O que os criptoativos ensinam

Diretor no Mercado Bitcoin desde 2018, Tota tem 23 anos de experiência no mercado financeiro. Agora no universo dos criptoativos, ele une o seu forte background em tecnologia e profundo conhecimento de produtos financeiros para desmistificar o mercado de ativos digitais.

Escreve mensalmente, às sextas-feiras

Fabricio Tota

O que será das stablecoins depois do colapso da Terra (Luna)?

Crash do Luna faz com que investidores temam o futuro das stablecoins

Após colapso do Luna, investidores podem estar receosos de apostar em Stablecoins, mas colunista aponta o caminho a seguir – REUTERS/Dado Ruvic
  • A criptomoeda, que foi criada para sempre valer 1 dólar americano, foi à lona depois de sofrer um ataque especulativo
  • As stablecoins nasceram para facilitar o fluxo de capitais dentro do ambiente cripto
  • De certo é que o colapso da UST está fazendo os reguladores se mexerem. Na sexta passada, o parlamento japonês aprovou uma lei sobre o assunto

Maio viveu um duplo inverno, embora ainda seja outono no Hemisfério Sul e primavera no Norte. Enquanto os termômetros desciam a 5°C em Brasília e 7°C em Cuiabá, algo inimaginável, o mundo cripto sofreu um abalo que fez o Bitcoin encerrar o mês passado com queda de 20,7% pela cotação em dólar (queda de 20,2% em reais). Poucos criptoativos se salvaram do mau humor do mercado.

No centro de tudo, uma stablecoin: a UST, da rede Terra. A criptomoeda, que foi criada para sempre valer 1 dólar americano, foi à lona depois de sofrer um ataque especulativo. As reservas que a Luna Foundation Guard, organização da rede Terra que apoia seus tokens, não foram suficientes para manter a paridade. Num paralelo ao mundo financeiro tradicional, é como se o mercado duvidasse do real e lançasse um ataque à moeda para testar a força das reservas internacionais brasileiras.

A queda não foi trivial. O universo Terra/Luna tinha uma capitalização combinada de cerca de US$ 60 bilhões: a mesma que o Lehman Brother tinha em janeiro de 2008, nove meses antes de quebrar. Claro que não é possível comparar o efeito do colapso da rede Terra com o de um banco que tinha uma carteira de crédito de mais de US$ 600 bilhões.

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Esse episódio levanta muitos questionamentos sobre as stablecoins: é o fim da stablecoins?
Outras stablecoins correm o mesmo risco de não conseguir manter a paridade? Existem stablecoins mais confiáveis? Faz sentido um investidor de varejo se aventurar nesse mercado?

De uma forma simples, pela ordem das perguntas, eu poderia responder: não; sim; sim; depende. No entanto, a situação é mais complexa do que isso.

Tipos de stablecoins

As stablecoins nasceram para facilitar o fluxo de capitais dentro do ambiente cripto. São uma forma de proteção para a volatilidade dos ativos digitais, permitindo que um investidor mantenha seus recursos em valores estáveis sem precisar convertê-los em ativos tradicionais ou retorná-los para o sistema financeiro. Viraram também uma alternativa para reduzir custos de operações cambiais ou para permitir exposição em moeda forte em países com moedas mais vulneráveis. Assim, as stablecoins conseguem unir o mundo cripto e o tradicional, facilitando transações de ativos digitais e o dia a dia das pessoas.

O problema todo é a forma como esses ativos digitais mantêm a paridade. Em sistemas de câmbio fixo, bancos centrais precisam de reservas internacionais para bancar essa conta. Ou seja, é necessário um lastro, um colateral. Basicamente, por conta desse lastro, as stablecoins se dividem em três tipos: as colaterizadas, as sobrecolaterizadas e as algorítmicas.

As colaterizadas (fiat-backed stablecoins, na designação em inglês) possuem reservas em moedas fiduciárias ou equivalentes, como é o caso do Tether (USDT) e da USD Coin (USDC). Esse lastro nem sempre é líquido, em dinheiro. Pode ser em títulos soberanos e/ou corporativos. Já as sobrecolaterizadas (crypto-backed stablecoins, no termo em inglês) têm ativos digitais como colateral. Um exemplo dessa linha é a DAI, mantida pela MakerDAO. E finalmente as algorítmicas, que mantem a conversibilidade em outros ativos por meio de algoritmos, market makers e pools de liquidez.

Esse último é justamente o caso da UST, cujo algoritmo permitia a conversão em um outro ativo, o token LUNA, da rede Terra. Basicamente, toda vez que uma unidade de UST era trocada por LUNA, um UST era queimado, enquanto mesmo volume financeiro em LUNA era minerado, mantendo a paridade do UST com o dólar. Além disso, investidores podiam fazer staking de UST, com retornos de até 19,5% ao ano. Em dólar. Tentador, não?

Sobre joio, trigo e moinhos

Agora, voltando às perguntas básicas, o colapso da rede Terra não decretou o fim das stablecoins. O leitor mais atento notou que existem diferenças substanciais entre as stablecoins. A questão da UST/LUNA foi bastante específica, em um tipo um tanto quanto experimental de stablecoin. Vale ainda lembrar que as necessidades fizeram com que as stablecoins fossem criadas ainda existem: pessoas precisam de um instrumento para ‘estacionar’ seus recursos em tempos de alta volatilidade, as remessas não pararam do dia para a noite e a fraqueza de algumas moedas fiduciárias não acabou. Sempre existe oferta onde há demanda.

Apesar de não ser o fim de uma era, as pessoas têm que permanecer atentas. Sobretudo, conhecer o que estão comprando. Saber onde moer o trigo é tão importante quanto separá-lo do joio, porque algumas stablecoins correm o risco de não conseguir manter a paridade. A boa notícia é que algumas stablecoins são mais confiáveis.

Se olharmos para os três tipos de stablecoins, as colaterizadas parecem ser as mais confiáveis, porque para cada token sempre há um lastro real. Ao menos em tese. O grande problema é a falta de transparência de alguns projetos em relação aos seus lastros. A Tether, maior stablecoin em valor de mercado, utiliza títulos corporativos em dólar, entre outros colaterais, só que não detalha as empresas que emitiram esses papéis. Durante o vendaval que atingiu a UST, o Tether (USDT) chegou a cair para USD 0,95 por conta das preocupações com esses colaterais. Por conta disso, a USD Coin (USDC), a segunda maior, que sempre prezou por maior transparência desde sua concepção, anunciou que passará a publicar seu balanço semanalmente.

As sobrecolaterizadas têm um outro problema. Para pegar US$ 1 de DAI, por exemplo, o investidor deixa US$ 1,70 em ETH, o que cria uma ineficiência de capital gigantesca.

E a pergunta final: vale a pena o investidor de varejo comprar stablecoins? Bem, sim. USDT, USDC e DAI, cada uma a seu modo, com vantagens e desvantagens, são formas seguras de se expor à moeda americana de modo rápido, barato e eficiente. Muito melhor do que um fundo cambial ou um contrato futuro de dólar. Esse é o principal caso de uso que temos no Brasil. Se você pretende manter seus recursos dentro de uma exchange, recomendo mantê-los em uma moeda equivalente ao dólar do que em reais.

De certo é que o colapso da UST está fazendo os reguladores se mexerem. Na semana passada, o parlamento japonês aprovou uma lei sobre o assunto: apenas bancos e algumas empresas reguladas poderão emitir stablecoins, os tokens devem estar atreladas ao iene ou outro ativo e os emissores devem garantir os resgates pelo valor de face do ativo. Outras autoridades, como a secretária do Tesouro americano Janet Yellen, também se manifestaram sobre o assunto.

No Brasil, a criação da CBDC (central bank digital currency, ou “moeda digital do banco central”) pelo Banco Central pode ser um divisor de águas no mercado nacional. Super oportunidade para a criação de uma stablecoin de reais, com lastro também em blockchain. Transparência e governança na veia.

Afinal, transparência é fundamental em qualquer mercado.