O que este conteúdo fez por você?
- Um levantamento feito por Einar Rivero, do TradeMap, mostra que o lucro líquido de 295 companhias caiu mais de 17% em 2022 ante 2021, enquanto as despesas financeiras saltaram quase 50%
- O grande culpado? A taxa de juros de dois dígitos no Brasil
- Alta da Selic fez despesas financeiras praticamente dobrarem em 2022, penalizando o lucro conquistado pelas empresas
O fim da temporada de balanços financeiros referentes ao quarto trimestre do ano passado mostrou que o lucro das empresas de capital aberto listadas na B3 derreteu no último ano. Um levantamento exclusivo, feito pelo TradeMap para o E-Investidor, mostra que o lucro líquido de 295 companhias caiu mais de 17% em 2022 ante 2021, enquanto as despesas financeiras saltaram quase 50%.
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O grande culpado? A taxa de juros de dois dígitos no Brasil. A Selic passou quase um ano estabilizada em 2% ao ano, o menor patamar da história. Em março de 2021, o Banco Central deu início ao ciclo de alta nos juros, em uam movimento contra a pressão inflacionária que começava a aparecer no País, fruto das interrupções nas cadeias produtivas causadas pela pandemia e elevação dos preços das commodities.
De lá para cá, foram 12 aumentos consecutivos que levaram a Selic para o atual patamar de 13,75% ao ano – o maior desde o fim de 2016. Enquanto os juros altos cumprem a sua função na economia, de reduzir a atividade, desestimular o consumo e ajudar na queda da inflação, as empresas brasileiras pagam o preço.
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O levantamento mostra que ao comparar o balanço geral das companhias não financeiras listadas na B3, com exceção de Petrobras, Vale, Braskem, CSN e Suzano, as despesas saltaram de 48% de 2021 para 2022. Por sua vez, o lucro líquido em 12 meses caiu 17,8% no comparativo anual.
Veja também: Mesmo diante de fortes turbulências, empresas financeiras seguem lucrando
Paulo Weickert, sócio-fundador e co-gestor da Apex Capital, explica que muitas das empresas da Bolsa aproveitaram o momento da Selic a 2% em 2021 para se capitalizar, adquirindo dívidas com base no CDI (Certificados de Depósitos Interbancários). O problema foi que, com a escalada da taxa de juros, as dívidas pulsaram.
“As dívidas corporativas e bancárias emitidas no Brasil que as companhias tomam são pós fixadas. Uma alta nos juros significa uma maior despesa financeira, menor geração de caixa e menores lucros”, diz Weickert.
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Com os débitos subindo, as companhias brasileiras que estavam mais endividadas viram boa parte do lucro gerado em 2022 ser consumido.
Destrinchando os números
O levantamento soma os balanços referentes a 2021 e 2022 das empresas listadas na B3. O recorte, no entanto, deixa de fora bancos e seguradoras, e as gigantes Petrobras, Vale, Braskem, CSN e Suzano.
Se essas 5 empresas fossem consideradas, o lucro líquido em 2022 ante 2021 subiria 2,6%. Uma alta pequena, mas relevante em comparação à redução de 17,8% no balanço que não as inclui.
“Neste caso, poderíamos dizer que as empresas não financeiras da Bolsa tiveram crescimento de lucro em 2022, não está errado. Mas seria um pequeno desvio”, destaca Einar Rivero, head comercial do TradeMap.
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Por serem empresas de commodities, esses 5 nomes têm seus resultados mais ligados ao cenário internacional do que a indicadores domésticos, podendo se manter de certa forma afastadas dos impactos da alta da Selic. Especialmente em um ano como 2022, marcado por um boom no preço dos insumos como petróleo e minério.
A Petrobras, por exemplo, reportou no ano passado o maior lucro de sua história e da Bolsa brasileira, enquanto o resultado da Vale em 2022 foi o quarto melhor da B3. Contamos melhor nesta reportagem.
Analisando somente as 295 empresas incluídas no levantamento, outros dados chamam a atenção – e confirmam a deterioração dos resultados das companhias da B3 em 2022.
Enquanto as vendas aumentaram 19,1%, o custo de produtos vendidos cresceu 21,7%. Isso fez com que o lucro bruto subisse somente 11%, um percentual menor do que o do aumento das vendas. Olhando para o lucro ebit, métrica que mostra o nível de lucratividade de uma empresa antes de despesas com impostos e juros, o avanço é de apenas 0,01%.
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“Embora tenha-se vendido mais, o lucro antes dos impostos acabou ficando igual ao do ano anterior. Isso falando de valores nominais, porque, se considerarmos a inflação, com certeza as empresas estariam perdendo valor de um ano para outro”, destaca Rivero.
E é aí que a taxa Selic nas alturas começa a pesar. Se, antes de impostos e juros, o lucro das empresas já estava no zero a zero em comparação à 2021, quando as despesas financeiras entram na conta com um salto anual de 48%, o lucro líquido se torna um prejuízo.
“Houve um crescimento muito forte na despesa financeira de 21 para 22, que inclui indiretamente a Selic, que fez com que as empresas com dívidas em real tivessem que pagar juros maiores, penalizando o resultado final”, explica o head do TradeMap.
Com os juros da dívida maiores, o caixa das empresas diminuiu, a margem foi reduzida e a remuneração de dividendos também. O ROE, indicador que mostra quanto lucro é gerado em relação ao capital investido, caiu 5,3% e terminou 2022 em 12,83% – um sinal de que as companhias brasileiras estão rentabilizando abaixo do próprio CDI.
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O levantamento traz ainda uma análise dos lucros líquidos consolidados por setores. Energia elétrica, alimentos processados, siderurgia e metalurgia, telecomunicações, mineração e agropecuária foram os que tiveram a maior variação negativa, em reais, no período. Setores que têm um capex – a necessidade de investimento para modernização ou expansão da empresa – elevado ou margens mais apertadas por causa das características de seus negócios.
“São os dois tipos de setores que apanham mais com os juros altos”, afirma Felipe Cima, operador de renda variável da Manchester Investimentos. “O setor de energia, por exemplo, tem a necessidade de um capex de manutenção elevado para não perder eficiência. Já os frigoríficos costumam ter margem mais apertada, já que algumas coisas não tem a ver com o juros, mas com o ciclo bovino”, explica.
O investidor deve se preocupar?
Com o Ibovespa operando na faixa dos 100 mil pontos, muitos analistas voltaram a dizer que a Bolsa está “barata”. Com os juros ainda elevados, o investidor deve se preocupar com mais um ano de prejuízos nos resultados das empresas? É cedo para cravar.
Como mostramos nesta reportagem, o arcabouço fiscal apresentado na última quinta-feira (30) agradou agentes do mercado. O novo pacote é importante porque, se passar a mensagem de que o governo federal terá responsabilidade com as contas públicas, abre espaço para que o Banco Central inicie os cortes na Selic no segundo semestre do ano. Um cenário que já é precificado por muitas casas.
Se isso acontecer, a perspectiva de juros um pouco mais baixos pode aliviar os resultados das empresas de capital aberto em 2023.
“Com uma eventual queda de juros, há a possibilidade dos resultados serem melhores no segundo semestre, especialmente para as companhias ligadas ao mercado doméstico”, diz Paulo Weickert, da Apex Capital. “Tudo depende de quanto os valuations já precificam deste juros mais altos.”
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No entanto, como as decisões de políticas monetárias levam tempo para produzirem efeitos na economia, pode ser que o alívio para as empresas demore a ser sentido, ainda que o BC decida cortar a Selic. “Como ele não vai voltar para 2% ou 3%, temos que olhar uma janela de cinco, seis trimestres para frente”, ressalta Felipe Cima, da Manchester.
Com essa perspectiva no radar, a orientação é evitar setores dependentes do ciclo de juros e olhar para empresas geradoras de caixa e com baixo nível de endividamento – características que podem “blindar” os resultados no caso de um 2023 ainda negativo para as companhias da Bolsa.