A investidora independente

Luciana Seabra é analista e planejadora financeira certificada (CNPI e CFP®), especialista em fundos e previdência. Fundou a Indê Investimentos, que tem como princípio a ausência de vínculo com corretoras, gestoras ou bancos. Foi premiada pela CVM pelo seu trabalho de educação financeira a investidores. Está nas redes sociais como @seabraluciana, no Instagram e no YouTube, e @luciana_seabra, no Twitter

Luciana Seabra

Otimismo na Faria Lima, acalanto para investidores de longo prazo

Muitos pensam que os gestores de fundos de ações são sempre otimistas, mas isso não é bem uma verdade

(Foto: Envato Elements)
  • A expectativa é de que a redução de juros estimule um movimento de volta à Bolsa de Valores e quem for capaz de antever essa mudança pode se beneficiar

Muita gente pensa que gestor de fundo de ações é sempre otimista. Não é verdade. Em meus cafés pela Faria Lima e pelo Leblon, dá pra ver a variação de sentimento desses profissionais.

Quando estão menos animados, eles aumentam o caixa – que pode chegar a um terço do patrimônio investido pela regulação – concentram-se em empresas mais defensivas, como de energia elétrica, e já vi, em tempos bicudos, até rechearem a carteira de dólares ou títulos indexados à inflação. Fora que, no olho no olho, dá pra sentir o clima pesar.

Pois bem, nas minhas andanças tenho visto bons gestores bastante animados – e isso começou um pouco antes da alta recente. Na verdade, ela é para a maior parte desses profissionais apenas o começo de um movimento de recuperação dos preços com um gatilho claro: o ciclo de corte de juros esperado para o segundo semestre deste ano.

De forma simplificada, da mesma forma que a renda fixa com seus dois dígitos de retorno se tornou uma concorrente feroz da Bolsa, levando a uma saída relevante de recursos das ações, a expectativa é de que sua redução estimule um efeito contrário.

Além disso, o sofrimento imposto por juros altos para empresas endividadas seria aliviado, alimentando um ambiente corporativo mais propício.

Em evento para investidores na semana passada, a gestora de ações Brasil Capital destacou seu conforto com a existência de espaço para o corte de juros, com base na menor inflação de 12 meses registrada pelo IGP-M da história – lembrando que foi o aumento do nível geral de preços que empurrou o Banco Central a subir a meta para a Selic, o preço do dinheiro, que serve de referência a toda a economia. Foi preciso jogar água na gasolina e os efeitos apareceram.

A equipe da Brasil Capital fez um estudo sobre o que aconteceu com o desempenho das empresas domésticas na Bolsa – as que mais sofreram nos últimos anos e que povoam os fundos de ações – em fases como a esperada para breve: de início de corte de juros.

O levantamento mostrou que um índice formado só pelas empresas focadas na economia doméstica rendeu na média três vezes o CDI em períodos como esse. Tanto quem foi capaz de antever e começou a investir na Bolsa três meses antes do primeiro corte, quanto quem fez isso um mês antes, quanto quem comprou ações na data exata em que os juros começaram a cair tiveram desempenho superior ao CDI nos últimos cinco ciclos de corte de juros de acordo com o estudo.

A Brasil Capital é somente um exemplo de gestora de ações com o caixa do fundo praticamente zerado pelo entendimento de que há uma significativa margem de segurança – ou seja, é possível encontrar ativos com preço em Bolsa muito abaixo do valor intrínseco da empresa, seguindo a cartilha do megainvestidorWarren Buffett, tão seguida pelos gestores de ações no Brasil.

E o entendimento de que há pechinchas no mercado não se restringe às domésticas. Para os gestores que não têm restrições para investir em empresas ligadas a commodities, como a Alaska, Petrobras também está barata demais. E o movimento de alta está só no começo.

Também no evento anual da Verde, Luis Stuhlberger foi vocal sobre sua posição: comprado em Bolsa, com proteção em inflação. Pela modelagem da Verde, que eles mesmos assumem não ser perfeita, mas capaz de sustentar posições, o Ibovespa deveria estar de 15% a 17% mais valorizado do que está hoje. Entre Bolsa, juro e moeda, estaria aí o prêmio mais claro.

Os gestores, é claro, avaliam o cenário macroeconômico ao dar sua opinião, inclusive os desafios globais – muitos esperam uma desaceleração da economia americana, por exemplo. Não é, segundo eles, um impedimento para que a nossa Bolsa ande.

Internamente, o arcabouço fiscal, mesmo que não resolva de forma definitiva nosso endividamento, também não é visto como um entrave: foi melhor do que o esperado por muitos gestores.

Do ponto de vista das posições, as carteiras em geral não refletem um peito aberto para risco. As varejistas não são tão presentes, mas os shoppings aparecem bastante. Localiza, Itaú, BTG, XP, Prio e Hapvida são nomes que tenho ouvido com frequência. É recorrente o discurso de que dá pra comprar empresas de qualidade a preços baixos.

Apesar de estarem otimistas, é bom reforçar que os gestores de ações de melhor histórico não constroem posições para o horizonte de curto prazo. E a melhor estratégia para a pessoa física é a de montar uma alocação estrutural em fundos de ações – defendo 30% do patrimônio – e carregar por pelo menos cinco anos, de preferência mais.

Agora, saber que investidores profissionais de Bolsa estão animados, identificando gatilhos que foram favoráveis para a Bolsa no passado, depois de tempos tão difíceis para a renda variável, não deixa de ser um acalanto para quem topa risco e investe para o longo prazo.