Investimento com propósito

Fernanda Camargo é sócia-fundadora da Wright Capital Wealth Management e tem mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, 15 dos quais em Gestão de Patrimônio, com passagens por Vinci Partners, Gávea Arsenal Gestão de Patrimônio, Standard Bank, Deutsche Bank e Merrill Lynch. Ela é uma das fundadoras do Instituto LiveWright, OSCIP dedicada a gestão do esporte olímpico no Brasil e faz parte do Conselho da ONG Atletas pelo Brasil.

Escreve mensalmente, às sextas-feiras

Fernanda Camargo

A Equidade Racial e o ESG Brasileiro

Protocolo ESG Racial visa promover a equidade racial no mercado de trabalho

(Foto: Evanto Elements)
  • Segundo o Instituto Ethos, quando falamos de cargos executivos, apenas 4,7% das posições dentre as 500 empresas brasileiras de maior faturamento são compostas por negros
  • Lançado em julho deste ano, o Pacto de Promoção da Equidade Racial, tem como objetivo incentivar a adoção de ações afirmativas e a realização de investimentos sociais voltados à melhoria da qualidade da educação pública e a formação de profissionais negros
  • O Pacto propõe implementar um novo Protocolo ESG Racial no Brasil. os critérios ESG podem contribuir para uma mudança estrutural no Brasil no que tange à equidade racial no mercado de trabalho, em cargos de gestão e de liderança

(Fernanda Camargo e Camilla Reichmann) – Em seu último livro, “A Tirania do Mérito”, o professor de filosofia política da Universidade de Harvard Michael Sandel debate porque a crença de que o esforço individual é o grande motor do sucesso somente amplia o abismo social, estimula a polarização e impede que as sociedades sejam mais solidárias. No preenchimento de vagas de emprego, mérito conta por dois motivos: eficiência e justiça. Seria errado discriminar o mais qualificado com base em preconceito de raça, religião ou sexo. Um sistema econômico que recompensa o esforço e o talento tem a probabilidade de ser mais produtivo. A ideia de que nosso destino está nas nossas mãos, que nosso sucesso depende só de nós, afirma certa ideia de liberdade.

Segundo Sandel, apesar de inspirador, o princípio do mérito pode tomar caminhos tiranos. O lado negativo do ideal meritocrático está embutido em sua promessa mais sedutora, a de domínio e a de vencer pelo próprio esforço. Uma coisa é responsabilizar as pessoas por agirem de acordo com a moral, outra coisa é pressupor que somos, cada um de nós, totalmente responsáveis por nossa sina. Na visão contemporânea, riqueza significa talento e trabalho árduo e pobreza significa apatia. Aqueles que defendem a desigualdade com base na meritocracia ignoram que certos talentos – decisivos para o sucesso em diversas áreas – e o fato de eles serem valorizados em uma certa sociedade não são mérito de quem os possui, e sendo assim, pensar no mérito como um critério de justiça seria algo falho.

Há 15 anos, estava no escritório tarde da noite estudando e ouvi alguém cantando. Era a Severina Gomes. Ela trabalhava como faxineira e chegava no final do dia e trabalhava até quase meia noite. Severina tinha mais de 40 anos e trabalhava para ajudar o marido e manter os 3 filhos. Na infância, sua família trabalhava num engenho na zona rural em Pernambuco. Como muitos, veio para São Paulo em busca de trabalho. Quando a conheci, ela tinha conseguido uma bolsa para estudar Ciências Contábeis. A primeira coisa que ela fez quando nos conhecemos, foi tentar me ajudar com contabilidade e pediu para seu professor me ligar. Meses depois, quando me disse que podia perder a bolsa, me virei com os colegas do escritório e a ajudamos a continuar seus estudos. Sempre mantivemos contato. Anos depois, recebi uma ligação sua, muito feliz por ter montado uma empresa de transportes e conseguido comprar sua casa própria.

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Conheci a Selma Moreira em 2017. Cheia de ideias, de curiosidade e com uma simpatia sem fim, me contou sobre o Fundo Baobá e os projetos de inclusão. Selma começou como vendedora de catálogos e junto com a mãe fazia vendas porta a porta em sua comunidade. Seu primeiro emprego formal foi em uma loja do Walmart em Osasco. Cresceu lá dentro e se tornou responsável administrativa pelo Instituto Walmart. Saiu para tocar a Fundação Alphaville, depois foi para a incubadora da FGV e hoje é a diretora executiva do Fundo Baobá de Equidade Racial.

Criado em 2011, o Fundo Baobá para Equidade Racial é uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo mobilizar recursos, apoiando projetos que promovam a equidade racial no Brasil e no exterior. A ideia do fundo surgiu de conversas entre a Fundação Kellogg e o movimento negro brasileiro como um modelo filantrópico inovador para apoiar organizações negras.

Recentemente, meu amigo Gilvan Bueno, veio tomar um café aqui em casa e contar sobre seus projetos. Gilvan é uma dessas pessoas que aprenderam que não existe o impossível e que se pode sonhar alto. Começou como garçom, mas decidiu que iria atrás de seu sonho. Foi estudar, trabalhou em grandes bancos, foi atrás de certificações e de cursos. Hoje é membro da comissão de finanças do Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro, é membro do comitê de investimentos do fundo Baobá de Igualdade Racial. Sócio fundador da Financier Educação S/A. é atualmente é gerente de estratégia corporativa na Órama. Eu vivo repetindo que ele não pode parar. O que ele está fazendo é exemplo para milhões de outros.

Meu lugar de fala não é o mesmo da Severina, da Selma ou do Gilvan. Sou branca e nasci em uma família privilegiada. Sendo assim, minha visão tem limitações. Trabalho todos os dias por uma sociedade mais justa, mais diversa e com menos desigualdades. Me inspiro e aprendo muito com essas pessoas. Gostaria de ter infinitas histórias como essas para contar. A verdade, porém, é que eles ainda são a exceção.

Segundo dados do IBGE, atualmente os negros representam 56,1% da população brasileira. Porém, quando falamos de escolaridade e mercado de trabalho, eles seguem como minoria. Em 2018, negros representavam 64,2% da população desempregada do país. Daqueles que integravam o mercado de trabalho, 47,3% atuavam na informalidade. Dados apresentados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2017 mostram que apenas 9,3% dos negros com 25 anos ou mais tinham ensino superior completo, enquanto na população branca o percentual chegava a 22,9%.

Segundo o Instituto Ethos, quando falamos de cargos executivos, apenas 4,7% das posições dentre as 500 empresas brasileiras de maior faturamento são compostas por negros. Os altos índices de desigualdade e instabilidade social do Brasil se dão pela ausência de políticas de inclusão, racismo estrutural e a baixa qualidade da educação pública no País.

Um dos grandes obstáculos que se apresenta para a formação de profissionais negros é a baixa qualidade da educação pública, que figura entre as piores do mundo segundo dados da OCDE. A educação não é a resposta apenas para a luta contra o preconceito. Um ensino de qualidade é a porta de entrada no mercado de trabalho e uma oportunidade para a redução da desigualdade. “Quanto menos conhecimento intelectual e educacional você tem, menos renda você terá e, com isso, você perde a capacidade de competir por melhores oportunidades financeiras e alocação no mercado”, diz Gilvan Bueno.

Sempre se acreditou que as ações afirmativas eram de responsabilidade do Estado. A crescente exigência de critérios ESG (Enviromental, Social & Governance) por parte de investidores no mundo todo levará empresas brasileiras a investir na formação e qualificação de profissionais negros para que tenhamos diversidade racial em todos os níveis hierárquicos.

Lançado em julho deste ano, o Pacto de Promoção da Equidade Racial, tem como objetivo incentivar a adoção de ações afirmativas e a realização de investimentos sociais voltados à melhoria da qualidade da educação pública e a formação de profissionais negros. A ação traz a questão racial para o centro do debate econômico brasileiro e atrai a atenção de grandes empresas para o tema.

O Pacto, que será gerido pela Associação de Promoção da Equidade Racial, foi desenvolvido durante um ano por um grupo de mais de 140 pessoas, incluindo representantes da comunidade negra, especialistas financeiros e em ESG (Environmental, Social and Governance), acadêmicos, professores, advogados, pesquisadores e profissionais do terceiro setor e propõe implementar um novo Protocolo ESG Racial no Brasil. Na medida em que levarão as empresas a revelarem a composição por raça e gênero de seus quadros, os critérios ESG podem contribuir para uma mudança estrutural no Brasil no que tange à equidade racial no mercado de trabalho, em cargos de gestão e de liderança.

O Pacto desenvolveu um roteiro claro do que fazer diante dessa nova demanda no Brasil. O processo de adesão das empresas é totalmente voluntário e gratuito e acontece por meio da assinatura de um Termo de Parceria com a Associação. Dessa forma, com base nas premissas do Pacto, o Índice ESG de Equidade Racial (IEER) será calculado com o apoio de uma empresa certificadora que mede o desequilíbrio racial em termos de renda destinada a profissionais negros dentro das organizações, quando comparado ao percentual de negros economicamente ativos na região em que a empresa atua.

Proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos visa proteger e amparar qualquer um, independente de raça, cor, sexo, religião, política e riqueza. O Artigo I da mesma, deixa claro que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Para que essa afirmação possa de fato fazer sentido deveríamos ter as mesmas oportunidades.

Em um mundo onde a meritocracia não é sinônimo de oportunidades iguais, especialmente para os negros no Brasil, a educação ainda é o ponto de partida e as empresas não devem se eximir da responsabilidade de preencher as lacunas deixadas pelos séculos de opressão e injustiça social.