- Naturalmente, retaliações por posicionamentos ou falta de posicionamentos poderá afetar países como o Brasil
- Muita gente pensa que as relações entre EUA e Brasil dependem da empatia entre os presidentes dos dois países. Isso não é verdade
- A América Latina é onde veremos a maior diferença de relacionamento entre Lula e Bolsonaro. Esse relacionamento, erradamente, se baseia no perfil ideológico das lideranças de outros países
Independentemente de quem ganhar a eleição presidencial brasileira, o mundo no qual Bolsonaro ou Lula terá de lidar em 2023 será ainda mais complexo do que o de hoje. Raramente vimos uma convergência tão grande de temas em suspensão que possuíssem impacto direto no Brasil, colocando inúmeros interesses nacionais em risco. Vamos falar sobre eles:
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China
A China vive um momento novo e preocupante. Xi Jinping será coroado líder máximo do país pela terceira vez. Quando o crescimento econômico é baixo, e preocupante (para padrões chineses), aparecem rivalidades crescentes dentro do partido (entre facções ideológicas e também entre facções geográficas), tensões com EUA, Austrália, OTAN, Taiwan, etc.
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Para o Brasil, o que ocorre na China é de suma importância. A dependência comercial faz com que o risco de uma desaceleração chinesa impacte diretamente nosso país, podendo levar a uma grave crise.
A China já considera buscar alternativas para a importação de soja e minério de ferro. No caso da soja, isso está mais avançado. A ideia chinesa é de diversificar — levando em consideração uma variação logística –, os fornecedores de tudo aquilo que é estratégico para eles. O Brasil, por outro lado, não possui uma estratégia clara de diversificação.
Em 2023, a pressão exercida sob a China por parte dos EUA e de seus aliados fará com que o mundo fique ainda mais polarizado. O processo de “decoupling” ou “desvinculação”, em que o governo americano estimula empresas americanas baseadas na China a regressar aos EUA ou a buscar outro país para se instalar, ganhará mais força em 2023.
A tensão política poderá levar tanto EUA quanto China a “exigir” uma postura mais clara de determinados países. Naturalmente, retaliações por posicionamentos ou falta de posicionamentos poderá afetar países como o Brasil.
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Lula ou Bolsonaro deverão dar mais atenção e toques de sofisticação a suas políticas externas. No caso de Bolsonaro, ouvir mais o Itamaraty e falar menos sobre o que não compreende. Já Lula, teria de ter atenção com a ambiguidade de relacionamentos.
Em períodos mais tranquilos, como durante seus dois primeiros governos, a ambiguidade internacional era vista como inofensiva pelos EUA, China e outros. No novo contexto global, a neutralidade por ignorância será condenada e a neutralidade estratégica necessitará de melhor preparação para funcionar.
Europa
A Europa vive o momento mais tenso desde o fim da Guerra Fria. A Guerra na Ucrânia deverá durar ainda por um bom tempo, colocando mais pressão nos países afetados pela alta do preço da energia, assim como gerando mais instabilidade geopolítica na região.
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A posição dúbia adotada pelo Brasil em relação à Ucrânia (com forte simpatia a favor da Rússia de Putin), não é exclusividade de Bolsonaro. Esse é um ponto de convergência entre Bolsonaro e Lula, já que, por razões diferentes, ambos têm apreço a Putin.
Para o Brasil, a Europa é importante não apenas pelo contexto comercial. Os desejados ingresso na OCDE e aprovação do acordo Mercosul-União Europeia dependem de uma decisão de países europeus. Para isso, a diplomacia brasileira precisará ser eficiente e inteligente para poder elevar a prioridade desses assuntos em um momento tão delicado para a Europa.
Se por um lado Lula poderá ter vantagem para agilizar a aprovação do acordo Mercosul – UE, dado a nova composição política na América do Sul (mais à esquerda) e relacionamento (relativamente) melhor com algumas lideranças europeias, Bolsonaro poderá ter mais êxito no avanço em relação à OCDE, já que essa pauta se encaixa mais com a narrativa de Paulo Guedes do que em relação a narrativas do PT, de críticas à OCDE.
Estados Unidos
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Muita gente pensa que as relações entre EUA e Brasil dependem da empatia entre os presidentes dos dois países. Isso não é verdade. A profundidade da relação entre os dois países é grande, fazendo com que tenhamos dezenas e dezenas de acordos de cooperação em várias áreas, independentemente do contexto político de esquerda ou direita no nível presidencial.
Bolsonaro tinha um relacionamento forte com Donald Trump, mas não necessariamente com o governo americano. Tanto que após a chegada de Joe Biden, a embaixada brasileira em Washington encontrou algumas dificuldades de entrosamento.
O relacionamento entre os países sempre será estratégico para o Brasil. Para os EUA, depende do momento e do contexto. Hora temos importância estratégica de alto nível, hora somos esquecidos e colocados no fundo das prioridades. O governo americano, com Biden, Trump, De Sanctis, Harris, Mickey Mouse ou Wes Anderson, não importa, vai seguir olhando para o mundo dentro da ótica de EUA x China. Por isso, a postura brasileira em relação à China é o grande balizador de uma relação melhor, pior ou neutra com os EUA.
Sabendo disso, o Brasil poderá entender o jogo entre as duas grandes potências e ser um personagem estratégico e inteligente ao invés de ser apenas um país pitoresco no processo de influência diplomática e geopolítica.
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Índia
Muitos ainda não perceberam que, hoje em dia, a Índia é o país mais estratégico do mundo. Por isso, o Brasil poderia melhorar seu relacionamento bilateral para melhor compreender algumas temáticas e, quem sabe, melhorar as relações comerciais com Nova Délhi, diminuindo a dependência que temos da China.
A Índia é aliada americana em alguns assuntos, mantém um diálogo permanente e boas relações comerciais com a China, tem um histórico de cooperação militar com a Rússia e está no epicentro do mundo. EUA e Índia firmaram um acordo de cooperação cibernética há uns anos, o que oferece aos EUA uma posição importante para detectar eventuais ataques cibernéticos feitos pela China. Além disso, a Índia é parte do QUAD – acordo militar naval entre EUA, Índia, Austrália e Japão para aumentar a presença e força no Indo-Pacífico. A Índia também está ampliando algumas bases navais no Oceano Índico, em disputa direta com a China.
Em paralelo, a Índia está no BRICS e também no Tratado de Cooperação do Grupo de Xangai, fazendo com que o país de Narendra Modi mantenha uma relação próxima com a China. Vale lembrar que os dois países disputam territórios no Himalaia (Aksai Chin), já entraram em guerra em 1962 e, que, no ano passado, um “arranca-rabo” na fronteira entre os dois países levou à morte 20 soldados indianos e 40 soldados chineses (detalhe, a briga foi no braço, sem tiros).
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O histórico da relação militar com a Rússia, onde vários equipamentos indianos são de fabricação russa, contribui para a proximidade entre ele. Usando isso como pano de fundo, a Rússia vem tentando nos últimos meses trazer a Índia para seu lado.
Tanto Lula quanto Bolsonaro foram tímidos no relacionamento com a Índia. Faz sentido, já que não é um relacionamento que sobreviveria apenas na base da intuição diplomática. Há necessidade de esforço. Mesmo assim, há uma vantagem em observar a Índia como uma importante alternativa para diluir a dependência comercial existente com a China.
América Latina
A América Latina é onde veremos a maior diferença de relacionamento entre Lula e Bolsonaro. Esse relacionamento, erradamente, se baseia no perfil ideológico das lideranças de outros países.
O pragmatismo tende a ser mais importante quando estamos próximos de casa. O fato de termos governos de esquerda e centro-esquerda na Colômbia, Equador, Bolívia, Peru, Chile, Argentina, México etc, faz com que, naturalmente, a empatia entre Lula e esses governantes seja mais visível. Isso não quer dizer que essa empatia se traduzirá em relacionamentos eficientes e benéficos para o país.
Lula, caso eleito, dará mais atenção para a região, pois isso está no DNA do PT e de partidos de esquerda. Muitas vezes, esse relacionamento se ancora em espumas saudosistas de um passado que não viveram, gerando a ilusão de que o relacionamento de fato melhorará a relação entre as nações. Com a Argentina, por exemplo, os governos de Lula e Dilma mantiveram o saudosismo revolucionário juvenil, mas não conseguiram convencer Nestor e Cristina a modernizar o procedimento das licenças não-automáticas controladas pelo ex-Secretário do Comércio, Guillermo Moreno.
Bolsonaro também terá dificuldades em lidar lideranças de esquerda na região. Tanto Bolsonaro quanto Lula são exageradamente emotivos na forma como enxergam política externa. Ambos se entregam de corpo e alma para quem apreciam (Trump, Chavez etc) e rejeitam com todas as forças aqueles que são contra
Menos emoção e mais pragmatismo poderia ser de grande valia para o Brasil e gerar um relacionamento de mais ganhos mensuráveis e menos hipotéticos.