Investimento com propósito

Fernanda Camargo é sócia-fundadora da Wright Capital Wealth Management e tem mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, 15 dos quais em Gestão de Patrimônio, com passagens por Vinci Partners, Gávea Arsenal Gestão de Patrimônio, Standard Bank, Deutsche Bank e Merrill Lynch. Ela é uma das fundadoras do Instituto LiveWright, OSCIP dedicada a gestão do esporte olímpico no Brasil e faz parte do Conselho da ONG Atletas pelo Brasil.

Escreve mensalmente, às sextas-feiras

Fernanda Camargo

Qual é o dever fiduciário daqueles que orientam os investimentos? 

Acordaremos em um mundo inabitável ao financiarmos empresas que não olham fatores ambientais e sociais

Palavras cruzadas sobre salvar o meio ambiente (ESG) FOTO: twenty20photos

O agente fiduciário (bancos, fundos de investimentos, corretores, conselheiros, CEOs, diretores de empresas, etc.) age em nome de outra pessoa e em benefício desta. Esse agente deve agir com honestidade, boa fé e lealdade. Decisões tomadas por agentes fiduciários atingem toda uma cadeia e afetam empresas no seu processo de tomada de decisão, práticas de governança corporativa e na maneira que são geridas, afetando consequentemente comunidades e pessoas.

Conversando recentemente com minha amiga Denise Hills, que é diretora global de sustentabilidade da Natura (NTCO3), falamos sobre isso. Aliás, ela é o exemplo vivo de um agente fiduciário que pensa o tempo todo em como deixar um mundo melhor.

Ao investir, a grande maioria das pessoas nem se dá conta de que seus investimentos geram de externalidades e financiam um determinado futuro. Não perguntam para seu agente fiduciário quantas toneladas de carbono tal empresa emite? Como é o tratamento dado aos funcionários? Como a empresa trata a comunidade na qual está inserida? A empresa gera valor para comunidade ou só explora? De onde vem a matéria-prima usada na fabricação? Como trata os resíduos? Existe trabalho escravo ou infantil na cadeia de produção?

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No mercado financeiro, para ter sucesso, o importante é obter o melhor resultado financeiro possível, no menor prazo possível. Para ganhar, você tem que ser mais esperto que os outros – um conceito que está no coração da indústria financeira. A grande questão é: que valor isso gera para a sociedade?

A escola liberal de Milton Friedman diz que ao maximizar o interesse individual você estaria maximizando o interessa da sociedade. Mas não é o que vemos. Na busca pelo lucro, as externalidades geradas acabam prejudicando grandes parcelas da sociedade.

Em seu livro, O Capital, o economista francês Thomas Piketty diz que o retorno dos investimentos é maior do que a taxa de crescimento dos países. Isso significa que aqueles que têm ativos financeiros tem concentrado mais riqueza que o restante da população, aumentando a desigualdade de forma crescente.

Talvez não esteja claro ainda (será?) que, ao financiarmos um mundo que não olha para esses fatores ambientais e sociais, acordaremos em um mundo inabitável. Seja porque o volume de excluídos será tão grande que teremos questões sociais e políticas bem mais sérias, seja porque o mundo ficará menor e mais quente; ou simplesmente porque não vamos conseguir respirar.

No mundo financeiro, os agentes fiduciários realizam os investimentos e apresentam seus relatórios mostrando retorno e risco. Não deveria ser obrigação do agente fiduciário deixar claro para seu cliente o futuro que ele está financiando? Será que o relatório não deveria mostrar o retorno financeiro
de um lado e do outro lado a pegada que o portfólio deixa no mundo? Principalmente porque essa pegada terá um custo direto ou indireto porque o valor do investimento pode ser afetado pela conta que ficará para nossos descendentes.

Em setembro de 2015 o PRI, UNEP/Fi, UNEP Inquiry e UN Global Compact lançaram o relatório “O Dever Fiduciário do Século 21”. Esse relatório conclui que “é uma quebra do dever fiduciário não levar em consideração todos os drivers de valor de longo prazo, incluindo ASG (Ambiental, Social e Governança, na tradução da sigla ESG)”.

Muitos investidores acreditavam que os critérios ASG não eram relevantes para seus portfólios e não eram consistentes com seu dever fiduciário. Já existem evidências sobre a importância de incorporar critérios ASG nas concepções regulatórias sobre dever fiduciário. Sendo assim, em muitos países, aqueles que não incorporarem tais critérios não estarão cumprindo com seu dever fiduciário.

Os liberais da escola de Chicago discordam de que seja obrigação do agente fiduciário buscar evitar externalidades, já que isso poderia criar objetivos conflitantes e serviriam como subterfúgio para justificar o seu mau desempenho financeiro. Acreditam que deveria ser papel do Estado impor obrigações e penalidades, deixando assim o agente fiduciário no seu único objetivo de maximizar o lucro. Mas e quando o Estado não atua? Deveríamos nos omitir ou fazer a nossa parte?

O dono do dinheiro não deveria exigir do seu agente fiduciário que minimize os efeitos nocivos das externalidades resultantes de seus investimentos? Quando conversar com aquele que cuida do seu dinheiro pergunte sobre as a externalidades que seus investimentos estão gerando e deixe claro quais são os seus valores. O mundo e as próximas gerações agradecem.

O setor financeiro pode ajudar muito na transição para um mundo mais justo e mais sustentável.