Eduardo Mira é o especialista em renda variável da Me Poupe!. Professor e investidor há mais de 20 anos, é analista CNPI-T e especialista em finanças e investimentos, com pós-graduação em pedagogia empresarial, MBA em gestão de investimento e profissional ANBIMA CPA-10 e CPA-20. Também tem passagem por banco e corretora de investimentos.

Ele escreve mensalmente, às sextas-feiras.

Eduardo Mira

Letramento financeiro contra a violência de gênero: desafios e soluções

Estudos apontam as mulheres que têm dificuldades em abandonar relacionamentos abusivos, dependem financeiramente de seus parceiros

Foto: Envato Elements.
  • A violência contra a mulher, infelizmente, continua sendo um tema recorrente em nossa sociedade
  • 33,4% de mulheres brasileiras com 16 anos ou mais foram vítimas de parceiros íntimos
  • 65,6% das vítimas são mulheres pretas

A violência contra a mulher, infelizmente, continua sendo um tema recorrente em nossa sociedade, e o recente caso envolvendo a apresentadora Ana Hickmann, mostrou, mais uma vez, que essa é uma questão que não distingue classes sociais, cor e grau de instrução.

Há inúmeros estudos e pesquisas sobre o tema, abordando suas variadas faces e motivações, e, aqui, pretendo trazer pra você o recorte econômico envolvido nessa questão e a importância do letramento financeiro como coadjuvante no processo de combate à violência doméstica contra mulheres. 

Números que assustam

Uma importante pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou, em sua quarta edição, publicada em março de 2023, dados alarmantes. Abaixo, trago alguns deles, que ajudam a termos uma dimensão da gravidade do problema: 

  • 28,9% das mulheres brasileiras sofreram algum tipo de violência ou agressão em 2022 (em média, 35 mulheres por minuto foram agredidas física ou verbalmente);
  • quase 51 mil mulheres sofreram violência diariamente em 2022;
  • 33,4% de mulheres brasileiras com 16 anos ou mais foram vítimas de parceiros íntimos – a média global, conforme a OMS, é de 27%;
  • 65,6% das vítimas são mulheres pretas.

O estudo é amplo, e eu sugiro que você o conheça em detalhes no site da Agência Patrícia Galvão, pois a disseminação de informações é que irá permitir mudarmos esse quadro tão grave.  Os números que citei acima são apenas exemplos, para que a gente possa refletir sobre a importância de políticas afirmativas que deem às mulheres educação financeira e autonomia. 

A falta de letramento financeiro favorece situações de abuso 

Há pouco tempo, aqui nesta coluna, eu falei de violência patrimonial, que é uma forma de violência de gênero em que o agressor – na quase totalidade dos casos, um homem – tem como objetivo exercer poder e controle sobre a vítima, através da privação total ou parcial do acesso a dinheiro, bens ou documentos. 

Pesquisando sobre o assunto, descobri que a maioria dos relacionamentos em que existe violência patrimonial – que por si já é suficientemente grave – acaba evoluindo para a violência física e até mesmo feminicídio. 

Estudos sobre esse tema apontam que a maioria das mulheres que têm dificuldades em abandonar relacionamentos abusivos afirmam que seu maior problema é a falta de dinheiro para seguir sozinha e, nos casos em que a mulher tem dinheiro, prevalece a insegurança quanto à própria capacidade de cuidar das finanças pessoais.

Em muitas situações, a violência psicológica imposta pelos abusadores vai minando a autoestima de forma tão cruel, que as mulheres acabam paralisadas e presas, por muitos anos, nesse contexto absurdo. Muitas vezes, por desinformação, ignoram os sinais de abuso mais sutis que ocorrem em seu cotidiano, até isso eclodir, como no caso da apresentadora Ana Hickmann. 

Papel da educação financeira no combate à violência contra a mulher

A educação financeira deveria ser política pública, especialmente para mulheres, contemplando desde os temas básicos de finanças, como orçamento pessoal, técnicas de negociação de dívidas e matemática financeira, até temas mais abrangentes e específicos para este público, como: separação de contas conjuntas, dissolução de sociedades em empresas constituídas com o parceiro abusador, Lei Maria da Penha, uso consciente do crédito, entre outros. 

Na condição de homem, entendo que não tenho lugar de fala para dizer o que é melhor para que mulheres se libertem de situações de abuso de qualquer natureza. No entanto, como educador financeiro, coleciono depoimentos de alunas e seguidoras que, ao ter acesso ao conhecimento, conseguiram mudar suas histórias. Como marido, pai de duas garotas e como cidadão, entendo minha responsabilidade em contribuir, dentro do meu campo de atuação, para que isso aconteça. 

A educação financeira é um pilar estrutural na mudança, pois possibilita às mulheres romperem ciclos contínuos de dependência econômica e psicológica. Por isso, defendo que esse tema integre políticas de Estado. Para você ter uma noção, em 2022, o orçamento para políticas voltadas às mulheres no Brasil foi o mais baixo dos últimos quatro anos. 

No momento em que escrevo este artigo, a ONU Mulheres está realizando no Brasil a edição anual do ‘UNA-SE pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas”, uma iniciativa global que visa, entre outras coisas, discutir e sensibilizar quanto à urgência de investimentos em políticas de proteção e empoderamento de mulheres. 

Torço para que iniciativas como esta consigam pautar governos, pois, somente assim, poderemos viabilizar a educação financeira como o instrumento de transformação que ela deve ser.