A semana que passou foi marcada por derrotas em série do governo na sessão realizada no Congresso Nacional. Na ocasião, os parlamentares derrubaram o veto do presidente Lula à chamada “saidinha”, benefício que permitia a alguns presos em regime semiaberto deixarem as penitenciárias em certas ocasiões “especiais”.
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Se olharmos para o painel da votação, vamos ver que a derrota foi acachapante. Na Câmara, o veto foi derrubado com 314 votos a favor, 126 contra e duas abstenções. No Senado, o veto caiu com 52 votos a favor, 11 contra e uma abstenção.
Esse não foi o único revés que o governo teve na sessão do Congresso, realizada na última terça-feira (28). Os congressistas também mantiveram o veto do ex-presidente Jair Bolsonaro à criminalização das fake news.
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As derrotas ganharam as manchetes dos principais jornais, que trouxeram as mais diversas declarações dos líderes da base envolvidos nas negociações tentando justificá-las.
Já estava precificado
Digo sem nenhum medo de errar: as derrotas eram algo totalmente esperado no mundo político. Já estava precificado, para usarmos um termo comum no mercado financeiro. Até pelos líderes da base que se pronunciaram em público. A política é uma verdadeira arte cênica que deve ser vista não apenas sob o prisma de um único episódio, de um ato.
Como é de conhecimento de todos que acompanham o dia a dia de Brasília, o atual governo não tem maioria nas duas Casas. Por isso, sempre que a questão da “Ordem do Dia” envolver uma pauta ideológica, como foi no caso dos dois temas acima, é praticamente certo que o Palácio do Planalto vai perder.
Destaco, porém, que essa não é uma prerrogativa do Lula 3. Lembro que no primeiro ano de mandato, o então presidente Jair Bolsonaro apresentou um pacote para o Congresso com 35 propostas, que compreendiam temas da área econômica e projetos de cunho ideológico. Avançou a parte dos projetos elaborados pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, e que tratava da reforma da previdência, da autonomia do Banco Central, da privatização da Eletrobras (ELET3), entre outros.
Por outro lado, dormitam até hoje nos arquivos do Congresso os projetos como a ampliação do porte de armas, excludente de ilicitude para militares, aumento de abuso de penalidade para menores, e por aí vai.
Por mais que sejam alvo de críticas, muitas vezes merecidas, a turma dos partidos do Centrão tem feito esse papel de árbitro das investidas “ideológicas” do presidente da República de plantão.
Fatiamento das sessões
Pontuo, entretanto, que o que vimos na semana passada era um jogo jogado. Apesar de as derrotas terem sido apontadas como “falhas na articulação do governo”, passou desapercebido por alguns jornalistas e analistas o fato de que parte da estratégia dos líderes do governo foi a de “fatiar” em dois a pauta do Congresso.
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Se voltarmos alguns dias no calendário, vamos ver que, no último dia 9 de maio, foi realizada uma sessão do Congresso. Na ocasião, o governo saiu vencedor da disputa que envolvia o veto das emendas de comissão (R$ 5,6 bilhões). Manteve o veto parcialmente como havia acordado. A votação ocorreu um dia depois de os congressistas aprovarem uma mudança no Marco Fiscal, que abriu caminho para o Executivo antecipar R$ 15,7 bilhões em crédito suplementar.
Perceba, o governo separou o que tinha impacto na agenda de Haddad das questões ideológicas e votou os temas em duas sessões do Congresso em datas distintas. Se a discussão das emendas de comissão tivesse ocorrido na mesma sessão do Congresso da semana passada, eram grandes as chances dos debates ideológicos sobre saidinha e fake news contaminarem a votação.
Adicionando mais uma peça neste quebra-cabeça, na mesma sessão que o governo sofreu “derrotas em série” no campo ideológico, ele assegurou o veto ao calendário da liberação das emendas dos parlamentares. A queda do veto seria uma dor de cabeça para Lula e Haddad porque o calendário das emendas teria um enorme potencial de engessar o Orçamento do Executivo neste ano.
Perder ganhando
A arte da política tem desses ingredientes em que perder ganhando ou ganhar perdendo muitas vezes assegura o objetivo traçado inicialmente de avançar com temas que estavam intrincados, como era o caso das emendas de comissão e a mudança do marco fiscal.
No paralelo, lembramos que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda conseguiu (mesmo sem defender publicamente) a aprovação na Câmara da taxação das compras até US$ 50. Os deputados aprovaram, na semana passada, uma alíquota de IPI de 20%. Esse era um tema tabu dentro do governo, dividia o Palácio do Planalto, a bancada do PT e setores da oposição. Parte das resistências tinha como base o fato de a proposta ser impopular.
Para evitar que os deputados fossem alvo de ataques, em especial nas redes sociais, o presidente da Câmara, Arthur Lira, realizou a votação de forma simbólica. Neste tipo de votação, o parlamentar apenas faz um gesto no plenário. Ou seja, o voto não fica registrado no painel, o que possibilitaria verificar quem foi contra ou a favor da proposta. Com essa estratégia, a proposta foi aprovada e deve ser votada no Senado ao longo desta semana.
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“Para o ano de 2024, como a medida ainda não foi aprovada (no Senado), consideramos que a arrecadação será impactada a partir de julho, com a entrada no presente exercício de R$ 1,3 bilhões. Já para 2025, dadas as projeções de crescimento do PIB nominal, a arrecadação poderia chegar a R$ 2,7 bilhões”, diz o economista chefe da Warren Rena, Felipe Salto, em trecho do relatório distribuído aos clientes institucionais.
Juntando as peças desse quebra-cabeça, considero que fechamos o mês de maio com um governo sôfrego na articulação política (como desde o início), mas ainda assim encaixando peças importantes da agenda do ministro Haddad.