

Por trás de cada anúncio de lucro bilionário e dividendos generosos, há uma distância entre promessa e entrega. Os investidores atentos sabem que o que realmente importa é o valor que pinga na conta, não o que aparece nas demonstrações de resultados.
Quando olhamos para o que efetivamente foi desembolsado pelas empresas brasileiras no ano passado, os números falam por si. De acordo com levantamento da Elos Ayta, o volume pago — ou seja, o valor que de fato foi desembolsado e informado no fluxo de caixa — pelas companhias listadas na B3 em 2024 atingiu R$ 274,8 bilhões.
À primeira vista, pode-se concluir que 2024 foi o terceiro ano mais generoso da história recente em termos de dividendos, ficando atrás só de 2022 (R$ 367,5 bilhões) e 2021 (R$ 287,8 bilhões).
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Mas esse número requer um olhar mais atento. Como sempre, a Petrobras exerce um papel tão grande que acaba distorcendo as estatísticas. Quando excluímos a petroleira da conta, o volume desembolsado pelas demais empresas da bolsa no ano passado foi de R$ 174,1 bilhões.
Isso torna 2024 o segundo melhor ano da série histórica, perdendo apenas para 2021, quando as companhias (sem Petrobras) pagaram R$ 215,1 bilhões. Em 2022, apesar do recorde geral puxado pelos dividendos extraordinários da Petrobras, os demais nomes da bolsa reduziram significativamente os pagamentos, que caíram para R$ 172,9 bilhões.
A discrepância escancara a relação de dependência entre a performance da petroleira estatal e os números globais da B3.
Dividendo proposto não é dividendo pago
Como dito, os valores aqui apresentados são pagamentos efetivos, contabilizados no fluxo de caixa das companhias. Isso significa que boa parte do montante de 2024 se refere, na verdade, a dividendos anunciados no balanço de 2023, e não (necessariamente) ao lucro gerado em 2024.
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Essa defasagem temporal acontece porque os dividendos propostos (isto é, divulgados no balanço anual) precisam primeiro da aprovação do conselho de cada companhia para então serem desembolsados, o que pode acontecer só no ano seguinte.
Ou seja: o que entra no caixa do acionista em um ano costuma ser fruto do desempenho das empresas no ano anterior.
Fotografia dos pagadores recorrentes
A Elos Ayta analisou 339 empresas com dados disponíveis entre 2020 e 2024. A série revela uma tendência clara: mesmo com ciclos econômicos distintos, as empresas brasileiras mantêm um nível relevante de distribuição de lucros, ainda que com oscilações decorrentes de lucros extraordinários, políticas de retenção ou eventos macroeconômicos.
Os valores acima são todos nominais, ou seja, não ajustados pela inflação. Isso significa que, em termos reais, os recordes podem ser menos impressionantes do que parecem à primeira vista. Ainda assim, não deixam de refletir a disposição (e a capacidade) das companhias brasileiras de recompensar seus acionistas até em ambientes econômicos desafiadores.
Petrobras: sozinha, mais de R$ 100 bilhões
A Petrobras lidera com folga o ranking de maiores valores efetivamente pagos em dividendos e JCPs no ano de 2024.
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A estatal desembolsou R$ 100,7 bilhões – cerca de 36,6% de todo o montante pago pelas empresas listadas na B3. Isso é mais do que a soma dos desembolsos de todas as outras empresas da 2ª até a 10ª posição, que totalizaram R$ 87,8 bilhões. Nenhuma empresa ou grupo de empresas se aproxima da relevância da Petrobras quando o assunto é distribuição de proventos.
Mesmo com uma leve queda em relação ao pico de 2022 (R$ 194,6 bilhões), a petroleira segue como pilar central na distribuição de lucros da bolsa — seu desempenho e política de dividendos são capazes de alterar significativamente a fotografia do mercado.
Bancos: quatro nomes entre os dez maiores pagadores
Além da Petrobras, o setor bancário também se destacou, com quatro instituições financeiras entre os dez maiores pagadores de 2024: Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Bradesco e Santander Brasil.
Juntas, essas instituições desembolsaram R$ 48,8 bilhões ao longo do ano — o equivalente a 17,8% de todo o valor pago por empresas listadas na B3. É o setor com maior número de representantes no top 10, reafirmando a resiliência do sistema financeiro nacional e sua tradição em remunerar acionistas, mesmo em períodos de maior volatilidade.
Mineração e energia também se destacam
A Vale, mesmo com uma queda frente aos números de 2021 e 2022, segue entre as três primeiras colocadas, com R$ 20,7 bilhões pagos em 2024. Já a CSN Mineração (R$ 4,3 bi) e a Cemig (R$ 4,3 bi) reforçam a presença de setores de base e infraestrutura entre os destaques de distribuição.
A Cemig, aliás, conseguiu mais do que dobrar o valor pago em relação a 2023 — reflexo de uma gestão focada em eficiência operacional e geração de caixa.
Concentração elevada, mas em leve queda
As dez empresas que mais pagaram dividendos em 2024 desembolsaram juntas R$ 188,5 bilhões, ou 69% do total pago na B3 no ano.
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Embora o índice de concentração continue alto, há uma leve queda em relação aos anos anteriores, quando essas mesmas dez maiores respondiam por mais de 70% do total de dividendos pagos (72% em 2023 e 76% em 2022, por exemplo).
A mudança é tímida demais para justificar quaisquer conclusões mais assertivas, mas o sinal é de dispersão gradual na política de remuneração das companhias brasileiras, com mais players adotando posturas pró-dividendos mesmo estando fora do grupo das gigantes.