O olhar do mercado internacional

Thiago de Aragão é diretor de estratégia da Arko Advice e assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasília.
Twitter: @ThiagoGdeAragao

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Thiago de Aragão

O problema que a bolsa cria para o Partido Comunista Chinês

A crise imobiliária acendeu o alerta sobre a viabilidade da continuidade do formidável crescimento chinês

Edifícios residenciais em construção são vistos na Evergrande Cultural Tourism City, um projeto desenvolvido pelo China Evergrande Group, em Taicang de Suzhou, província de Jiangsu. Foto: Reuters/Aly Song

Durante as últimas décadas, uma das principais engrenagens do crescimento chinês foi o setor imobiliário. Crescendo em um ritmo alucinante, esse setor demandava cimento, ferro e vários outros componentes que movimentavam toda uma cadeia de suprimentos dentro e fora da China.

Mais importante do que isso, o crescimento imobiliário era turbinado e financiado, em grande parte, por chineses de classe média e classe média alta que buscavam um investimento seguro e crescente para suas poupanças. Sabendo que o governo estaria sempre por trás, financiando e subsidiando construtoras por todo o país com linhas de crédito fáceis e juros baixos, esse investimento parecia seguro e rentável. O governo segue estimulando a migração do campo para as zonas urbanas em todo o país.

Ao longo dos últimos anos, vimos as quebras de empresas como Evergrande, Riseun Real Estate, Modern Land e Fantasia, entre outras. A crise imobiliária acendeu o alerta em todo o mundo sobre a viabilidade da continuidade do formidável crescimento chinês. Os impactos econômicos são públicos e notórios, no entanto, um outro impacto silencioso e de enorme proporção para o futuro do Partido Comunista Chinês também acabou surgindo nessa mesma época.

Em paralelo à crise imobiliária, várias empresas chinesas de tecnologia começaram a ser rejeitadas pela Securities and Exchange Commission (SEC, na sigla em inglês, órgão americano equivalente à Comissão de Valores Mobiliários brasileira) e não puderam ingressar nas diversas bolsas de valores dos Estados Unidos. Entre as razões, a falta de transparência e as próprias tensões crescentes entre China e EUA figuram entre as primeiras.

Mudança de interesse

O governo chinês não gostava muito da ideia de ver importantes empresas de tecnologia listadas nas bolsas americanas, já que estariam sujeitas às leis dos EUA e a auditorias independentes. Para Xi Jinping, o ideal seria ter essas empresas de tecnologia sob jurisdição chinesa, dado a seus caráteres estratégicos.

Para tal, o fortalecimento das bolsas de Pequim, Xangai (normal e Star) e de Hong Kong era imperativo. Com grandes empresas chinesas restritas às bolsas locais, o cidadão chinês que via no setor imobiliário uma boa e lucrativa chance de investimento passou a investir no mercado de capitais, atraído pelas potências chinesas do setor de tecnologia. O dinheiro que ia para o mercado imobiliário passou a ir para o mercado de capitais.

O problema para Xi Jinping surge a partir daí e ainda não é possível mensurar a magnitude do impacto. A partir do momento em que um enorme e crescente volume da população começa a investir nas bolsas do próprio país, passamos a ter pela primeira vez – desde o surgimento da República Popular da China – uma forma de mensurar variações de apoio popular ao governo, graus de confiança em políticas públicas e amostras de satisfação ou descontentamento popular em relação às narrativas e políticas econômicas do governo.

Tendo as empresas listadas participação e influência direta do próprio Partido Comunista Chinês, o posicionamento, o anúncio ou a resposta do governo em relação a determinadas políticas públicas poderá resultar em queda (ou aumento) no valor de mercado de determinadas empresas. Assim, a confiança popular (ou parte dela) no que o governo faz ou deixa de fazer pode ser refletida na flutuação de valor de empresas estratégicas para o PCC, oferecendo ao observador externo o primeiro método de mensuração de satisfação ou rejeição popular em relação ao governo.

Sem saída

Para um governo que não quer demonstrações públicas de dúvidas ou falta de confiança no partido, o mercado financeiro chinês não ajuda nem combina com governo centralizadores, monopartidários e comunistas como na China. Xi talvez não tenha escolha, pois perder o controle direto e a jurisdição direta de determinadas empresas era um problema grande, principalmente perdendo para seu grande rival. Por outro lado, a crise imobiliária demandava o surgimento de um outro destino para as poupanças chinesas, para evitar uma estagnação econômica.

Mensurar as reações populares via o mercado financeiro não é simples, mas para quem não tinha nada (pesquisas de opinião pública, por exemplo), já é um grande salto e abre mais uma janela para observar o andamento da comunhão entre a tríade governo, partido e povo.