- A compra do banco, às pressas, foi feita sem que acionistas fossem consultados, em uma medida sem precedentes
- A venda do Credit Suisse fornece liquidez e resolve o problema a curto prazo, mas não acaba com a desconfiança no sistema bancário, que segue fragilizado
- Nos EUA, a fragilidade dos bancos regionais pode resultar no aperto das condições de crédito, o que prejudica diretamente o desenvolvimento da economia local
As últimas semanas foram marcadas por uma brusca mudança no ambiente econômico global. Importante lembrar que, ao longo dos últimos meses, os bancos centrais das principais economias do mundo foram obrigados a promover uma rápida e acentuada alta de juros.
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O movimento visava conter os excessos inflacionários do período de liquidez abundante promovida após a pandemia. Ao longo deste processo de recolhimento de liquidez, existia um debate de quanto tempo levaria para uma possível desaceleração do crescimento global, em reação à alta de juros.
Até o começo deste ano ainda não existia um consenso em torno deste questionamento. Existia um lado que acreditava em uma recessão em fins de 2023 e começo de 2024, mas também existia um outro lado, que trabalhava com um cenário sem recessão, ou apenas com uma branda desaceleração da economia ao longo deste processo.
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O que poucos (ou ninguém) esperava é que a alta abrupta de juros pudesse atingir em cheio o setor bancário, nos EUA e na Europa, em um momento em que havia a percepção de que este setor estaria mais defendido, após a regulação implementada após a crise de 2008.
Em poucos dias, vimos a quebra de dois bancos regionais nos EUA e a necessidade de atuação do governo da Suíça para evitar a quebra de um ícone da história bancária do mundo.
Em uma corrida contra o tempo, o governo da Suíça, capitaneado pelo Banco Central do país, fez com que o UBS comprasse o Credit Suisse (CS) por cerca de 30% do valor da ação cotada na sexta-feira anterior.
Alguns detentores de dívida (AT1) do CS sofrerão perdas de 100% de seu capital. Os acionistas de ambas as instituições não serão consultados sobre o acordo, em uma mudança inédita que será feita na lei do país para que o acordo de compra seja efetivado. Estes precedentes ainda irão gerar debates e reverberações nos mercados de capitais da Europa, quiçá do resto do mundo.
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Não quero entrar no mérito mais profundo da discussão dos pormenores deste acordo. A urgência da medida e o caminho com que ela tomou mostra a extrema fragilidade que o CS se encontrava no final da semana passada. Além disso, ficou claro no fim de semana o enorme risco sistêmico que o CS representava para o sistema financeiro global, aos olhos dos policy makers.
Ao mesmo tempo em que a medida foi anunciada, os bancos centrais das principais economias do mundo anunciaram a expansão das suas “swap lines”, linhas de liquidez em muito utilizadas em momentos de crise aguda do sistema financeiro mundial.
Tenho uma visão ainda cautelosa em relação ao ambiente global. Crises financeiras só terminam com soluções estruturais e de longo-prazo, que tragam a confiança ao mercado de que o sistema financeiro está saudável e robusto.
Em 2008 isso ficou claro. O JP Morgan “comprou” a Bear Sterns em março. O Lehman Brothers quebrou em setembro. Em 6 meses, diversas outras instituições quebraram ou precisaram de suporte governamental. O mercado só foi estabilizar com o suporte do Programa de Alívio de Ativos Problemáticos (Tarp, na sigla em inglês) e uma série de outras medidas.
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A venda do CS para o UBS é uma “solução-tampão”. Evita cenários de cauda para a Suíça, mas não resolve a crise de confiança no sistema. Talvez ajude a estabilizar o mercado no curto-prazo, mas acho que os riscos de longo-prazo permanecem.
A velocidade de deterioração do CS e o que temos visto nos bancos regionais americanos é um “wake up call” para o mercado e os policy makers.
Os bancos regionais nos EUA representam uma parcela significativa dos empréstimos para diversos e importantes setores da economia. A contração deste nicho de mercado pode se tornar um aperto incondicional das condições de crédito, um relevante motor de desenvolvimento da economia americana.
Uma coisa é certa. A atual conjuntura pressupõe um aperto adicional das condições financeiras, através do canal de crédito. De certa forma, isso ajudará os bancos centrais, em especial o Fed, em seu combate à inflação. Isso deve demandar menos altas de juros, e taxas terminais mais baixas, se comparado a um cenário sem crise financeira ou bancária.
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Podemos estar diante de um importante ponto de inflexão em termos de teses de investimento, saindo definitivamente da tese “inflação” e “juros altos”, para uma tese de “desaceleração do crescimento” e eventual “eecessão”. Ainda é cedo para cravar o timing deste processo, mas isso precisa ser pensado e refletido nos portfólios de agora em diante.
*As análises e opiniões são pessoais e não representam uma visão institucional.