O que os criptoativos ensinam

Diretor no Mercado Bitcoin desde 2018, Tota tem 23 anos de experiência no mercado financeiro. Agora no universo dos criptoativos, ele une o seu forte background em tecnologia e profundo conhecimento de produtos financeiros para desmistificar o mercado de ativos digitais.

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Fabricio Tota

Caso Binance: entre a culpa e o caos, uma lição de ética para o mercado cripto

A confissão de culpa da Binance e de seu CEO representa mais do que um mero impacto no universo cripto

Binance é a maior corretora de criptomoedas do mundo. Foto: REUTERS/Dado Ruvic
  • A confissão de culpa da Binance e de seu CEO representa mais do que um mero impacto no universo cripto
  • A multa de US$ 4,3 bilhões imposta é apenas o início de uma série de desafios regulatórios complexos que se desdobram
  • O caso ainda pode proporcionar uma pena de prisão de até 18 meses para o fundador da companhia

A confissão de culpa da Binance e de seu CEO, Changpeng Zhao (CZ), diante do Departamento de Justiça dos EUA, representa mais do que um mero impacto no universo cripto; ela pode desencadear um efeito dominó regulatório de proporções globais, atingindo diretamente o mercado brasileiro. A multa de US$ 4,3 bilhões imposta é apenas o início de uma série de desafios regulatórios complexos que se desdobram.

Ademais, CZ, nascido na China e cidadão canadense, residindo nos Emirados Árabes Unidos – um país sem tratado de extradição com os EUA – enfrenta agora uma ordem judicial que restringe sua saída dos Estados Unidos. Essa medida reflete a preocupação das autoridades americanas com a possibilidade de o CZ não retornar ao país, se for permitido deixar o território. Embora tenha alcançado um acordo, o seu futuro e da própria Binance ainda permanecem incertos, com a possibilidade de uma pena de prisão de até 18 meses para o fundador da companhia.

Jesse Powell, CEO da Kraken, em um tweet incisivo, destacou a importância de justiça e conformidade regulatória, criticando as práticas desleais que distorcem o mercado. Este é um lembrete de que, enquanto alguns tentam continuamente contornar o sistema, outros, como o próprio Mercado Bitcoin, adotam um caminho de conformidade e ética inegociáveis.

As declarações de Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, são reveladoras e preocupantes: a Binance permitiu mais de 100.000 transações ilícitas, envolvendo desde abuso sexual infantil até financiamento ao terrorismo de grupos como o Hamas e a Al Qaeda.

A confissão de culpa da Binance cria uma marca permanente em sua imagem, revelando uma falha contínua em suas práticas de prevenção à lavagem de dinheiro, apesar dos esforços de relações públicas e das promessas feitas pelo seu CEO. Diversas operações fraudulentas ao redor do mundo utilizaram a corretora em sua engenharia financeira. No Brasil, as pirâmides Braiscompany e GAS Consultoria, aquela do Faraó dos Bitcoins, são os exemplos mais notórios.

Por falar em Brasil, por aqui, o impacto será direto e inegável. A tentativa da Binance de adquirir a casca da corretora Sim;Paul, sua pretensa porta de entrada regulatória no País, enfrenta agora um futuro ainda mais incerto. A CPI das Pirâmides Financeiras já havia sugerido ao Banco Central do Brasil que negasse essa aquisição. O recente acordo nos EUA coloca em xeque a estratégia da Binance de tentar comprar uma low hanging fruit para obter uma licença regulatória brasileira.

Ainda no cenário regulatório brasileiro, outro desafio relevante que a Binance enfrenta é um Processo Administrativo Sancionador em curso na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Esse processo, iniciado após a emissão de um stop order pela autarquia há três anos, envolve a investigação de uma oferta irregular de derivativos.

A rejeição de um acordo proposto anteriormente pela companhia indica que o processo está longe de uma conclusão favorável à empresa. Esse impasse com a CVM é mais uma faceta da complexa teia de desafios regulatórios e legais que a Binance enfrenta, tanto global quanto localmente.

Tanto reguladores quanto parceiros locais, em especial parceiros relacionados a banking, estão diante de um desafio significativo. Como lidar com uma empresa que, mesmo sob o peso de confissões criminais, tenta se estabelecer legitimamente em território nacional? Existe um trade-off entre a receita gerada e o risco que se corre? A admissão de culpa da Binance, especialmente em relação aos temas mencionados por Yellen, é um grave alerta.

Relembrando: terrorismo, exploração sexual infantil, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro. Será que uma empresa que facilitou tais atos deveria ser permitida a operar localmente? Apesar de sua recente confissão de culpa, a Binance e seu controlador ainda mantêm “reputação ilibada”, uma expressão frequentemente utilizada pelos reguladores locais e pré-requisito para empresas que aplicam para licenças regulatórias.

Será que o Brasil, às vésperas de definir sua própria regulamentação cripto, vai permitir que esse tipo de empresa siga operando em seu território? A resposta a esta pergunta definirá o futuro do mercado cripto no País.

O Mercado Bitcoin, desde sua fundação, sempre se pautou pela ética e conformidade regulatória. “Ética não é negociável” não é apenas um slogan, mas um princípio fundamental que guia nossas operações. Enquanto outras empresas buscam atalhos, nos mantemos firmes no caminho da integridade.

Em conclusão, o caso da Binance serve como um lembrete severo de que as regras e regulamentações são fundamentais para a sustentabilidade do mercado cripto. Aqueles que escolhem ignorá-las não apenas se colocam em risco, mas comprometem a integridade de todo o ecossistema.

Todos os líderes e participantes deste mercado precisam mais do que nunca priorizar a ética e a transparência, assegurando um futuro sólido e confiável para toda a indústria. O momento para a indústria cripto brasileira é único, uma enorme potencial que tem chamado a atenção em todo o planeta. Não podemos deixar que os malfeitos de um participante destruam o trabalho de todo o ecossistema.