Com Selic elevada e crédito restrito, o Brasil enfrenta o fim do dinheiro barato. Juros altos expõem fragilidades fiscais, produtivas e estruturais que o discurso oficial insiste em parcelar. (Imagem: Adobe Stock)
O Brasil vive como se estivesse esperando um trem que não vai chegar. A Selic permanece alta, o crédito segue seletivo e o custo do dinheiro se tornou estruturalmente mais pesado. Mesmo assim, o país inteiro se comporta como se essa fase fosse apenas um atraso na programação. O Governo promete crescimento financiado. Empresas insistem em modelos que dependem de dívida. Famílias fazem do parcelamento um estilo de vida. É uma esperança coletiva baseada na mesma fantasia: a volta do dinheiro barato.
Só que o dinheiro barato não está atrasado. Ele simplesmente acabou. Acabou porque a economia brasileira não cresceu o suficiente para merecê-lo. Acabou porque a inflação insiste em testar limites. Acabou porque o risco fiscal não cabe num país que vive de promessas. A taxa de juros não é uma vilã isolada, é uma “consequência” de um país que se recusa a fazer o trabalho duro que permitiria reduzi-la.
O resultado aparece em todas as frentes. No varejo, a demanda depende cada vez mais de parcelamentos longos, que apenas camuflam um orçamento fragilizado. No setor produtivo, investimentos são adiados não porque o juro é alto, mas porque as empresas foram construídas para funcionar somente quando ele estiver baixo. No setor público, a retórica é sempre a mesma: culpar o Banco Central pelas consequências de décadas de improviso fiscal. Enquanto isso, a dívida cresce num ritmo que nenhum corte pontual de Selic resolveria.
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O ponto cego do país é simples de enxergar e difícil de aceitar. O problema não é quando os juros vão cair. O problema é que o Brasil não sabe viver sem dinheiro barato. Não sabe porque construiu seu modelo econômico em cima dele. Famílias consomem porque financiam. Empresas crescem porque alavancam. Estados investem porque se endividam. E quando o ciclo global muda, como mudou, o país descobre que seu equilíbrio sempre dependeu de um cenário que não controlava.
A ironia é que o juro alto expõe fragilidades que sempre estiveram lá. Ele não criou o endividamento crônico das famílias. Não inventou a má alocação de capital. Não desenhou um Estado caro e ineficiente. Apenas removeu o filtro que escondia tudo isso. Dinheiro barato funciona como iluminação suave: deixa tudo mais bonito. Dinheiro caro acende fluorescentes de hospital: revela o que ninguém quer ver.
Enquanto o Brasil seguir tratando a Selic como o vilão da história, vai ignorar a pergunta que realmente importa: por que precisamos tanto de juros baixos para funcionar? A resposta passa por produtividade baixa, por educação técnica insuficiente, por Estado grande demais e por um sistema tributário que pune quem produz e recompensa quem empurra a conta para depois. Trata-se de um país acostumado a atalhos, não a reformas.
O Brasil não precisa esperar os juros caírem para mudar. Precisa mudar para que os juros possam cair. Mas, enquanto o debate público girar em torno da expectativa de “alívio”, e não da necessidade de ajuste, continuaremos presos ao mesmo ciclo, culpando o custo do dinheiro por problemas que nasceram antes dele.
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O dinheiro caro veio para ficar até que o país faça o que evita há décadas.
E, pelo visto, o único atraso verdadeiro não é o da Selic.