A investidora independente

Luciana Seabra é analista e planejadora financeira certificada (CNPI e CFP®), especialista em fundos e previdência. Fundou a Indê Investimentos, que tem como princípio a ausência de vínculo com corretoras, gestoras ou bancos. Foi premiada pela CVM pelo seu trabalho de educação financeira a investidores. Está nas redes sociais como @seabraluciana, no Instagram e no YouTube, e @luciana_seabra, no Twitter

Luciana Seabra

Progressiva ou regressiva: o que falta saber sobre a nova lei da previdência

A Lei posterga a escolha da tributação de previdência e precisa ser detalhada a fim de ser colocada em prática

Para quem não está acostumado com o mercado financeiro, especialistas recomendam investir na aposentadoria pelo Tesouro Renda+. (Foto: Envato Elements)
  • Decisão entre tabela progressiva e regressiva de previdência deixa de ser exercício de futurologia e poderá ser feita na hora da conversão em renda ou resgate, até mesmo para produtos já contratados
  • Seguradoras ainda esperam Instrução Normativa da Receita Federal para colocar em prática a lei e têm dúvidas, entre elas a necessidade de histórico de clientes e aplicações para herança
  • Para quem está prestes a se aposentar, não está contente com a escolha de tributação e pode esperar um pouco para mexer no dinheiro, melhor aguardar ou, antes do resgate, portar apenas o necessário para uso imediato

Contratar uma previdência privada costuma ser um desafio para quem não é da área. Isso porque, como se não bastasse a missão de escolher um bom fundo, hoje é preciso responder duas perguntas enigmáticas sobre o plano: PGBL ou VGBL? Progressiva ou regressiva?

De forma simplificada, costumo orientar os clientes a investirem em PGBL este ano se forem fazer declaração completa de imposto de renda no ano que vem. E VGBL se forem fazer a simples.

E na escolha entre progressiva e regressiva? A regressiva é a melhor opção se você espera ter uma renda total alta na aposentadoria. Alta quanto? Pela tabela de imposto de renda vigente hoje – a única referência possível, já que não temos bola de cristal – de mais de R$ 2.826,65 por mês. Nesse caso, se você esperar mais de dez anos para resgatar o dinheiro, seu imposto será de 10%.

Se a expectativa for de uma renda menor, aí você pode se beneficiar da escolha da tabela progressiva, com isenção ou 7,5% de tributação. Sim, essa decisão envolve um exercício de futurologia. E a verdade é que chegam todos os dias a mim pessoas que tomaram decisões erradas: em geral, pela progressiva quando a regressiva teria feito mais sentido.

Pelo modelo vigente até aqui, é possível trocar de tributação até 30 dias depois da contratação ou portabilidade (algumas seguradoras definem um dia por mês para fazê-lo, mesmo depois de esgotado o prazo), porém a contagem começa do zero. Ou seja, para chegar ao imposto de 10% seria preciso esperar mais dez anos, mesmo no caso de uma previdência antiga. Como muita gente descobre o erro às vésperas de se aposentar, a frustração é comum.

Por isso recebi muitas mensagens de comemoração, principalmente de pessoas às vésperas de começar a usar os recursos, quando foi sancionada em janeiro a lei 14.803, que permite que a decisão entre tabela progressiva e regressiva possa ser feita na hora de usar o dinheiro – e não mais no momento da contratação.

Pelo texto da lei, vale para a previdência aberta, fechada e para o regime de previdência dos funcionários públicos. E funciona também para o estoque, uma das perguntas que mais recebi. Ou seja, quem já tomou essa decisão na contratação pode trocar no primeiro resgate ou conversão em renda, caso deseje.

As seguradoras comemoraram a lei, que era bastante esperada. A quantidade de decisões que precisam ser tomadas são hoje um desafio para a contratação de previdência. Uma a menos é, assim, uma ótima notícia. Os distribuidores já se preparam para que, ao pedir resgate, clientes se deparem com uma pergunta sobre a tributação desejada – e, alguns casos, também uma sugestão sobre a melhor opção (ainda que não seja possível calcular perfeitamente sem o conhecimento da renda total deles).

Para o texto sair do papel, entretanto, o mercado ainda espera uma Instrução Normativa da Receita Federal. O argumento dos representantes das seguradoras é que, apesar de a lei 14.803 ter aplicação imediata, já que foi sancionada, ela faz uma alteração na lei 11.053 – essa, por sua vez aponta que cabe à Receita Federal regulamentar como a prática vai acontecer.

De fato, a previdência é complexa e existe um bom número de situações em que o caminho a ser tomado ainda é nebuloso.

Uma das questões que as seguradoras estão tratando com a Receita Federal são os dados necessários para colocar a lei em prática. Até a sanção, no entendimento delas, não havia a obrigação de que as entidades de previdência controlassem o histórico tributário dos planos da tabela progressiva. Isso porque, nesse caso, o prazo da aplicação não importava.

Então, se você fez uma previdência há 15 anos e escolheu progressiva, pode ser que não haja registros de que você está em um plano de previdência há tanto tempo. E que, assim, fique difícil transportar todo esse histórico para a regressiva. Especialmente se o plano migrou de uma seguradora para outra, isso pode ter se perdido.

Ou seja, pode ser que o mercado não consiga entregar todo o histórico de um plano que está na progressiva – ainda que haja razoável segurança de que os dados dos dez últimos anos, aqueles realmente importantes para a validação da regressiva, estejam disponíveis.

Há também várias dúvidas sobre casos específicos, dentre elas sobre a tributação válida para o dinheiro herdado. Até aqui, o formato escolhido pelo contratante seguia para a sucessão.

Com a nova lei, está claro para o mercado que, caso a pessoa não tenha feito conversão em renda ou resgate da previdência em vida, a decisão é dos herdeiros. Agora, imagine a situação de duas irmãs, uma com renda baixa e outra com alta. Seria possível que cada uma escolhesse uma tributação diferente, a melhor para o seu caso? Isso não se sabe ainda.

Se for permitido que cada pessoa escolha uma tributação – é o que o mercado espera – a herdeira de maior renda, que optou pela regressiva, pode ficar com todo o dinheiro que já tinha chegado à alíquota mais antiga, já que prazo não importa para a irmã, que já garantiu sua isenção na progressiva? Também não se sabe.

E se a previdência foi dada em garantia de um empréstimo ou se vira alvo de um bloqueio judicial? Quem escolhe se o dinheiro será liberado à tabela progressiva ou regressiva? São dúvidas de casos específicos, porém importantes.

O essencial à essa altura é você saber que a primeira decisão é que vale. Ou seja, na primeira vez depois da sanção da lei em que você tomar uma ação no sentido de usar o dinheiro – seja para converter em renda ou fazer resgate parcial – deverá tomar uma escolha que passa a valer para todo o dinheiro.

Sendo assim, se está nesse momento decisório, não está contente com sua escolha de tributação e pode esperar um pouco para mexer no patrimônio acumulado para a aposentadoria, melhor aguardar.

Se não é possível esperar, um caminho é portar a parte do dinheiro necessária para arcar com seus custos agora para outro plano e resgatar dele, mantendo o original intacto, à espera da possibilidade de ajustar a tributação.

Bom lembrar que essa é uma decisão que vale muito dinheiro. Se você escolheu a tabela progressiva, tem renda alta e investe em previdência há mais de dez anos, isso pode significar trocar um imposto de 27,5% por um de 10%. Se for um VGBL, a economia tributária se dá sobre o rendimento. No PGBL, também sobre o valor investido. É um incremento na aposentadoria para ninguém colocar defeito.