Projeto de Lei 1087/2025 prevê taxação de dividendos acima de R$ 50 mil. Juros sobre Capital Próprio (JCP) e recompras podem ganhar protagonismo na remuneração dos acionistas. (Imagem: Adobe Stock)
Um dos pilares da estratégia do investidor brasileiro, a isenção tributária dos dividendos pode deixar de existir, caso o Projeto de Lei (PL) 1087/2025 seja aprovado sem alterações pelo Congresso Nacional. Apresentado pelo Executivo no dia 18 de março deste ano, o PL propõe elevar a isenção de Imposto de Renda (IR) para rendimentos de até R$ 5 mil. Em contrapartida, a proposta do governo é de impor uma alíquota de 10% sobre todos os ganhos acima de R$ 50 mil por mês. Isso inclui itens hoje isentos, como os dividendos pagos pelas Sociedades Anônimas.
A proposta representa uma alteração profunda na gestão de patrimônio dos investidores na bolsa brasileira. Os juros no Brasil são estruturalmente elevados devido ao desequilíbrio crônico das contas públicas. Isso reduz a competitividade das aplicações de renda variável, algo compensado em parte com a isenção fiscal. O fim dessa vantagem poderá comprometer as ações como investimento?
Não necessariamente. Apesar de a proposta, se aprovada, claro, introduzir uma tributação antes inexistente sobre os dividendos, há outras maneiras de as empresas abertas remunerarem seus acionistas. Uma delas é por meio do pagamento de Juros Sobre Capital Próprio (JCP).
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Esses proventos foram criados no Brasil. A diferença com os dividendos tradicionais é que o acionista paga imposto. Até a proposta da reforma, a incidência era de 15% (está em discussão uma elevação desse percentual para 20%, dependendo do valor). Se o JCP parece ser menos vantajoso para o investidor, é preciso lembrar que seu pagamento é contabilizado como despesa pela empresa, o que reduz o imposto a pagar.
Assim, apesar de o investidor que recebe dinheiro por meio de JCP pagar um imposto, a empresa terá uma despesa fiscal menor, o que proporciona mais recursos para distribuir aos investidores. Por isso, uma gestão financeira e tributária eficiente pode compensar o novo imposto.
“Podemos esperar uma redução na frequência e no montante distribuído como dividendos, ao menos no patamar acima do limite isento”, diz André Vasconcellos, diretor de estratégia, planejamento e relações com investidores da Fictor Alimentos ao analisar o mercado de capitais brasileiro. “Isso abre espaço para instrumentos mais eficientes do ponto de vista fiscal e os JCP podem recuperar o seu protagonismo.”
E vai exigir mudanças estratégicas dos acionistas. “O investidor brasileiro precisará amadurecer. Ele terá de ser menos dependente de dividendos expressivos e prestar mais atenção ao valor de longo prazo. Esse será o verdadeiro teste da nossa bolsa”, afirma o executivo.
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As companhias abertas distribuíram R$ 218,4 bilhões em proventos (dividendos e JCP) entre janeiro e agosto de 2025, um aumento de 7% ante os cerca de R$ 204 bilhões do mesmo período de 2024. Foi o segundo melhor resultado desde o recorde de R$ 245 bi registrado em 2022. “O JCP volta ao centro do tabuleiro. Ignorá-lo será um erro estratégico para empresas que querem preservar competitividade na remuneração de seus acionistas”, avalia o diretor da Fictor Alimentos.
Dos R$ 218,4 bilhões de 2025, cerca de R$ 87 bilhões, ou 40%, foram pagos na forma de JCP. Isso prova que, apesar da isenção fiscal dos “concorrentes” dividendos, o JCP ainda é relevante na estratégia financeira das empresas abertas. Ele deverá manter as vantagens fiscais para as companhias abertas, que são tributadas pelo lucro real. Segundo um levantamento da Elos Ayta, empresas importantes no pregão são boas pagadoras de JCP. As líderes são dos setores bancário e de saneamento (observe a tabela abaixo). Segundo Vasconcellos, “as empresas de setores intensivos em caixa, como bancos e utilities, terão de recalibrar suas estratégias. Quem não adaptar rapidamente sua política de proventos corre o risco de perder atratividade junto aos investidores.”
Ações das carteiras do Ibovespa, IDIV, Small Caps e IBRX100 que melhor remuneram os acionistas com JCPS nos últimos 5 anos
Empresa
Código
Setor
Participação no índice
Dividend Yield 12M % com JCPS até 17 de set de cada ano
Ibovespa
Small Caps
IDIV
IBRX100
2021
2022
2023
2024
2025
Mediana
Brasil
BBAS3
Bancos
2,88
–
5,00
2,71
6,01
9,88
9,87
8,52
5,55
8,52
Banrisul
BRSR6
Bancos
–
0,72
0,66
–
7,60
8,30
7,94
2,95
9,52
7,94
Abc Brasil
ABCB4
Bancos
–
0,52
0,48
–
5,86
7,62
7,62
7,36
8,39
7,62
Cemig
CMIG4
Energia elétrica
0,98
–
5,95
0,93
3,34
6,67
8,93
9,08
6,47
6,67
Bradesco
BBDC4
Bancos
4,00
–
4,49
3,77
6,16
2,37
5,29
8,79
8,12
6,16
Bradesco
BBDC3
Bancos
0,99
–
4,61
0,93
6,03
2,50
5,84
9,08
8,21
6,03
Sanepar
SAPR11
Água e saneamento
–
2,25
2,06
0,32
3,70
5,94
10,65
5,78
6,83
5,94
Copel
CPLE6
Energia elétrica
0,98
–
–
0,92
5,50
2,99
5,46
5,62
2,85
5,46
Itausa
ITSA4
Holdings diversificadas
3,01
–
4,19
2,83
2,53
5,27
6,81
5,61
5,34
5,34
ItauUnibanco
ITUB3
Bancos
–
–
4,16
–
1,90
3,01
5,41
5,17
5,94
5,17
Copel
CPLE3
Energia elétrica
–
–
–
0,66
5,14
2,90
5,28
5,42
2,89
5,14
Santander BR
SANB11
Bancos
0,48
–
–
0,45
4,84
3,48
5,10
5,80
5,51
5,10
Isa Energia
ISAE4
Energia elétrica
0,43
–
2,59
0,40
3,12
3,84
4,61
9,17
9,58
4,61
ItauUnibanco
ITUB4
Bancos
8,06
–
3,88
8,69
1,79
2,80
4,60
4,43
5,17
4,43
Tim
TIMS3
Telecomunicações
0,84
–
3,63
0,80
4,15
3,95
4,94
4,39
5,01
4,39
Copasa
CSMG3
Água e saneamento
–
1,88
1,73
0,27
4,13
3,48
10,81
7,99
4,25
4,25
Telef Brasil
VIVT3
Telecomunicações
1,14
–
–
1,07
3,24
3,92
3,71
4,35
3,44
3,71
Multiplan
MULT3
Exploração de imóveis
0,42
2,74
–
0,39
1,99
3,70
3,56
4,00
4,11
3,70
Ferbasa
FESA4
Siderurgia
–
0,32
0,29
–
7,15
2,50
3,46
3,48
6,31
3,48
Hypera
HYPE3
Medicamentos e outros produtos
0,31
2,05
–
0,29
3,84
3,69
2,93
3,45
3,24
3,45
O Dividend Yield é calculado somente com os JCP´s informados em 12 meses de cada período fechado até 17 de setembro
Só fazem parte da amostra as ações que desembolsaram JCP´s nos últimos 5 anos até 17 de setembro de 2025
A tabela traz as ações com melhor mediana de 5 anos da amostra
Elos Ayta
*Outra maneira de remunerar o investidor que pode ganhar relevância é a recompra de ações. Ao oferecer liquidez aos investidores, a empresa também aufere vantagens fiscais. O investidor é remunerado de duas maneiras. Uma delas é por meio do ganho de capital com a revenda das ações para a empresa emissora por um valor superior ao de compra. A outra maneira, que beneficia até quem não vendeu seus papéis, é por meio da valorização patrimonial resultante da redução do número de ações em circulação. “Do ponto de vista tributário, a recompra permite maior flexibilidade ao investidor. Ele decide se e quando realiza o ganho, podendo adiar ou planejar a incidência de imposto”, diz Vasconcellos.
O executivo acrescenta que esse mecanismo é ainda mais atraente para empresas com excesso de caixa. Ao aplicar recursos no mercado financeiro, a empresa paga um imposto superior que a pessoa física. Ou seja, ter capital demais no caixa acaba sendo um mau negócio. “A recompra de ações é o único mecanismo que permite ao investidor calibrar o tempo da tributação. Em tempos de incerteza, esse grau de liberdade pode ser decisivo”, afirma Vasconcellos.
Na prática, as companhias precisarão reavaliar qual a melhor estratégia de remuneração dos minoritários: dividendos, JCP ou recompra de ações. O desafio será encontrar um equilíbrio que preserve eficiência fiscal, mantenha a previsibilidade do retorno e, ao mesmo tempo, sustente a confiança dos investidores. “O investidor individual terá de reaprender a olhar para a Bolsa. O retorno não virá mais embalado em dividendos líquidos, mas na soma de valorização patrimonial, recompra e, quando bem desenhados, os JCP”, diz Vasconcellos.