Nas últimas duas semanas, representantes da equipe econômica, da articulação política do governo e lideranças do Congresso se reuniram para anunciar que chegaram a um acordo sobre o futuro da desoneração da folha dos setores e dos municípios. O entendimento é um passo importante nessa “novela” que vem se arrastando desde 2023, quando a desoneração foi estendida pelo Congresso até 2027, mas, na sequência, vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
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Na ocasião do veto, o principal argumento do Palácio do Planalto foi o de que os parlamentares não estabeleceram uma fonte de compensação para os benefícios no Orçamento de 2024. O impacto estimado pela Fazenda é de cerca de R$ 10 bilhões para os setores e de cerca de R$ 10 bilhões para os municípios.
Ou seja, criaram uma “despesa” sem apontar de onde virão os recursos para bancá-la, o que, em tese, fere o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), estabelecida pela Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC 95/2016). O artigo, que permanece em vigor apesar das últimas mudanças nas regras de controle fiscal, determina que a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, mas foram ignorados.
Os argumentos do Executivo foram atropelados e, por uma ampla margem de votos, os congressistas derrubaram a decisão do presidente da República, em meados de dezembro de 2023. Diante da derrota e do rombo de R$ 20 bilhões que gravita por fora do Orçamento de 2024, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, encaminhou para Lula, no apagar das luzes de 2023, uma Medida Provisória (MP 1202). Ela extinguiu a desoneração e o programa do Perse, destinado para o setor de eventos. A MP, por ter um efeito de lei no ato da sua publicação, suspendeu os efeitos da desoneração e causou reações dentro do Congresso.
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Transcorridos 60 dias, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em retaliação, não prorrogou o prazo da MP no trecho que tratava da questão dos municípios. Dessa forma, a desoneração voltou a ser aplicada, mas apenas para os prefeitos.
No meio de toda essa confusão, o governo enviou dois projetos de Lei para o Congresso tratando da desoneração dos setores e municípios. Os projetos travaram na Câmara. Como alternativa, o Executivo envolveu o Judiciário e enviou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ao Supremo Tribunal Federal (STF), no último dia 24 de abril. O relator da ADI 7633, o ministro Cristiano Zanin, concedeu uma liminar 24 horas depois suspendendo a desoneração para os setores e municípios. Na sequência da decisão liminar, a Receita Federal veio a público dizer que a decisão de Zanin passaria a valer a partir de abril e que não seria aplicado o princípio da noventena na retomada da reoneração da folha.
Sem resposta. A decisão emparedou os congressistas, representantes dos setores e prefeitos, que tiveram que voltar à mesa de negociação com o Executivo.
Mercado financeiro e a “mágica” de Haddad
Das negociações, eles conseguiram garantir do governo a manutenção da desoneração para o ano de 2024. Com o avanço desse entendimento, o ministro Zanin, provocado pela Advocacia Geral da União (AGU), resolveu suspender, por 60 dias, a liminar que estabelecia a reoneração dos setores e municípios. Uma decisão bastante incomum.
Apesar dos avanços nas questões políticas, a peça-chave de todo esse quebra-cabeça permanece desencaixada. De onde virão os recursos que vão cobrir os cerca de R$ 20 bilhões da desoneração da folha dos setores e municípios?
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Na última sexta-feira (17), o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que a equipe econômica vai apresentar de forma clara uma fonte de compensação.
Qual será a mágica que o ministro Haddad vai fazer é o motivo de grande atenção por parte de vários players do mercado financeiro. Pela disposição dos congressistas, ela terá que ser apresentada até quarta-feira (22), quando os senadores pretendem votar no plenário do Senado o projeto de lei (PL 1847/2024) protocolado pelo senador Efraim Filho (União-PB).
O projeto prevê a manutenção da desoneração dos setores e uma escadinha para a reoneração a partir de 2025. Nesta proposta também deverá constar a questão dos municípios. Apesar de ser anunciado como a solução do imbróglio e de ser propagado como fruto de um acordo entre Executivo e Congresso, o PL não resolve a questão da compensação.