- Nos últimos meses, se instaurou no País uma crise institucional entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário
- O quadro fiscal continua a ser um tópico de incerteza que vem pressionando negativamente os ativos locais
Escrevo essa coluna às vésperas do dia 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil, momento de enorme simbolismo para o País. Foi nesta data que o Brasil se declarou independente de Portugal, instaurando aqui uma Monarquia, em 1822. Apenas em 1889 seria declarada a Primeira República Brasileira.
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Se acelerarmos um pouco o filme de nossa história, chegamos a República Federativa do Brasil, um sistema presidencialista que vigora atualmente cuja constituição foi promulgada em 1988. Neste sistema, temos um Poder Executivo, um Poder Legislativo e um Poder Judiciário, formando os três poderes da República.
Não menos importante, temos uma sociedade atuante, representada pelo poder Legislativo no Congresso Nacional, mas que também elege o Poder Executivo em eleições diretas e democráticas.
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No momento em que esta coluna for publicada, teremos passado pelo dia 7 de setembro de 2021, dia de manifestações ao redor do País. O movimento “Nas Ruas” é o principal organizador dos atos, que tem como lema principal: “em defesa da democracia, de nossa Constituição, de nossa liberdade e de nossas instituições”.
As manifestações estão dentro de um pano de fundo mais amplo. Nos últimos meses, se instaurou no País uma crise institucional entre o Poder Executivo, na figura do Presidente da República, e o Poder Judiciário, na figura de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal.
Não é a primeira vez que vivenciamos embates entre dois dos poderes da República. E certamente não será a última. Este é o tipo de situação que traz muita visibilidade, muito ruído (local e externo), o que aumenta a incerteza, reduz a confiança e afugenta investimentos.
No passado, essas crises foram superadas com a entrada de algum outro dos Poderes no circuito, como um vetor de absorção de crises, ou com uma forte reação negativa da sociedade. “O Brasil costuma flertar com o abismo, mas nunca teve a coragem de se jogar nele.”
Continuo sendo da opinião que, de novo, não será diferente. Todavia, não podemos minimizar os riscos e ter a consciência que a situação apresentou uma guinada mais negativa nas últimas semanas. Este é um ambiente que deveria ser evitado pelos agentes políticos, especialmente diante dos demais desafios que o cenário local apresenta.
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Ainda no campo político, mas entrando um pouco na pauta econômica, o quadro fiscal continua a ser um tópico de incerteza que vem pressionando negativamente os ativos locais, em especial o mercado de juros.
Por mais que as perspectivas de curto prazo tenham melhorado bastante desde o começo do ano, com a expectativa da proporção da dívida/PIB para o final de 2021 saindo de quase 100% para próximo a 80%, ainda existem inúmeras incertezas para o futuro.
Enquanto houver pressão política para que o Teto de Gastos seja burlado, o mercado cobrará o seu preço na forma de juros mais elevados. Isto é, aqueles que financiam as contas públicas do Brasil irão cobrar juros maiores neste “empréstimo”, devido ao aumento do risco de emprestar recursos para um agente econômico que mostra disposição em dispender recursos acima de sua capacidade de pagamento futuro.
Isso tudo ocorre um ano antes das eleições presidenciais, onde claramente há uma tentativa em se antecipar o debate, as críticas, os escândalos e o posicionamento de cada um dos candidatos.
Nestes dois temas, infelizmente, me sinto mais como passageiro. Primeiro, acredito que estamos longe demais das eleições para que um cenário mais firme e concreto seja desenhando. Existem inúmeros caminhos que podem ser tomados até lá neste período.
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Segundo, o Teto de Gastos está mostrando a sua função, talvez, pela primeira vez desde sua aprovação. Com arrecadação em alta, PIB nominal mais alto, inflação elevada mas com um limite de gastos, estamos sendo conduzidos para uma Dívida/PIB muito menor do que o imaginado anteriormente.
Obviamente, com a proximidade das eleições, cria-se um ambiente propício para a classe política tentar manobras para burlá-lo. A manutenção do Teto é uma importante ancora fiscal. Caso o Teto “caia”, um trabalho de anos pode ser jogado pela janela…
Chegamos então no problema da inflação. Depois de vermos os Índices de Preço ao Produtor (IGP) dispararem desde o segundo semestre de 2020, agora foi a vez de vivenciarmos uma escalada do Índice de Preços do Consumidor (IPCA), que deve chegar próximo aos 10% na comparação entre o mesmo período do ano passado em algum momento das próximas semanas.
Por mais que espere um recuo do IPCA para algo em torno de 8,5%/9% até o final do ano, será uma inflação muito acima da meta do Banco Central do Brasil (BCB) e um enorme peso para a sociedade. Há aqui impactos econômicos claros e consequências sociais silenciosas. Além de alta, a inflação se mostra cada vez mais espalhada, disseminada e enraizada.
Diante deste quadro, o BCB se viu obrigado a acelerar o seu processo de alta de juros, levando a Taxa Selic para 5,25%, já sinalizando uma alta para, pelo menos, 6,25% na próxima reunião, e direcionando o mercado para um patamar de juros restritivo que, na nossa visão, deve ser acima de 7,5%/8,0%.
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Se por um lado a inflação é alta e têm efeitos econômicos e sociais deletérios, por outro lado o BCB é crível, tem um mandato claro de controle da inflação e parece comprometido com o combate a escalada de preços.
Por fim, mas não menos importante, estamos diante de mais uma crise hídrica, em que os preços da energia explodiram e corremos o risco de passarmos por apagões. Aqui, temos um claro choque de oferta, onde uma piora adicional da situação pressiona a inflação para cima e colocar uma restrição não desprezível ao crescimento do País.
Não quero soar excessivamente negativo. Existem diversas pautas econômicas avançando, como privatizações, concessões, obras públicas e pequenas reformas regulatórias que ajudam o ambiente de negócios do país.
Todavia, não posso deixar de ter os pés no chão e a noção de que o cenário de curto prazo se mostra ainda mais desafiador do que aquele que apresentei nos últimos meses. Vinha alertando para um segundo semestre de maiores incertezas, mas errei, de certa forma, em mensurar o tamanho e intensidade dos riscos descritos acima.
Ainda sou da opinião de que parte relevante desses vetores podem ser endereçados de formas não muito complexas. “Como o país costuma flertar com o abismo, mas nunca se jogar nele”, continuarei acreditando em nossa capacidade de superação, mas sem menosprezar os riscos envolvidos no cenário corrente.
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Além disso, à medida que este cenário foi se desenvolvendo, os ativos locais foram reagindo negativamente. De certa forma, isso traz algum alento, pois são em momentos como esse que oportunidades de investimentos são criadas.
Vejo ativos baratos no Brasil muito mais por questões macro do que micro. Vejo oportunidades sendo criadas para aqueles com visão de longo prazo e estômago para as incertezas e volatilidade do curto prazo.