

A videoconferência de cerca de 30 minutos entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Donald Trump abriu uma janela política mais ampla do que parecia no noticiário do dia.
Publicidade
A videoconferência de cerca de 30 minutos entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Donald Trump abriu uma janela política mais ampla do que parecia no noticiário do dia.
CONTINUA APÓS A PUBLICIDADE
Do lado visível, houve cortesia e a mensagem de “vamos nos dar muito bem”; do lado estrutural, a conversa reposiciona interlocutores, prioridades e cronogramas, sem eliminar as travas institucionais que governam tarifas e investigações de comércio.
Ao falar diretamente com Lula, Trump enfraquece a tese cultivada por setores bolsonaristas de que Eduardo Bolsonaro seria o interlocutor incontornável Brasil–EUA. A abertura de um canal presidencial direto sempre rebaixa intermediários políticos, sobretudo quando há promessa explícita de discutir tarifas e agenda econômica em conversas futuras. Isso reduz o valor de veto (e de agenda) do clã do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nesse tabuleiro.
A nomeação de Marco Rubio como secretário de Estado trouxe um perfil assertivo para a política externa, inclusive no dossiê Brasil, vide sua defesa de medidas punitivas.
Porém, a negociação tarifária não nasce no Departamento de Estado: é pilotada pelo USTR (United States Trade Representative). Se Trump sinaliza abertura para tratar de tarifas, o operador técnico é Jamieson Greer (USTR) e, na região, Daniel Watson (USTR hemisfério).
Publicidade
Isso produz uma tensão orgânica: Rubio pode não aplaudir um “degelo econômico” rápido com Brasília, coerente com seu histórico, mas terá de atuar como ponte entre o Itamaraty e a dupla técnica quando o assunto for tarifário.
Para Brasília, o objetivo é aliviar o choque da sobretaxa imposta, que já respingou em café, carnes e siderurgia. Para Washington, tarifas viraram instrumento de política macro, com efeitos projetados para 2026. Mesmo com um “sinal de boa vontade” presidencial, mexer na alíquota é decisão que precisa caber dentro da moldura legal vigente e do clima político da Casa Branca. A ligação gera narrativa, mas não substitui rito.
No Brasil, tarifas viram assunto de alta frequência, como emprego, câmbio, exportações. Nos EUA, a pauta é intermitente: divide espaço com outros temas (Gaza, China, eleições, imigração). Isso implica cadência desigual de atenção e resposta. A diplomacia brasileira precisa calibrar expectativas para evitar sensação de promessa descumprida quando a pauta americana mudar de foco.
A investigação da Seção 301 sobre políticas do Brasil tem trilha própria: consulta formal, audiência pública, prazos de comentários e eventuais medidas. Esses processos costumam levar muitos meses.
Mesmo que o presidente deseje um gesto rápido nas tarifas, qualquer arranjo durável precisará encaixar-se no cronograma da 301 ou, no mínimo, não colidir com ele. A fotografia da ligação não altera imediatamente a película do procedimento.
Se a conversa presidencial desloca intermediários domésticos, ela também obriga a burocracia brasileira a operar em múltiplos eixos: político (Rubio/State), técnico (Greer/Watson/USTR) e financeiro-sancionatório (Tesouro/State) ainda em ebulição por conta de litígios. A costura precisa isolar o dossiê comercial da lógica sancionatória, e vice-versa, sob pena de um contaminar o outro.
A fala direta com Trump foi um destravador político, útil para reduzir ruído e tirar exclusividades intermediárias. Mas o desfecho concreto depende de uma diplomacia de engenharia fina: separar comércio de sanções, trabalhar o timing da Seção 301, oferecer vitórias setoriais que caibam na moldura America-First e manter a narrativa de que o Brasil é superavitário para os EUA. Nesse desenho, as conversas de alto nível abrem a porta; quem gira a maçaneta é o USTR.
Invista em informação
As notícias mais importantes sobre mercado, investimentos e finanças pessoais direto no seu navegador