O Brasil se acostumou com a dor e chama isso de estabilidade. O medo de crescer se tornou política econômica, e o país, parado, celebra a imobilidade como conquista
Juros altos garantem estabilidade, mas travam o crescimento econômico. (Foto: Adobe Stock)
O Brasil vive um paradoxo elegante: os juros estão em 15% ao ano, a inflação está sob controle e o país continua parado. Há 17 meses o Banco Central (BC) segura a Selic no mesmo patamar e chama isso de prudência. O mercado aplaude, o governo silencia e o investidor dorme tranquilo, mas a conta não fecha.
Com o juro real mais alto do mundo, acima de 10% ao ano, o país coleciona estabilidade no PowerPoint e paralisia na vida real. O Produto Interno Bruto (PIB) cresce 2%, o crédito encolhe, e o Brasil começa a achar normal não sair do lugar. O juro alto virou símbolo de virtude.
No Brasil, ser prudente significa não tentar. O Banco Central teme errar, o governo teme decidir e o mercado teme mudar. O medo virou método. E o método virou política. Em nome da estabilidade, o país se anestesiou. Cada decisão do Copom é celebrada como se a ausência de risco fosse um avanço. O Brasil transformou a imobilidade em conquista.
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Mas não há país que cresça com medo de se mexer. A economia desacelera, o crédito encolhe, a produtividade cai e a confiança evapora. As concessões de crédito recuaram 12% no último trimestre, segundo o próprio Banco Central. Pequenas e médias empresas, responsáveis por 70% dos empregos formais, enfrentam o pior cenário de financiamento em cinco anos.
O investimento produtivo caiu em sequência por cinco trimestres. O varejo opera em marcha lenta, e o consumidor volta a parcelar até as compras básicas. A Selic de 15% não é uma política de controle, é uma política de paralisia.
Enquanto isso, o mundo se move. Os Estados Unidos reduziram juros para impedir o encolhimento do consumo e reaquecer o mercado imobiliário. A China injeta liquidez no sistema bancário para sustentar o crescimento. A Europa, mesmo com o risco de aumento da dívida, estuda novos pacotes de estímulo para impedir o colapso industrial. Só o Brasil insiste em manter o pé no freio enquanto o resto do planeta acelera. E pior: chama isso de prudência.
O juro alto, que deveria ser um instrumento temporário, virou identidade nacional. A cada reunião do Copom, o país escolhe pagar caro por um conforto ilusório. A Selic elevada garante previsibilidade ao investidor, mas destrói a capacidade de expansão de quem produz. Premia o capital que já existe e pune quem tenta criá-lo. É o retrato de um país que protege o rentista e sacrifica o empreendedor. O juro alto é a versão moderna do imposto sobre o futuro.
O mais perverso é que a política monetária brasileira se tornou uma forma de inércia institucionalizada. O argumento é sempre o mesmo: é preciso cautela. Cautela com a inflação, cautela com o câmbio, cautela com a política fiscal. Mas o que ninguém diz é que a cautela tem custo. E esse custo se acumula todos os dias em forma de desemprego disfarçado, consumo reprimido e investimento adiado. O país continua respirando, mas em ritmo de espera.t
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A verdade é que o Brasil vive uma espécie de falsa paz econômica. A inflação está sob controle, mas o custo de vida real não cai. O desemprego está no menor patamar histórico, 5,6%, mas a renda média do trabalhador diminuiu. O setor de serviços resiste, mas o investimento em infraestrutura despenca. As exportações batem recorde, mas continuam concentradas em commodities. Cada indicador positivo vem com uma nota de rodapé avisando que a melhora é limitada. O país virou especialista em comemorar a ausência de tragédias.
Há uma complacência perigosa no ar. A estabilidade virou anestesia. O investidor se acomoda na renda fixa, o empresário reduz ambição e o consumidor se resigna. Ninguém reclama porque, na superfície, parece tudo bem. A inflação está controlada, o dólar não dispara, o PIB cresce pouco, mas cresce. É o tipo de calmaria que engana. O país não está parado porque é estável; está estável porque parou. A cada ponto percentual mantido acima do necessário, uma empresa deixa de nascer.
Cada decisão adiada empobrece um pouco mais o país. O juro de 15% é o espelho de uma mentalidade que prefere punir o risco a recompensar o mérito. O Brasil não precisa de mais estabilidade. Precisa de direção. A economia virou uma máquina de segurar o próprio impulso. E quando até o medo de crescer parece sensato, a mediocridade se institucionaliza.
Enquanto o mundo fala de inovação, energia limpa e Inteligência Artificial (IA), o Brasil continua discutindo se deve ou não baixar juros. Enquanto o planeta busca formas de acelerar, nós discutimos se é seguro sair da garagem. Não há crescimento sem coragem. Não há desenvolvimento sem incômodo. E não há prosperidade possível quando o país trata a dor como rotina.
O juro alto deixou de ser o preço do dinheiro. É o preço da nossa apatia. O país aprendeu a viver com pouco e a chamar isso de prudência. O Banco Central venceu a inflação, mas perdeu o país. A política econômica virou um espelho que reflete mais medo do que estratégia. E quando o medo passa a comandar, o resultado é previsível: nada muda.
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O Brasil não está quebrado. Está confortável demais no desconforto. Essa talvez seja a forma mais perigosa de crise: aquela que não dói, porque todo mundo já se acostumou com ela. E o dia em que o país parar de sentir dor, será o dia em que vai perceber que deixou de crescer.