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Colunista

Tarifas, pressão, psicologia e confronto: a forma Trump de negociar

Entre as características marcantes do playbook de Trump, podemos destacar algumas como a de exigir muito para ganhar algo

Donald Trump
(Foto: Adobe Stock)
Donald Trump (Foto: Adobe Stock)

Este confronto EUA-Brasil é apenas mais um capítulo de uma longa história de negociações ao estilo Donald Trump, tanto na política quanto nos negócios pessoais. Há um padrão consistente em sua forma de conduzir acordos. Entre as características marcantes do playbook do presidente norte-americano, podemos destacar algumas.

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Exigir muito para ganhar algo: Trump tem a estratégia declarada de “pensar grande” e, em uma negociação, pedir muito mais do que realmente quer. Nos termos da psicologia social, ele aplica a técnica do “door in the face” (porta na cara), ou seja, começa fazendo uma exigência exorbitante, que provavelmente será recusada, para então apresentar a contraproposta moderada que seria sua meta real. Assim, aparenta ceder e ser razoável, quando na verdade o segundo pedido já era seu objetivo inicial.

Essa tática de rejeição seguida de recuo pode ser persuasiva, levando o outro lado a sentir que deve conceder algo após recusar a primeira demanda. Trump usou variantes disso repetidamente quando, por exemplo, ameaçou taxar todas as importações do México com tarifas crescentes de 5% até 25% se o país não contivesse a imigração irregular, uma posição extrema que abriu caminho para um acordo migratório em 2019 e a suspensão das tarifas . Da mesma forma, no caso brasileiro, iniciar com um tarifaço de 50% pode ser visto como um “tiro alto” para, quem sabe, negociar uma saída intermediária depois.

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Visão transacional e de soma zero: Trump enxerga praticamente todas as relações como transações comerciais a serem vencidas . Seja lidando com um país aliado ou com um parceiro de negócios, ele tende a avaliar quem está “ganhando” e quem está “perdendo” no intercâmbio.

Academicamente, isso equivale a uma mentalidade de soma zero, em que para um lado ganhar, o outro necessariamente deve perder. Esse paradigma fica claro na sua obsessão por balanças comerciais: se os EUA têm déficit comercial com um país, Trump interpreta como os americanos sendo “passados para trás” e quer reverter o jogo a qualquer custo.

No caso do Brasil, ele chegou a justificar as tarifas alegando (incorretamente) que o Brasil tinha superávit e estaria se aproveitando dos EUA, quando na verdade ocorre o oposto. Essa visão pouco flexível ignora soluções de benefício mútuo. Para Trump, “ganhar” significa o outro lado ceder mais. É uma abordagem que ele carregou de sua vida empresarial, em que negociar duro e “sair por cima” eram sinais de sucesso pessoal.

Uso agressivo de leverage e ameaças: Dificilmente Trump negocia “de igual para igual”, ele prefere maximizar sua vantagem e impor medo de perdas ao interlocutor. Tarifas, para ele, não são meros instrumentos econômicos, mas “armas psicológicas” de pressão . Ele mesmo as descreveu certa vez como “uma coisa linda”, justamente por serem medidas unilaterais, simples de entender e que transmitem força aos seus apoiadores.

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Na presidência, adotou tarifas punitivas como peça central de negociação com China, Europa e vizinhos, sempre com o cálculo de que o pânico econômico levaria o outro país a ceder.

Decisões bombásticas de surpresa (como um aumento tarifário via rede social)

Imprevisibilidade também é parte do arsenal: Trump muitas vezes anuncia decisões bombásticas de surpresa (como um aumento tarifário via rede social) para desestabilizar o oponente e tirá-lo do eixo, uma espécie de versão moderna da “teoria do homem louco” usada por Nixon, em que agir de forma aparentemente irracional gera alavancagem pelo medo do que ele pode fazer .

No tabuleiro global, essa tática de imprevisibilidade calculada dificulta a reação coordenada dos adversários, que ficam sem saber se ele blefa ou vai até o fim. No entanto, esse estilo agressivo pode trazer riscos: se o primeiro lance for percebido como absurdo ou ilegítimo, o tiro pode sair pela culatra, a parte contrária pode se sentir insultada e menos disposta a qualquer acordo.

Personalização e lealdade: Diferentemente de negociadores tradicionais, Trump leva para a mesa suas afinidades e antipatias pessoais de forma explícita. Ele elogia e favorece quem considera “amigo” ou útil, e demoniza quem o contraria. Vimos isso no caso de Jair Bolsonaro: Trump não apenas defendeu o ex-presidente brasileiro, chamando-o de “um bom homem” e assegurando que “não é desonesto”, como também insinuou que o Brasil deveria proteger Bolsonaro em troca de boas relações.

Essa personalização do diálogo é típica de Trump, remetendo à sua experiência como empresário-celebridade que valoriza lealdade acima de protocolos. Negociando como presidente, ele frequentemente mistura assuntos de Estado com questões pessoais ou ideológicas, algo visível na forma como atrelou a imposição de tarifa à “liberdade de expressão” por causa das disputas do STF com redes sociais.

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Isso torna suas negociações menos previsíveis para burocratas tradicionais, mas altamente centralizadas em sua figura: se um líder estrangeiro o agrada ou lhe faz um aceno (como o norte-coreano Kim Jong-un fez em 2018, por exemplo), Trump pode subitamente aliviar a pressão; por outro lado, sob a percepção de se sentir traído ou desrespeitado, dobrará a aposta punitiva.

Ele se vê, em parte, como o executor de um enredo pessoal. “América em primeiro lugar” muitas vezes significa Trump em primeiro lugar, guiando acordos como extensões de sua vontade e branding político.

Padrões de negociações de Trump vêm de longe

Esses padrões vêm de longe. No livro “The Art of the Deal” (1987), Trump já aconselhava a “usar toda a alavancagem possível, revidar quando pressionado e se divertir no processo”, ostentando um personagem de negociador durão e performático . Agora, no palco global, ele aplica os mesmos princípios em escala macro. Especialistas observam que ele traduziu a linguagem dos negócios para a diplomacia, tratando tarifas e acordos internacionais com a mesma mentalidade coma qual fechava contratos imobiliários em Nova York. O resultado é uma diplomacia muitas vezes desconcertante para os tradicionais, porém coerente dentro da lógica trumpista.

Por mais polêmico que seja, o modo Trump de negociar encontra explicação em conceitos da psicologia comportamental e social. Suas táticas se alinham a fenômenos bastante estudados.

Reciprocidade e concessão: A eficácia do “pedido exagerado seguido de recuo” tem base no princípio psicológico da reciprocidade. Quando alguém recua de uma posição extrema para uma moderada, a outra parte tende a sentir-se obrigada a também ceder um pouco . Trump explora esse instinto ao fazer exigências máximas inicialmente e, se ele depois “cede” parcialmente, espera que o outro lado se sinta compelido a retribuir a concessão, aceitando o acordo mais brando.

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Além disso, ao começar pedindo o impossível, ele ancora a negociação num patamar alto; qualquer resultado futuro que fique aquém da ameaça original ainda assim parece um alívio para o interlocutor. É uma forma de moldar a percepção do que é um acordo “justo”. Note-se, entretanto, que se a primeira oferta for exageradamente fora dos padrões, o efeito pode ser o oposto, com o lado alvo avaliando ter sido insultado ou intimidado, percebendo a manobra como bullying e rompendo a confiança necessária ao diálogo. Em contextos diplomáticos, esse é um risco real.

Viés de perda (loss aversion): Trump frequentemente enquadra as relações internacionais em termos de perdas que os EUA estariam sofrendo por empregos perdidos, indústrias enfraquecidas, “desrespeito” de outros países. Essa narrativa aciona o potente medo da perda no público e nos negociadores. Segundo a Teoria do Prospecto, de Kahneman e Tversky, as pessoas tendem a arriscar mais para evitar uma perda do que para obter um ganho equivalente a ela.

Trump sabe disso intuitivamente: ao dizer que os EUA “já perderam demais” em tal relacionamento comercial, ele justifica medidas drásticas como necessárias para “estancar o sangue” . Tarifas punitivas são vendidas como remédio para recuperar o que foi perdido, ainda que muitos economistas alertem que podem causar novos danos.

Falar em termos de “roubo” e “desvantagem” desperta indignação e desejo de retaliação nos americanos, o que dá respaldo interno às suas duras barganhas . Da mesma forma, para o lado oposto, ele molda a negociação para “como evitar perder acesso ao mercado americano”, um cenário assustador que pode levá-los a concessões maiores do que fariam normalmente.

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