Interpretando dados que abalam o mercado

Rafael Paschoarelli é professor de finanças da FEA/USP e do Insper e diretor do ComDinheiro.
Twitter: @RafaelPaschoare

Escreve mensalmente, às sextas-feiras

Rafael Paschoarelli

A diferença entre o conhecimento empírico e teórico

O sucesso sem educação formal é inspirador, mas é uma armadilha pensar que o estudo é desnecessário

(Foto: Envato Elements)
  • Histórias de sucesso de empreendedores que sem educação formal superaram “no peito e na raça” dificuldades extremas podem ensejar o raciocínio que estudo e empreendedorismo não andam de mãos dadas. Ou pior, que o estudo é desnecessário
  • Chegar a este tipo conclusão é cair em armadilha. A primeira armadilha é o viés da sobrevivência, que se materializa quando toma-se decisão a partir de amostra constituída dos que sobreviveram para contar a história

Richard Branson, famoso bilionário inglês dono de inúmeras empresas, entre elas a Virgin Galactic, tem como nível máximo de educação formal o colegial. Walt Disney, que dispensa apresentações, sequer terminou o colegial. Aqui no Brasil, é possível citar diversos empreendedores de sucesso que não terminaram o segundo grau. Alguns, nem o primeiro grau.

No seu círculo de amizades, é possível que conheça outras histórias de empreendedores anônimos que sem educação formal construíram impérios do zero.

Estes relatos de superação são realmente incríveis e demonstram que muito esforço e dedicação foram determinantes na superação das dificuldades adicionais causadas por lacunas de conhecimento decorrentes da falta de estudos.

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Por outro lado, estas histórias de sucesso de empreendedores que sem educação formal superaram “no peito e na raça” dificuldades extremas podem ensejar o raciocínio que estudo e empreendedorismo não andam de mãos dadas. Ou pior, que o estudo é desnecessário.

Chegar a este tipo conclusão é cair em armadilha. Seguem algumas destas armadilhas a serem evitadas:

Armadilha 1:

A primeira armadilha é o viés da sobrevivência.

De maneira simplificada, o viés da sobrevivência se materializa quando toma-se decisão a partir de amostra constituída dos que sobreviveram para contar a história.

Os empreendedores vencedores são os sobreviventes de uma população feita de vencedores (sobreviventes) e dos perdedores (não sobreviventes).

Quando escutamos relatos de pessoas de sucesso e que não estudaram, deveríamos nos fazer os seguintes questionamentos:

  • Considerando o universo de empreendedores de sucesso, qual é a proporção dos que tiveram e não tiveram educação formal?
  • Considerando o universo de empreendedores que fracassaram, qual é a proporção dos que tiveram e não tiveram educação formal?

Outro ponto interessante é que o fracasso pode anteceder sucesso. Todo empresário de sucesso tem uma lista bem longa de insucessos.

Mais uma vez, a educação formal pode ajudar a encurtar o tempo que o empreendedor passa cometendo erros evitáveis.

Os empreendedores vencedores sem educação formal são de fundamental importância para nos inspirar mas não deveriam ser usados para sustentar que o estudo formal é desnecessário.

Nesta linha de raciocínio, quantos fracassos poderiam ter sido evitados caso os empreendedores dispusessem de conceitos elementares que a educação formal fornece?

De modo a evitar tropeço no viés da sobrevivência, é preciso ouvir e considerar o que os empreendedores (com e sem educação formal) que fracassaram têm a dizer.

Em estudo do Sebrae sobre causa mortis de empresas, foram estabelecidos fatores que ajudavam a entender os motivos da empresa falhar. Este estudo mostrou que 39% dos empreendedores que não tiveram sucesso foram incapazes de mensurar usa necessidade de capital de giro. Arrisco dizer que uma boa proporção sequer sabia o quer é capital de giro!

Estudo também evidenciou que muitos dos empreendedores que fracassaram não montaram plano de negócio (mais uma vez, arrisco dizer que sequer sabiam o que é isso), não entendiam de tributos e assim por diante.

Armadilha 2:

Outra armadilha é a apologia ao não estudo.

Note que a Armadilha 1 resume-se ao risco de sucumbir ao viés da sobrevivência.

Por outro lado, quem for “capturado” pela Armadilha 2 alega que o conhecimento prático é mais valioso que o teórico, como se os dois competissem e não fossem complementares. Em resumo, é a negação da ciência.

O raciocínio abaixo sintetiza a ideia:

“Conheço muita gente que nunca pisou numa universidade e que ganha muito mais dinheiro nos seus negócios que qualquer professor”. Pessoalmente, já perdi a conta de quantas vezes escutei esta frase.

Muito bem, quantos negócios, empregos e sonhos seriam salvos se antes de montar negócio o empreendedor tivesse noções mínimas de conceitos sobre:

  • Montagem de Business Plan
  • Necessidade de Capital de Giro
  • Estimativa de demanda
  • Margens e Precificação
  • Tributação
  • Legislação Trabalhista
  • Técnicas de avaliação de investimentos
  • Marketing
  • Recursos Humanos (Pessoas)

Armadilha 3:

A Armadilha 3 consiste em, ao não ter educação formal, perder a oportunidade de aprender com o erro dos outros.

A educação formal fornece um dos projetos com maior VPL (Valor Presente Líquido) que conheço: Investir tempo para aprender com o erro dos outros e assim evitar que a lição seja assimilada queimando o próprio capital.

As boas escolas de administração prestam inestimável serviço ao país ensinando por intermédio de estudos de caso. Elas ajudam os alunos ensinando técnicas para melhor planejar, organizar, dirigir e controlar os empreendimentos.

Em resumo, esforço e dedicação ao extremo são condições necessárias, contudo não suficientes para o sucesso empresarial.

Correndo o risco de ser chamado parcial dado que sou professor, considero que investir tempo em angariar conhecimento antes de investir dinheiro no negócio é importante fator de aumento das chances de sucesso ao se empreender.

Considerar apenas os empreendedores sobreviventes (vencedores) é um erro de julgamento (viés) pelo simples fato de termos sido incapazes de olhar o todo.