

O título é provocativo. Gera cliques, engajamento, e parece conter alguma sabedoria. Mas por trás desse mantra, tão popular no mundinho das criptomoedas — que vira e mexe aparece em conteúdos por aí — está um erro conceitual que precisa ser enfrentado. Porque no mercado financeiro preço pode ser qualquer coisa, menos carma.
Dizer que alguém “merece” um preço porque comprou no topo ou que só quem entrou cedo foi visionário significa ignorar variáveis fundamentais: acesso à informação, educação financeira e recursos disponíveis.
Nem todo mundo teve a oportunidade de estudar (e entender) bitcoin em 2013. Nem todo mundo soube configurar uma carteira em 2016. E mesmo quem conhecia o bitcoin em 2021 talvez só naquele momento tenha conseguido fazer sobrar algum dinheiro para investir.
O caso Nath Arcuri — e o poder do contexto
Um ótimo contraponto a essa visão simplista veio recentemente da Nath Arcuri, fundadora do Me Poupe. Em um post no Instagram, ela relembrou uma fala sua de sete anos atrás, quando o bitcoin valia R$ 3 mil:
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“Poderia ter colocado mais? Poderia. Mas educadora financeira que sou, fui conservadora — e hoje sigo defendendo a mesma lógica.”
Ela não comprou mais bitcoin não por falta de visão, mas por responsabilidade com seu perfil e sua missão de educadora. Esse depoimento é valioso porque mostra que não é sobre acertar o topo ou o fundo. É sobre consistência, consciência e estratégia. Aliás, talvez até fizesse mais sentido um conteúdo no tom “Eu errei!”. Provavelmente geraria mais views, likes e engajamento, essas métricas tão valorizadas hoje em dia.
Quem transformou sua história de entrada cedo no bitcoin em um mito pessoal de genialidade esquece — ou omite — o fator coragem somado à circunstância: muitos acertaram mais por estar expostos num momento de pouco a perder, do que por análise brilhante. Coragem merece reconhecimento. Mas confundir isso com mérito exclusivo é perigoso — e, muitas vezes, excludente. Muito, ainda, dizem que foram “all in” (apostando todos os recursos), quando esse “tudo” era pouco ou quase nada.
A falsa culpa de quem chega depois
O discurso do “preço que merece” desinforma e oprime. Faz quem comprou a R$ 400 mil se sentir tolo. E faz quem está pensando em entrar agora acreditar que “perdeu o bonde”. Mas quem define o preço certo? O que parece caro hoje pode ser uma pechincha em 2030. O mercado não é linear e não respeita narrativas de herói.
Mais importante que o ponto de entrada é a intenção por trás da compra. Você alocou 1%, 5% do seu patrimônio? Isso fazia sentido no seu contexto? Estava alinhado com seus objetivos?
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Julgar decisões de investimento fora de contexto é tão injusto quanto inútil. E o pior: afasta as pessoas do aprendizado, da disciplina e da educação de longo prazo — que é justamente o que o mercado financeiro precisa para amadurecer quando o tema é bitcoin e criptoativos.
Preço médio, constância e estratégia: o caminho real
É aqui que entra a visão madura que falta em muitas discussões públicas sobre bitcoin. Investimento em ativos assimétricos como o BTC exige:
- Disciplina para comprar com regularidade (preço médio, ou DCA, “dollar cost average” na terminologia cripto);
- Clareza sobre quanto do patrimônio pode ser alocado com segurança;
- Capacidade de suportar volatilidade sem pânico;
- E, sobretudo, uma mentalidade de longo prazo.
É isso que educadores como Nath Arcuri defendem. É isso que as boas práticas de alocação recomendam. E é isso que quem constrói patrimônio entende na prática.
Precisamos parar com os mantras
Hoje, o investidor brasileiro já conta com infraestrutura regulada, segura, com liquidez e suporte local — como do Mercado Bitcoin, que a própria Nath cita. Isso significa que cada vez mais pessoas terão acesso ao mercado cripto com segurança e responsabilidade.
Contudo, com mais acesso, vem também mais responsabilidade na narrativa. Não podemos continuar tratando a volatilidade do bitcoin como uma gincana de merecimento. Isso trava o debate sério que precisamos ter com o mercado financeiro tradicional, com reguladores, com fundos, com alocadores institucionais.
Se queremos que o bitcoin seja visto como uma classe de ativo legítima, temos que sair da lógica do “acertou quem mereceu” e entrar na lógica do “acertou quem se preparou, estudou e teve estratégia.” E no momento certo para ela.
No fim das contas, não importa se você comprou a R$30 mil ou a R$300 mil. O que importa é por que comprou e com que plano. Quem entende isso, não precisa de frases de efeito para se validar.
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Se for para fechar no melhor estilo lacrador, prefiro assim: “O melhor dia para se comprar bitcoin foi ontem, mas o segundo melhor é hoje”. Será que vale um post no Insta?