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- Normalmente, quando um day trader entra no mercado de opções de moedas, ele fecha no máximo dois contratos por vez. Isso porque qualquer mexida na quarta casa decimal representa uma perda aproximada de R$ 10. No caso de Cleonice, eram feitos entre 50 a 70 contratos por vez
- Entre as lições do caso dessa investidora carioca, a mais importante de todas está na frase mais repetidas no mercado financeiro: a senha é pessoal e intransferível. Não passe para ninguém
Uma terça-feira, 4 de agosto de 2020, está marcada na história pessoal de uma investidora carioca. No fim daquele dia, o Ibovespa havia fechado em queda de -1,57%, aos 101.215 pontos, e o dólar recuado -0,57%, para R$ 5,28. O cenário estava longe de se comparar à tensão dos circuit breakers que paralisaram o mercado acionário brasileiro em março. Menos para Cleonice, que entrou em desespero ao ver sua carteira de investimentos zerada, a conta corrente na corretora negativa e uma desastrada operação com opções em moedas que chegou a ter uma alavancagem de mais de R$ 15 milhões.
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“Me senti nua e desprotegida na avenida. Minha maior dor é ter sido enganada”, diz Cleonice, codinome criado por mim inspirado nas muitas personagens de A Vida Como Ela É…, do também carioca Nelson Rodrigues (preservar a identidade da investidora se faz necessário em razão dos riscos e da disputa judicial que está em curso).
O enredo rodriguiano do qual a empresária carioca do setor de saúde é protagonista serve de exemplo para os perigos das falsas promessas que circulam pelas redes sociais – cada vez mais abundantes. Falsos gurus vendem o sonho do enriquecimento rápido e fácil, com histórias que não se sustentam com quem conhece o dia a dia e, principalmente, a dinâmica do mercado financeiro.
O amigo guru day trader
Aos 47 anos de idade, Cleonice é uma investidora de perfil moderado. A carteira da microempreendedora é composta por fundos de renda fixa, multimercado e imobiliário, além de ações. Junto a esses investimentos, ela detém salas comerciais na região metropolitana do Rio de Janeiro.
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Há pouco mais de dois anos, um guru day trader (o nome também será omitido por conta da questão judicial) passou a alugar um dos espaços de Cleonice. Ele usava a sala para ministrar cursos e atrair clientes para oferecer seus serviços de consultoria financeira. As redes sociais eram o principal canal de propaganda, usando o testemunhal de quem se sentiu satisfeito com o seu trabalho.
Como locatária, Cleonice se aproximou do guru e se interessou pela maneira como ele explicava o mercado financeiro. Após um ano, decidiu contratá-lo como consultor pessoal, em paralelo ao trabalho de seu assessor de investimentos, por um custo mensal aproximado de R$ 400.
A primeira transformação na carteira de Cleonice foi um giro maior das ações, algo que chamou bastante a atenção do assessor de investimentos. As mudanças realizadas desenquadravam a investidora carioca do seu perfil de risco moderado, mas, como havia um buzz em torno da recuperação da bolsa de valores, as mexidas pareciam seguir essa onda geral. Até aquele 4 de agosto.
“Como assessor, eu não posso indicar ações, só executar as ordens dos clientes”, afirma Guilherme Ammirabile, assessor de investimentos e sócio da iHUB Investimentos, escritório credenciado à XP Investimentos. “Então é comum alguns clientes contarem com o assessor e um consultor.”
A intervenção do assessor
Ao ver no sistema da iHUB a conta de Cleonice zerada, Ammirabile fez o que costuma fazer em situações como essa: desligou a máquina. Mas, ao reiniciá-la, o “problema” continuava ali. Ele ligou para a cliente e procurou entender o que tinha acontecido. A partir daí, o que ouviu foi chocante.
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O sócio da iHUB encontrou um histórico de 1.500 minicontratos futuros de dólar, uma alavancagem de aproximadamente R$ 15 milhões – cerca de 150 vezes o patrimônio de Cleonice.
“Eu fui ingênua, imatura. Avisei que não gostava de risco. E não sabia o que era day trade”, diz a investidora. “O pior foi a reação dele [guru day trader], que dizia que iria se matar. A mulher se sente como num relacionamento abusivo, cheia de culpa e vergonha.”
Normalmente, quando um day trader entra no mercado de opções de moedas, ele fecha no máximo dois contratos por vez. Isso porque qualquer mexida na quarta casa decimal representa uma perda aproximada de R$ 10. No caso de Cleonice, eram feitos entre 50 a 70 contratos por vez.
Cleonice buscava uma rentabilidade maior da sua carteira. A pandemia paralisou seus negócios e ela sentia a necessidade de recuperar parte das perdas de receita no mercado financeiro. Ela não estava em busca de riqueza instantânea, apenas de um acréscimo além da média de retorno de 150% do CDI que conquistara nos três últimos anos. O guru day trader se propôs a ajudar em troca de uma taxa de performance de 40%. Cleonice passou a senha da corretora para que ele fizesse as operações. O desfecho trágico da história você já conhece.
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“Liguei para ele para entender o lado dele. Ele estava desesperado, chorando, dizendo que havia perdido o controle. Perguntou se não poderia cancelar as ordens. Como fazer isso? Tudo estava registrado na Bolsa e o mercado financeiro não é um carrinho de compras”, diz Ammirabile, detalhando a conversa com o guru day trader. “O pior de tudo é que não tenho dúvida de que ele não tinha ideia do que estava fazendo, não tinha conhecimento técnico. Duvido que seja um profissional credenciado no mercado. Não foi má-fé ou de propósito, porque ele não sabia dos riscos.”
O prejuízo só não foi maior porque a conta investimento de Cleonice cobriu o saldo negativo. Em casos como esse, a corretora zera todas as operações porque ela não pode assumir o risco pelo cliente. Se isso não tivesse sido feito, a multa é de 1% sobre o saldo devedor e, passados 6 meses, o prejuízo de Cleonice estaria em R$ 355 mil.
Entre as lições do caso dessa investidora carioca, a mais importante de todas está na frase mais repetidas no mercado financeiro: a senha é pessoal e intransferível. Não passe para ninguém.
“Desconfiar é a parte principal. Ganhar dinheiro não é fácil, quanto mais ter consistência”, diz o sócio da iHUB. “E quem promete algo bom demais não pode ser verdade.”
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Como a investidora ficou sem patrimônio, Guilherme Ammirabile perdeu a cliente.
Depois de 4 de agosto, Cleonice passou a fazer terapia e tomar medicamentos para vencer a depressão. Ela diz que passou a evitar qualquer encontro social e a ter relacionamentos porque deixou de confiar nas pessoas. Até o momento, Cleonice recuperou cerca de R$ 60 mil. E nesses 6 meses descobriu que outras quatro mulheres viveram histórias parecidas com a dela com o mesmo guru, que continua anunciando, sorridente, seus serviços aos seguidores.
As autoridades do mercado financeiro ainda não foram avisadas.