- Como todos sabem, os mercados têm grande impacto no mundo que vivemos. Os investimentos que fazemos em determinadas empresas ou setores reflete nossa escolha de futuro
- O mercado de capitais está mudando. O número de fundos sustentáveis nas plataformas de investimento cresce diariamente
- Dentre as boas notícias, agora em outubro, a Anbima anunciou que está definindo critérios para identificar fundos sustentáveis
Comecei a escrever essa coluna bem no início da pandemia, em junho de 2020. Naquele momento as pessoas estavam começando a olhar mais para investimentos sustentáveis. De lá pra cá, muita coisa aconteceu. Ainda precisamos de uma mudança cultural maior e isso leva tempo. Minha tia, Esther Figueiredo Ferraz, que dedicou a vida a educação, sempre dizia que algumas mudanças levam gerações para acontecer, mas que nem por isso devemos parar de lutar, pois se hoje estamos aqui, alguém lutou antes de nós.
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Lembrando: em janeiro de 2020, em Davos, o assunto principal foi mudanças climática. Um pouco antes, em agosto de 2019, mais de 200 CEOs assinaram o Business Roundatable, onde se comprometiam com todos os stakeholders e com o bem-estar social. E, logo em seguida, março de 2020 a pandemia começou.
Como todos sabem, os mercados têm grande impacto no mundo que vivemos. Os investimentos que fazemos em determinadas empresas ou setores reflete nossa escolha de futuro. Neste sentido, é importante construirmos portfólios para um mundo novo onde o carbono emitido, o uso da água, o tratamento de resíduos, a maneira que a empresa trata a comunidade na qual está inserida, a fonte de energia, o tratamento dos funcionários – tudo isso está sendo precificado e passa a fazer parte do balanço da empresa.
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O mercado de capitais está mudando. O número de fundos sustentáveis nas plataformas de investimento cresce diariamente. Logo que o movimento começou, em meados de 2020, lembro que fizemos uma busca por fundos com o nome ESG, ASG, Sustentável, Verde etc – em poucos meses, mais de 50 fundos novos haviam surgido. Obviamente que cada um com seu próprio critério.
Dentre as boas notícias agora, em outubro, a Anbima anunciou que está definindo critérios para identificar fundos sustentáveis. O Fundo que quiser usar IS (Investimento Sustentável) no nome terá que comprovar ferramentas, processos e equipes capazes de assegurar a aderência dos fundos às normas. O intuito é assegurar, via autorregulação, um crescimento saudável e robusto destes produtos. A Anbima pretende publicar as regras no começo do ano, já incorporando eventuais alterações que possam surgir até o final da audiência pública – que termina hoje.
Em setembro, o Banco Central também divulgou cinco normas (BCB n139, BCB n140, Resolução CMN 4943, 4944 e 4945) que tratam do gerenciamento de riscos sociais, climáticos e ambientais por parte dos bancos e que estabelecem regras para um reporte dessas questões que passará a ser obrigatório para as instituições financeiras a partir de 2023. Ou seja, para uma instituição financeira dar crédito para uma empresa, terá que colocar na conta o risco climático, social e ambiental. Essas normas seguem a linha do Task-Force on Climate-Related Disclosures (TCFD), lançado na reunião sobre o Acordo de Paris, em 2015. O TCFD trata apenas de riscos e oportunidades climáticas. Aqui, o Banco Central foi mais longe, pedindo informações sociais e ambientais mais amplas.
O mercado de títulos “verdes” também está crescendo. Até junho deste ano, as emissões somavam R$ 40,5 bilhões, 30% do total emitido na América Latina. Segundo Gustavo Pimentel, diretor da SITAWI, o mercado de emissão de títulos de dívidas “verdes” pode chegar a R$ 100 bilhões nos próximos 4 anos no Brasil e US$ 1 trilhão no mundo. Aqui também novas regulamentações podem ajudar no desenvolvimento do mercado de finanças verdes no Brasil: o Decreto 10.387/20, que visa acelerar a emissão de debêntures verdes, e a Lei 13.986/20 que permite que CRAs sejam emitidos em moeda estrangeira.
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A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) que tem o objetivo de fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores, também está trabalhando numa nova resolução para modificar a Instrução 480, que trata sobre a divulgação de informações ao mercado por parte das empresas listadas e está incorporando as questões ESG e climática.
Com a crise energética, ficou mais clara a necessidade de investimento em uma matriz energética diversificada. Além disso, como muitos países estão se comprometendo com a transição para uma economia de baixo carbono, o investimento em energias renováveis se tornou essencial. Neste sentido, o Brasil poderia se beneficiar muito.
Segundo uma pesquisa realizada pela Ernst & Young e publicada na 57ª edição do Índice de Atratividade de Países em Energia Renovável (RECAI), mesmo com a pandemia que começou em 2020 os investimentos em energia renovável cresceram 2% em todo mundo. O valor investido em 2020 foi de US$ 303,5 bilhões, segundo maior registrado.
O mesmo estudo apontou ainda que, para atingir o valor líquido zero de emissões de GEE (Gás de Efeito Estufa) no mundo, é preciso um investimento adicional de US$ 5,2 trilhões para viabilizar a transição energética. O Brasil aparece na 11ª posição no ranking, subindo quatro posições em relação ao ano anterior. O avanço se deve aos planos de implantação de capacidade eólica offshore e projetos de lei para incentivar o setor renovável.
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Para finalizar, como todos sabem, começa neste final de semana a COP26 em Glasgow. Entre seus objetivos, discutir a implementação do Acordo de Paris é considerado um dos mais importantes compromissos multilaterais para a redução de emissão de gases de efeito estufa. A maior discussão gira em torno das compensações para países em desenvolvimento afetados pelas mudanças climáticas. Países ricos haviam prometido US$ 100 bilhões por ano para ajudar nações mais pobres até 2020 – aparentemente, essa meta não foi atingida e os países ricos estão sendo cobrados.
Na Cop26, os países signatários do Acordo de Paris terão a oportunidade de criar um robusto mercado de carbono. Para isso, será necessário que nações cheguem a um consenso no que diz respeito ao Artigo 6º do Acordo de Paris, que assegura que esses países possam negociar créditos de carbono uns com os outros a fim de garantir suas reduções de emissões de gases de efeito estufa por meio da venda de créditos de emissões excedentes, caso já tenham cumprido seus compromissos.
Hoje no Brasil, o mercado de carbono é voluntário, formado por empresas. O artigo 6 descreve os mecanismos de mercado para que haja a transição para uma economia de baixo carbono a partir da compra e venda de créditos entre os países – criando um mercado regulado.
A delegação brasileira deve oficializar a meta de reduzir as emissões em 37% até 2025, em 43% até 2030 e alcançar a neutralidade de carbono em 2050. Mas o Artigo 6 reforça a necessidade de mecanismos regulatórios internos específicos, tanto públicos como privados, para incentivar e viabilizar uma economia de baixas emissões de carbono. Infelizmente, o Brasil vai precisar fazer muita lição de casa.
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Segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, o Brasil teve um aumento de 9,5% nas emissões de gases poluentes em 2020, em plena pandemia. A média global de emissões sofreu uma redução de 7%, por conta das paralisações de voos, indústrias e serviços ao longo do ano passado. O Brasil liberou 2,16 bilhões de toneladas de gás carbônico em 2020, contra 1,97 bilhão em 2019 – o maior responsável foi o aumento do desmatamento.
Gostaria de terminar este artigo contando mais notícias boas. O Brasil poderia ser um dos grandes beneficiados da COP26. Mas, como disse minha tia, não vamos parar de lutar. As próximas gerações merecem.