Se você nasceu antes da década de 2010, provavelmente cresceu sem ver sua família conversando sobre dinheiro. Estou correto? Ou ainda, quando havia conversa, ela era sempre em tom acusatório, atrelada a brigas e com teor negativo. Acertei?
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Ao longo dos últimos 10 anos, as pessoas têm conversado e estudado mais sobre dinheiro, principalmente após o boom de influenciadores financeiros e a pandemia, que obrigou muita gente a reajustar as contas e sair da zona de conforto. Apesar disso, o dinheiro continua sendo um tabu – algo sobre o qual existe ainda muita desinformação, temor e preconceito. Muita gente ainda insiste em vê-lo como algo sujo, pecaminoso, difícil e atrelado a sentimentos negativos, de dificuldade.
Segundo Valéria Meirelles, psicóloga especialista em Psicologia do Dinheiro e colaboradora da Multiplicando Sonhos, o dinheiro ainda é um tabu em todo o mundo. “Essa é a única parte em que os pesquisadores concordam.” Mas isso não quer dizer que não existam peculiaridades em cada país. “Na cultura brasileira, eu acredito que isso pega um pouco mais por questão da desigualdade socioeconômica da população e por questões religiosas”, diz Valéria.
Ciclo de pobreza
Quanto mais dificuldades financeiras uma pessoa e sua família passam na vida, mais a sua visão sobre dinheiro tende a se tornar negativa – tanto pela experiência individual, quanto pela transmissão de conhecimento e visão de mundo por meio da família. O que significa que países mais pobres e desiguais tendem a ter uma população menos amigável ao capital e, consequentemente, cada vez mais pobres, uma vez que, por não acreditarem que a realidade pode ser diferente, não buscam formas de mudar suas vidas financeiras.
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Ao mesmo tempo, o fato de o Brasil ser um país majoritariamente católico, impacta diretamente na cultura financeira. “Especialmente nas religiões católicas – não nas protestantes, mas nas católicas – o dinheiro está mais visto como algo sujo e ligado ao pecado”, afirma Meirelles. “Esta cultura religiosa a respeito do dinheiro molda como a família enxerga o dinheiro. É o que ela vai transmitir para os filhos”, diz a psicóloga. “Se a família transmite que dinheiro é algo sujo e complicado, e também tem experiências financeiras negativas, os filhos vão assimilar isso.”
Como mudar esse cenário?
Para Meirelles, o caminho para mudar este cenário são autoconhecimento, diálogo e paciência. “A melhor forma de fazer o dinheiro deixar de ser um tabu é falando sobre ele”, diz. É preciso falar sobre finanças de forma positiva e motivar a auto-observação, já que não existe uma receita de bolo que funciona para todo mundo. Só depois de olhar e entender a si mesmo, é que é possível começar a desmistificar.
Tão importante quanto, é criar as crianças para que elas já cresçam com uma visão positiva e consciente sobre o dinheiro. De preferência, incentivando uma relação saudável não só com as finanças, mas com todos os recursos. “A gente vai ensinando sobre dinheiro para as crianças, quando ainda são pequenas, com ‘fecha a torneira enquanto escova os dentes’, ‘não desperdiça água’, ‘apaga a luz do quarto’, ‘come a comidinha sem desperdiçar’”, diz a especialista.
“Os pais são os principais agentes de socialização financeira dos filhos”, lembra. Por isso, ao fazerem isso, estão “colaborando para a construção da sociedade. Inclusive a respeito do consumo consciente.”
Em outro artigo desta coluna, explico como falar sobre dinheiro com crianças e adolescentes.
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Aos poucos, o dinheiro pode se tornar um assunto de família e entre amigos – sempre de forma leve, natural e positiva. O impacto disso é uma sociedade menos desigual, com melhor qualidade de vida e saúde mental. Vamos juntos reforçar que falar sobre dinheiro não pode ser um tabu.