Exigir muito para ganhar algo: Trump tem a estratégia declarada de “pensar grande” e, em uma negociação, pedir muito mais do que realmente quer. Nos termos da psicologia social, ele aplica a técnica do “door in the face” (porta na cara), ou seja, começa fazendo uma exigência exorbitante, que provavelmente será recusada, para então apresentar a contraproposta moderada que seria sua meta real. Assim, aparenta ceder e ser razoável, quando na verdade o segundo pedido já era seu objetivo inicial.
Essa tática de rejeição seguida de recuo pode ser persuasiva, levando o outro lado a sentir que deve conceder algo após recusar a primeira demanda. Trump usou variantes disso repetidamente quando, por exemplo, ameaçou taxar todas as importações do México com tarifas crescentes de 5% até 25% se o país não contivesse a imigração irregular, uma posição extrema que abriu caminho para um acordo migratório em 2019 e a suspensão das tarifas . Da mesma forma, no caso brasileiro, iniciar com um tarifaço de 50% pode ser visto como um “tiro alto” para, quem sabe, negociar uma saída intermediária depois.
Visão transacional e de soma zero: Trump enxerga praticamente todas as relações como transações comerciais a serem vencidas . Seja lidando com um país aliado ou com um parceiro de negócios, ele tende a avaliar quem está “ganhando” e quem está “perdendo” no intercâmbio.
Academicamente, isso equivale a uma mentalidade de soma zero, em que para um lado ganhar, o outro necessariamente deve perder. Esse paradigma fica claro na sua obsessão por balanças comerciais: se os EUA têm déficit comercial com um país, Trump interpreta como os americanos sendo “passados para trás” e quer reverter o jogo a qualquer custo.
No caso do Brasil, ele chegou a justificar as tarifas alegando (incorretamente) que o Brasil tinha superávit e estaria se aproveitando dos EUA, quando na verdade ocorre o oposto. Essa visão pouco flexível ignora soluções de benefício mútuo. Para Trump, “ganhar” significa o outro lado ceder mais. É uma abordagem que ele carregou de sua vida empresarial, em que negociar duro e “sair por cima” eram sinais de sucesso pessoal.
Uso agressivo de leverage e ameaças: Dificilmente Trump negocia “de igual para igual”, ele prefere maximizar sua vantagem e impor medo de perdas ao interlocutor. Tarifas, para ele, não são meros instrumentos econômicos, mas “armas psicológicas” de pressão . Ele mesmo as descreveu certa vez como “uma coisa linda”, justamente por serem medidas unilaterais, simples de entender e que transmitem força aos seus apoiadores.
Na presidência, adotou tarifas punitivas como peça central de negociação com China, Europa e vizinhos, sempre com o cálculo de que o pânico econômico levaria o outro país a ceder.
Decisões bombásticas de surpresa (como um aumento tarifário via rede social)
Imprevisibilidade também é parte do arsenal: Trump muitas vezes anuncia decisões bombásticas de surpresa (como um aumento tarifário via rede social) para desestabilizar o oponente e tirá-lo do eixo, uma espécie de versão moderna da “teoria do homem louco” usada por Nixon, em que agir de forma aparentemente irracional gera alavancagem pelo medo do que ele pode fazer .
No tabuleiro global, essa tática de imprevisibilidade calculada dificulta a reação coordenada dos adversários, que ficam sem saber se ele blefa ou vai até o fim. No entanto, esse estilo agressivo pode trazer riscos: se o primeiro lance for percebido como absurdo ou ilegítimo, o tiro pode sair pela culatra, a parte contrária pode se sentir insultada e menos disposta a qualquer acordo.
Personalização e lealdade: Diferentemente de negociadores tradicionais, Trump leva para a mesa suas afinidades e antipatias pessoais de forma explícita. Ele elogia e favorece quem considera “amigo” ou útil, e demoniza quem o contraria. Vimos isso no caso de Jair Bolsonaro: Trump não apenas defendeu o ex-presidente brasileiro, chamando-o de “um bom homem” e assegurando que “não é desonesto”, como também insinuou que o Brasil deveria proteger Bolsonaro em troca de boas relações.
Essa personalização do diálogo é típica de Trump, remetendo à sua experiência como empresário-celebridade que valoriza lealdade acima de protocolos. Negociando como presidente, ele frequentemente mistura assuntos de Estado com questões pessoais ou ideológicas, algo visível na forma como atrelou a imposição de tarifa à “liberdade de expressão” por causa das disputas do STF com redes sociais.
Isso torna suas negociações menos previsíveis para burocratas tradicionais, mas altamente centralizadas em sua figura: se um líder estrangeiro o agrada ou lhe faz um aceno (como o norte-coreano Kim Jong-un fez em 2018, por exemplo), Trump pode subitamente aliviar a pressão; por outro lado, sob a percepção de se sentir traído ou desrespeitado, dobrará a aposta punitiva.
Ele se vê, em parte, como o executor de um enredo pessoal. “América em primeiro lugar” muitas vezes significa Trump em primeiro lugar, guiando acordos como extensões de sua vontade e branding político.
Padrões de negociações de Trump vêm de longe
Esses padrões vêm de longe. No livro “The Art of the Deal” (1987), Trump já aconselhava a “usar toda a alavancagem possível, revidar quando pressionado e se divertir no processo”, ostentando um personagem de negociador durão e performático . Agora, no palco global, ele aplica os mesmos princípios em escala macro. Especialistas observam que ele traduziu a linguagem dos negócios para a diplomacia, tratando tarifas e acordos internacionais com a mesma mentalidade coma qual fechava contratos imobiliários em Nova York. O resultado é uma diplomacia muitas vezes desconcertante para os tradicionais, porém coerente dentro da lógica trumpista.
Por mais polêmico que seja, o modo Trump de negociar encontra explicação em conceitos da psicologia comportamental e social. Suas táticas se alinham a fenômenos bastante estudados.
Reciprocidade e concessão: A eficácia do “pedido exagerado seguido de recuo” tem base no princípio psicológico da reciprocidade. Quando alguém recua de uma posição extrema para uma moderada, a outra parte tende a sentir-se obrigada a também ceder um pouco . Trump explora esse instinto ao fazer exigências máximas inicialmente e, se ele depois “cede” parcialmente, espera que o outro lado se sinta compelido a retribuir a concessão, aceitando o acordo mais brando.
Além disso, ao começar pedindo o impossível, ele ancora a negociação num patamar alto; qualquer resultado futuro que fique aquém da ameaça original ainda assim parece um alívio para o interlocutor. É uma forma de moldar a percepção do que é um acordo “justo”. Note-se, entretanto, que se a primeira oferta for exageradamente fora dos padrões, o efeito pode ser o oposto, com o lado alvo avaliando ter sido insultado ou intimidado, percebendo a manobra como bullying e rompendo a confiança necessária ao diálogo. Em contextos diplomáticos, esse é um risco real.
Viés de perda (loss aversion): Trump frequentemente enquadra as relações internacionais em termos de perdas que os EUA estariam sofrendo por empregos perdidos, indústrias enfraquecidas, “desrespeito” de outros países. Essa narrativa aciona o potente medo da perda no público e nos negociadores. Segundo a Teoria do Prospecto, de Kahneman e Tversky, as pessoas tendem a arriscar mais para evitar uma perda do que para obter um ganho equivalente a ela.
Trump sabe disso intuitivamente: ao dizer que os EUA “já perderam demais” em tal relacionamento comercial, ele justifica medidas drásticas como necessárias para “estancar o sangue” . Tarifas punitivas são vendidas como remédio para recuperar o que foi perdido, ainda que muitos economistas alertem que podem causar novos danos.
Falar em termos de “roubo” e “desvantagem” desperta indignação e desejo de retaliação nos americanos, o que dá respaldo interno às suas duras barganhas . Da mesma forma, para o lado oposto, ele molda a negociação para “como evitar perder acesso ao mercado americano”, um cenário assustador que pode levá-los a concessões maiores do que fariam normalmente.