A investidora independente

Luciana Seabra é analista e planejadora financeira certificada (CNPI e CFP®), especialista em fundos e previdência. Fundou a Indê Investimentos, que tem como princípio a ausência de vínculo com corretoras, gestoras ou bancos. Foi premiada pela CVM pelo seu trabalho de educação financeira a investidores. Está nas redes sociais como @seabraluciana, no Instagram e no YouTube, e @luciana_seabra, no Twitter

Luciana Seabra

Assessores, gerentes e clientes: uma DR necessária

O sistema de assessoria de investimentos se mostra cada vez mais insustentável. Então, qual o melhor modelo?

Clientes têm reclamado do atendimento de seus bancos e corretoras. Foto: Envato elements
  • Clientes têm se queixado do tratamento recebido de bancos e corretoras
  • A sensação para alguns dos investidores é que seus gerentes não estão preocupados, de fato, com a carteira que administram, mas sim em girar os portfolios
  • O atendimento baseado em comissões parece condenado, e o mercado deve estudar e incorporar novos formatos

Uma visão de portfólio e não somente a oferta do dia. Uma linguagem fácil e sem arrogância. Transparência sobre as comissões.

Esses foram três dos pontos que mais apareceram quando, na última semana, decidi perguntar aos meus seguidores no Instagram: “O que você gostaria de dizer pra quem te atende no banco ou corretora?”.

Clientes conscientes pedem franqueza, transparência, honestidade e o fim do faz de conta de que não há comissões norteando o contato. “Joga limpo comigo”, diz um. “Não me engana”, diz outro. “Você acha que eu sou trouxa?”, vem um terceiro. E assim segue.

Muitos pedem para não entrarem mais em contato – ”chega de me ligar pra blá-blá-blá”. E se ressentem de parecer que o outro lado sequer tem nas mãos o portfólio dos clientes: “Já buscou meu histórico pra entender minha carteira?”.

Claramente é o reflexo de um sistema em que a corretora ou banco anuncia a oferta da vez, cria a recompensa atrelada a ela e cabe ao seu exército executá-la – independentemente das necessidades do portfólio que encontrar pela frente.

A falta de educação financeira, somada a alguma dose de falta de paciência, também aparece na ponta. “Por que você veio trabalhar com isso se odeia falar com o público leigo? Fala palavras difíceis pra confundir o cliente?”, diz uma das mensagens. “Tenha amor pelo que faz ou mude de emprego”, diz outra.

Aparece uma alusão a produtos misteriosos. Dentre os mais citados como motivo para a quebra de confiança nas corretoras está o Certificado de Operações Estruturadas (COE). É comum que as pessoas não entendam o produto ao comprar e também que se ressintam de ficar sem acesso aos recursos por tanto tempo. Nos bancos, o título de capitalização é o vilão.

Investidores com olhar de longo prazo têm pra si que gerentes e assessores só querem incentivá-los a girar o portfólio. “Por que você está pedindo pra alterarmos um investimento em ações em menos de nove meses? O que mudou na estratégia?”, diz um. “Por que você olha a janela de só três meses de um fundo pra me dizer que ele é ótimo?”, diz outro. “Por que não faz uma carteira e só administra, em vez de ficar de seis em seis meses mudando tudo?”, soma um terceiro.

“Não tenho a pressa que você tem!”, amarra outro, que entendeu tudo: as comissões com frequência são focadas na receita de curto prazo, enquanto só será possível saber o resultado para clientes no longo prazo.

A prática de abrir a gaveta de bons produtos só quando clientes chegam ao limite e desejam trocar de instituição também é uma dor que aparece. Assim como a de tratar quem tem pouco dinheiro com indiferença.

“Agora eu sei o que você fez com meu dinheiro”, diz um. “Avise pra alta cúpula aí que esse modelo ficará insustentável em breve. Não somos trouxas”, diz outra. E também há uma fileira de xingamentos impublicáveis.

Não é que ninguém saiba que essa relação está desgastada por conflitos. O fato, entretanto, é que parece que nos acostumamos com isso a ponto de não falar mais. E o atendimento guiado por altas comissões segue funcionando e fazendo suas vítimas – ou o mercado, que facilmente se adapta, já teria evoluído o modelo.

Apenas abri um canal para que clientes falassem o que sentem. E isso está longe de ser um ataque a assessores ou gerentes. A verdade é que muitos deles também me procuram frustrados com o ofício. Quanto mais eles buscam se proteger dos conflitos trazidos pelas comissões e mais se aproximam das necessidades dos clientes, contam, menos são valorizados. E com frequência acabam sendo naturalmente expulsos do negócio.

Esse é, isso sim, um ataque ao modelo.

Do lado de cá, me parece que é hora de parar com remendos e esmiuçá-lo. Como retomar a confiança? Como criar uma relação ganha-ganha, em que assessores e gerentes são devidamente recompensados pelo seu trabalho, ao mesmo tempo em que clientes alcançam prosperidade financeira?

De uma coisa tenho certeza: o mercado tem criatividade suficiente para estudar novos modelos. Mas isso só vai acontecer quando perceber que a fonte de riqueza está ameaçada.