Desde o início do governo, nós da MSX Invest alertávamos para o risco fiscal. Enquanto parte do mercado seguia otimista com o “Lula pragmático” e a “bolsa podendo chegar a 150 mil pontos”, fomos céticos em relação à condução da política fiscal. Da campanha até o anúncio do arcabouço, os sinais sempre estiveram claros: foco na arrecadação e aumento de gastos.
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Com o pacote fiscal anunciado na semana passada, não foi diferente. A proposta do governo não trouxe medidas de corte de gastos, mas apenas de retenção do crescimento das despesas – o que é bem diferente. Não tratou do fim dos mínimos constitucionais com saúde e educação e trouxe ainda a isenção de Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil. Com essas propostas, o mercado entendeu que a conta não fecha e a dívida pública não vai se estabilizar.
A reação foi imediata e o risco foi para preço. O dólar rompeu R$ 6. Na curva, os juros futuros precificavam Selic superior a 14% ao ano.
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A piora fiscal traz dois problemas: aumento do risco de crédito do governo e elevação da inflação. A maior probabilidade de o governo não honrar o pagamento da dívida interna pode afetar a atividade econômica ao contaminar as expectativas dos investidores. Já vimos este filme durante o governo Dilma Rousseff. O Brasil crescia próximo de 3% e a taxa de desemprego rondava a casa de 6%, situação parecida com a de hoje. No entanto, a piora das expectativas fiscais reverteram rapidamente os ganhos da atividade econômica em duas quedas consecutivas do Produto Interno Bruto (PIB) superiores a 3%.
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O outro problema da piora fiscal envolve a inflação. Atualmente, a economia brasileira cresce acima do seu potencial e há baixa ociosidade no mercado de trabalho. Nesse cenário, qualquer estímulo de demanda – aumento de gasto, crédito subsidiado ou isenção fiscal – pode se reverter em alta de preços, uma vez que a capacidade produtiva (oferta) não aumenta no curto prazo.
Para falar a verdade, esse processo já ocorre. O último Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) não deixou dúvidas. A inflação acumulada em 12 meses chegou a 4,77% superior ao teto da meta (4,5%). Não só a inflação corrente piorou, como as expectativas inflacionárias seguem em alta, de acordo com as projeções do boletim Focus.
A política fiscal e o dólar
Outro fator que pode colocar mais gasolina na inflação é a forte alta do dólar, que também subiu por conta da piora fiscal. Como vários componentes e insumos do processo de produção no Brasil são cotados na moeda americana, o avanço da cotação do dólar pressiona o preço de diversos produtos, potencializando a inflação. É difícil prever para onde vai a moeda americana, mas já se pode dizer que o novo câmbio de equilíbrio do Brasil é de R$ 6, com viés de alta.
O dólar pode subir mais diante das políticas econômicas a serem adotadas por Donald Trump, presidente eleito nas últimas eleições americanas, consideradas mais inflacionárias. Se a inflação permanecer persistente nos EUA (“sticky”), a tendência é do Federal Reserve (Fed, o banco central do país) interromper o corte de juros, mantendo a taxa básica ao redor de 4,0% – patamar elevado para a maior economia do mundo.
Um fator que poderia contribuir para arrefecer a depreciação do real seria uma melhora em nossa balança de transações correntes. Porém, em relação a 2023, o déficit aumentou devido à queda nas exportações e aumento das importações. O arrefecimento do crescimento chinês somado ao elevado gasto do governo (déficit gêmeos), contribui para esse movimento.
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O cenário de agora é bastante parecido com o governo Dilma, tanto na causa quanto nos sintomas. A diferença é que atualmente a situação fiscal está bem pior do que naquela época. No início do governo Dilma 1, a dívida bruta era de 56% do PIB, hoje está em 78,6%. Já o déficit primário acumulado em 12 meses está 2,02% atualmente, contra 0,35% em dezembro de 2014.
E a Bolsa nessa?
Por outro lado, ao contrário de outros tempos, o Banco Central (BC) age de maneira independente, compensando a política fiscal expansionista do governo com o endurecimento da política monetária. O mercado tem dúvida se a mão de ferro do Banco Central continuará com Gabriel Galípolo. Se o novo presidente do Banco Central e os demais diretores cederem às pressões políticas do governo, a crise está contratada.
Cabe agora ao Banco Central continuar com a política monetária restritiva para compensar aventuras do lado fiscal. Compete também ao Congresso Nacional aprimorar o pacote fiscal.
No curto prazo, o comportamento desses atores será fundamental, para quem quer operar Bolsa, dólar e juros no Brasil. No longo prazo, a Bolsa continua muito barata, mas a correção poderá demorar para vir, pois depende da “troca de governo”, que pode impactar a política fiscal.