens, a boa aparência chega a representar 24% da probabilidade de sucesso. Mas, e se os investidores não pudessem ver os empreendedores, os resultados seriam diferentes? Os pesquisadores encontraram que, mesmo quando as oportunidades de investimento são idênticas, 68% dos investidores preferem aquelas apresentadas pelas vozes masculinas.

Mais recentemente, pesquisadores da Universidade de Miami, usando dados do show Shark Tank, encontraram evidência de que existe homofilia no mercado de capital de risco. O conceito se refere à tendência humana de favorecer outras pessoas com características similares à sua (por exemplo, mesma raça ou gênero). E isso ocorre em ambos lados da mesa de investimento; seja no lado do investidor quando decide em quem investir, seja no da empresa quando decide de quem aceitar uma oferta de investimento. Por exemplo, é mais provável haver um match quando ambos, o investidor e o empreendedor, são mulheres ou quando ambos são homens brancos.

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Além de afetar a probabilidade de que uma oferta de investimento ocorra, a homofilia também afeta o resultado das negociações após a oferta ser realizada. Ou seja, ela influencia também o valuation (preço de venda da empresa) e, consequentemente, afetando a quantidade de dinheiro ofertada. Seria sensato esperar que o valuation, seja o que é solicitado pelo empreendedor ou o que é oferecido pelo investidor, estivesse mais correlacionado com as características da empresa e da oportunidade, e menos com a demografia do empreendedor. No entanto, existe evidência de que empreendedores mais jovens, mulheres e negros subestimam seus próprios valuations e de maneira inconsistente com suas vendas e margens de lucros. Mas o pior ainda é que, os empreendedores negros em particular, além de receberem ofertas de investimento menores, também recebem um valuation menor nas negociações por parte dos investidores.

Ou seja, enfrentam discriminação sistemática em como seus negócios são avaliados pelos investidores.
Outro estudo, o da pesquisadora Lauren Rhue, analisa mais de 193.000 registros de toda a lista de projetos da plataforma de crowdfunding Kickstarter para procurar pistas sobre as disparidades raciais na captação de recursos. Os resultados mostram que os angariadores de fundos negros têm 82% menores chances de sucesso. Além da taxa de sucesso, a raça também influencia o número total de patrocinadores. A autora adota uma estratégia metodológica que considera somente projetos idênticos em suas características observáveis, eliminando assim, quaisquer dúvidas sobre diferenças na qualidade dos projetos apresentados.

Apesar das plataformas de financiamento coletivo existirem para “democratizar” o financiamento,  à medida que elas se tornam mais visuais e fornecem mais contexto sobre as oportunidades os empreendedores encontram discriminações semelhantes nos mundos online e offline.

Ciente de que a demografia dos empreendedores tem implicações para a captação de recursos, a plataforma Prosper.com omite certas características de identificação como gênero e raça, para que os possíveis patrocinadores sejam forçados a julgar apenas em base ao valor do projeto. No entanto, segundo o estudo dos professores da Northeastern University, Peter Younkin e Venkat Kuppuswamy, é importante que os empreendedores negros estejam cientes de que também existe o viés do consumidor. Os resultados demonstram que os consumidores podem ocultar seu viés racial implícito sobre as capacidades dos negros, disfarçando-o através de preços injustos aos produtos ou incerteza em torno da “adequação” do empreendedor e do produto.

Alguém poderia se perguntar se os atuais algoritmos de machine learning poderiam ser capazes de eliminar os vieses comportamentais humanos ao realizarem avaliações creditícias por aplicativo, por exemplo. Entretanto, devido à falta de histórico financeiro para calcular taxas de juros apropriadas, as novas plataformas digitais têm recorrido à análise da rede de relações pessoais dos clientes. Os novos algoritmos, portanto, reproduzem os mesmos vieses humanos e sutilmente introduzem um novo tipo de discriminação; a que usa o “score social” para negar empréstimos a indivíduos que poderiam até ser dignos de crédito, mas que não possuem conexões dignas de crédito. Para resolver esse problema, estratégias algorítmicas de mitigação de viés precisarão ser projetadas.

Existe evidencia contundente de que o meu gênero e minha raça são obstáculos entre mim e o investimento. Os vieses presentes não afetam somente o empreendedor, mas produzem decisões imperfeitas com resultados sub-ótimos no mercado de investimentos. À medida que os mercados e o perfil das empresas investidas mudam, resistir à mudança significa que as carteiras de investimento terão progressivamente piores desempenhos.

Você pode ter ouvido falar sobre selos de diversidade, treinamento antirracismo, e políticas de ESG. Tudo isso é bom e aplicável, mas subestimam o desafio pendente no setor financeiro. Os atores da indústria de investimentos deste país devem parar de seguir se iludindo de que as suas próprias atitudes são incapazes de mudar o quadro de exclusão acometida a mais de metade da população brasileira.

A verdade é que o mercado de capitais reflete exatamente o Brasil que somos, em toda a sua vontade e medo de mudar. E, portanto, desafiar a indústria de capitais é desafiar a elite brasileira que não se aterroriza com a exclusão alheia.

Apesar de não existir uma resposta única para a exclusão que está arraigada na nossa sociedade, o certo é que um novo paradigma é necessário. Um em que a distância entre os dois lados da mesa de investimentos não seja afetada pela aparência do empreendedor, mas pelo conteúdo do seu caráter e pelas possibilidades de geração de riqueza e impacto de suas ideias.

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