- Fechada a temporada de balanços, me chamou a atenção a disparidade da performance entre as empresas do setor financeiro e aquelas que estão para além desse segmento
- A queda no lucro das empresas não financeiras no período pode ser explicada, entre outros tantos motivos, pelo maior custo de produção e a elevação da taxa de juros
- E aqui, uma diferença fundamental: o setor financeiro tem o dinheiro como sua matéria-prima
Fechada a temporada de balanços, me chamou a atenção a disparidade da performance entre as empresas do setor financeiro e aquelas que estão para além desse segmento. De acordo com os dados que compilamos aqui no Trademap, pudemos notar um avanço de 13,8% na lucratividade das companhias do primeiro grupo ao longo de 2022 em relação ao ano de 2021 – de R$ 105 bilhões para R$ 120 bilhões, em um total de 36 empresas –, enquanto o segundo grupo registrou um recuo de 17,8% durante o mesmo período – de R$ 191 bilhões para 157 bilhões, englobando 295 companhias, das mais variadas indústrias.
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Aqui vale um adendo importante: Hoje a B3 possui 336 empresas listadas. Para esse levantamento, desconsideramos os resultados de Petrobras, Vale, Suzano, CSN e Braskem, companhias que registraram no último período variações historicamente incomuns e que, se fossem consideradas, trariam grandes distorções para a análise geral.
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Pois bem, voltando, a queda no lucro das empresas não financeiras no período pode ser explicada, entre outros tantos motivos, pelo maior custo de produção e a elevação da taxa de juros. Ainda que em 2022 tenhamos fechado o ano com uma inflação de 5,79% – índice consideravelmente abaixo 10,06% acumulados em 2021 –, o custo de produção cresceu em maior ritmo que as receitas registradas.
No período, tivemos um aumento das vendas de R$ 2,35 trilhões para R$ 2,80 trilhões, porém os custos dos produtos vendidos saíram de R$ 1,76 trilhão em 2021, para R$ 2,14 trilhões no último ano. Ainda que tenhamos observado um repasse da inflação para os preços dos produtos vendidos – e isso é inegável – isso pode não ter sido suficiente para cobrir a elevação dos custos com matérias-primas.
E aqui, uma diferença fundamental: o setor financeiro tem o dinheiro como sua matéria-prima. Em um cenário de inflação e juros crescentes, quando normalmente há uma desaceleração do consumo, essas companhias – em especial os grandes bancos – seguem emprestando para o governo, que por sua vez precisa arcar com esses juros elevados.
Quando o cenário é inverso, isto é, há uma redução da taxa de juros, o montante que recebe pelos empréstimos feitos é proporcionalmente menor, porém há um reequilíbrio pelo natural incentivo ao consumo junto à população como um todo.
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Entre as empresas do segmento financeiro, joguei uma lupa sobre os bancos para compreender melhor esse movimento. No levantamento, analisei a mediana ROE dessas empresas ao longo dos últimos nove anos. O ROE nada mais é do que um indicador que relaciona o lucro e o patrimônio líquido de uma companhia e que nos auxilia a analisar a sua saúde financeira e o seu potencial de crescimento futuro. Além disso, trago um comparativo desde 2014, pois na época tínhamos uma taxa de juros elevada como a que temos hoje.
A mínima da taxa Selic ao longo desse período foi de 1,9%, em 2020, muito em função da pandemia. A máxima, por sua vez, foi em 2015: 14,15%. Agora quando voltamos a nossa atenção para o ROE dos bancos ao longo do tempo, temos uma variação pequena: a mínima em 2016, com 11,51% (e uma taxa Selic de 13,65%) e máxima em 2019, com 15,86% (e taxa Selic de 4,40%).
Se nos voltamos aos quatro principais bancos, que têm justamente o governo como um de seus principais credores, essa baixa oscilação da mediana ROE parece se manter. Sua máxima se dá em 20,06%, também em 2015, valor bastante próximo do registrado em 2019: 19,15%, ante uma taxa Selic de 4,40%.
Diante de todas essas análises, não é difícil afirmar que este é um segmento que segue praticamente alheio às oscilações macroeconômicas. Ter o dinheiro como o seu principal ativo, ao mesmo tempo em que, num primeiro momento, parece expor essas empresas a uma série de conjunturas e variações econômicas de forma mais intensa, também as protege de grandes derrocadas.
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