Agentes da polícia militar durante operação contra Comando Vermelho no Rio. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
A discussão sobre o papel da sociedade na formação de jovens envolvidos com o crime voltou ao debate após recentes operações policiais no Rio de Janeiro. Nas redes sociais e em entrevistas, familiares e parte da população afirmam: “Eles não são vítimas, escolheram esse caminho.”
A ideia destaca responsabilidade individual. De fato, escolhas têm consequências. No entanto, especialistas apontam que o contexto social e as condições de vida precisam ser considerados para compreender o cenário por completo.
Se uma pessoa de 80 anos fosse levada vendada à Avenida 23 de Maio, em São Paulo, dificilmente reconheceria o local. A cidade mudou. Os prédios ficaram mais altos. O trânsito é mais intenso. A tecnologia está por toda parte. Mas, ao ser levada vendada a uma escola ou universidade, ela reconheceria o ambiente. Apesar das telas e computadores, a estrutura permanece praticamente a mesma.
Ou seja: a sociedade evoluiu rapidamente em tecnologia e infraestrutura, mas a educação e a formação social avançaram pouco, deixando jovens entre estímulos e riscos.
A nova geração cresce sob forte influência digital. Entre os principais estímulos estão:
Conteúdos que associam sucesso à riqueza imediata;
Em muitas regiões, o crime está próximo. Em algumas comunidades, a rua representa mais risco que a tela. Para muitas famílias, sobretudo as mais vulneráveis, manter os filhos conectados é também uma forma de proteção.
Esse cenário amplia o debate: há escolha, mas há também ambiente, influência e contexto social.
O desafio das oportunidades reais
Para especialistas, promover responsabilidade individual exige oferecer alternativas concretas. Dizer “não vá por esse caminho” não basta sem apresentar outras opções viáveis.
Surgem perguntas importantes para políticas públicas e educação:
Onde estão os programas que conectam juventude ao mercado real, às profissões do amanhã?
Onde estão as referências de sucesso possível, para além do jogador, do cantor, do influenciador?
Onde está o diálogo com famílias que vivem no limite todos os dias?
Como apoiar famílias que vivem sob alto risco social e econômico?
Se queremos cobrar responsabilidade individual, precisamos garantir o mínimo de estrutura coletiva. Educação financeira não se limita a investimentos. É sobre possibilidades, escolha, autonomia, ela envolve planejamento e visão de futuro.
e o valor de uma vida não está em likes, em correntes de ouro ou em armas.
Não há lado. Há sociedade. O objetivo é ampliar escolhas, não apenas alertar sobre riscos. Não precisamos romantizar o crime nem demonizar o jovem. Podemos e devemos olhar para o meio. A escolha foi dele. Mas a responsabilidade é nossa também.
Porque uma sociedade que avança em tecnologia, mas não em humanidade, cria desigualdades profundas e poucas perspectivas, constrói cidades futuristas com destinos antigos. E se queremos menos tragédias e mais histórias de transformação, não basta pedir para os jovens escolherem melhor. Precisamos oferecer melhores escolhas.
O debate não precisa ser polarizado. Jovens fazem escolhas, mas o ambiente influencia essas decisões. A discussão permanece aberta: como garantir que os jovens brasileiros tenham oportunidades para escolher o futuro que desejam e não apenas o que encontram diante de si?
Como garantir que jovens possam escolher caminhos seguros e construtivos se o ambiente, muitas vezes, lhes oferece apenas rotas estreitas? Como escreveu Aristóteles, “Somos aquilo que fazemos repetidamente. A excelência, portanto, não é um ato, mas um hábito.”
Se queremos jovens que escolham melhores caminhos, precisamos oferecer ambientes que formem melhores hábitos de estudo, de pertencimento, de esperança. Porque futuros não nascem espontaneamente. Eles são ensinados, cultivados e sonhados juntos.