A proposta do governo brasileiro de taxar rendimentos acima de R$ 50 mil mensais vem justamente na esteira de uma necessidade de corrigir algumas distorções no sistema tributário do país, como a isenção de lucros e dividendos para pessoas físicas. Essa peculiaridade coloca o Brasil em um seleto grupo, ao lado de Estônia, Letônia, Eslováquia e Romênia, que ainda adotam essa prática.
Porém, a tributação de altas rendas não é um debate exclusivo ao Brasil. Países como Suécia, França e Estados Unidos têm sistemas progressivos robustos que oferecem lições valiosas. Na Suécia, por exemplo, as alíquotas podem chegar a 52%, mas isso vem acompanhado de um retorno em serviços públicos de altíssima qualidade, como saúde, educação e segurança social. O que vemos lá é que as pessoas aceitam pagar mais porque enxergam benefícios concretos no dia a dia.
Nos Estados Unidos, a abordagem é um pouco diferente. Lá, a alíquota máxima para rendimentos altos é de 37%, mas os ganhos de capital e dividendos são tributados a taxas menores, em torno de 20%. Essa escolha é estratégica: eles buscam estimular investimentos e inovação sem abrir mão da arrecadação. Já a França, por sua vez, combina progressividade no imposto de renda com uma taxa fixa para ganhos de capital e dividendos, o que facilita a compreensão e o cumprimento das regras, mas também enfrenta críticas, especialmente sobre a fuga de residentes de alta renda para outros países.
Qual é a proposta para o Brasil?
No caso do Brasil, a proposta do governo foca em estabelecer um piso tributário de 10% para rendimentos elevados. No entanto, é interessante notar que isso não significa um imposto adicional cumulativo. A ideia é atingir aqueles que hoje pagam menos de 10%, principalmente devido à isenção sobre dividendos, enquanto quem já paga mais do que isso não terá aumento na carga tributária.
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É um modelo que tenta trazer mais progressividade para o sistema. Hoje, nossa carga tributária é bastante concentrada no consumo, com 51% vindo de impostos sobre bens e serviços. Isso é muito diferente da média da OCDE, onde essa fatia é de 33,6%. Paralelamente, as altas taxas sobre empresas no Brasil — que podem chegar a 34% — criam um ambiente desfavorável para negócios e acabam impactando até mesmo a competitividade internacional das nossas companhias.
Então, o desafio aqui é encontrar um equilíbrio. Experiências internacionais mostram que medidas como a introdução de alíquotas moderadas para dividendos, combinadas com a redução do imposto sobre pessoa jurídica, podem reduzir desigualdades e estimular o investimento. Um bom exemplo é o Canadá, que utiliza créditos tributários para evitar a bitributação e, ao mesmo tempo, promove investimentos locais.
Destino da arrecadação
Outro ponto relevante de reflexão é o destino dos recursos arrecadados. Países que conseguem traduzir a alta arrecadação em melhorias significativas na qualidade de vida — como Irlanda, Suíça e Coreia do Sul — demonstram que a eficiência na aplicação dos tributos é tão importante quanto a estrutura do sistema em si. Por outro lado, vemos que uma gestão ineficaz, como em alguns casos da França e da Itália, pode levar a evasão fiscal e até fuga de capitais.
Olhando para o Brasil, isso nos leva a uma reflexão mais ampla. Não basta apenas aumentar a arrecadação. É preciso que esse dinheiro seja bem utilizado para promover serviços públicos de qualidade, reduzir desigualdades e, ao mesmo tempo, manter um ambiente favorável para negócios. A reforma e o pacote fiscal, portanto, deve ser parte de um esforço maior para redução dos gastos públicos e equilibrar justiça fiscal com desenvolvimento econômico sustentável.
Dentro desse contexto merece destaque o caso da França que possui um dos sistemas tributários mais progressivos do mundo, com alta tributação sobre rendas elevadas, ganhos de capital, dividendos e heranças. Este modelo reflete uma tentativa de redistribuir a riqueza e financiar o generoso sistema de bem-estar social francês.
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No caso específico da França, a substituição do ISF (Imposto sobre Fortunas) pelo IFI (Imposto sobre Fortunas Imobiliárias) em 2018 teve como objetivo aliviar a tributação sobre capitais financeiros, incentivando investimentos produtivos. Apesar disso, a tributação de altas rendas e patrimônio ainda é percebida como um entrave para atrair e reter investidores.
O alto nível de tributação de altas rendas contribui para a redução da desigualdade e o financiamento de um sistema público robusto, mas também pode desestimular investimentos e causar fuga de capitais.
A experiência francesa mostra que políticas tributárias para altas rendas devem considerar não apenas a necessidade de arrecadação, mas também os impactos sobre o crescimento econômico e a retenção de talentos e investimentos. Ajustes como o alívio na tributação de capitais financeiros (via IFI) são exemplos de medidas para mitigar esses efeitos negativos, mantendo a capacidade de redistribuição do sistema.