O olhar do mercado internacional

Thiago de Aragão é diretor de estratégia da Arko Advice e assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasília.
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Thiago de Aragão

O que esperar da bandeira branca entre EUA e China

Contudo, é evidente que ainda existem divergências que obstaculizam uma relação mais harmônica

Foto: Rustamxakim/Shutterstock
  • Depois de meses de relações tensas entre os EUA e a China, os diálogos diplomáticos se encerraram com um tom de esperança
  • Ainda há muito trabalho pela frente para resolver suas diferenças, as potências conseguiram identificar áreas de concordância em várias frentes

Após um intervalo de dois anos, o Secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, iniciou uma extensa jornada à China para conversações diplomáticas com o Presidente Xi Jinping e com outros oficiais seniores chineses.

Depois de meses de relações tensas entre as duas superpotências, os diálogos se encerraram com um tom de esperança – ambos se elogiaram pelo diálogo franco, a interação construtiva e os avanços feitos rumo à estabilização das suas relações.

Havia uma sensação palpável de otimismo cauteloso no ar. Afinal, as relações têm sido conturbadas nos últimos tempos. Porém, com os acordos firmados na Cúpula do G-20, em Bali, ainda vivos em suas memórias, as duas partes pareciam decididas a tornar este momento histórico um marco de sucesso.

Não que a reunião tenha sido isenta de momentos de tensão – divergências sobre questões como Taiwan, o Mar do Sul da China e as novas tarifas impostas pelos EUA aos produtos chineses foram tratadas com ponderação e cautela por ambos. Mas, apesar de ainda haver muito trabalho pela frente para resolver suas diferenças, o Secretário Blinken e o Presidente Xi conseguiram identificar áreas de concordância em várias frentes que, esperam eles, formarão a base para um diálogo contínuo.

Por exemplo, ambas as partes concordaram em promover uma maior colaboração no combate às mudanças climáticas e no suporte a iniciativas globais de saúde. Também discutiram o compromisso da China em não fornecer à Rússia ajuda militar para uso contra a Ucrânia, uma postura que o Secretário Blinken observou não ter sido refutada por Pequim.

De uma forma geral, a reunião marcou um avanço significativo nas relações entre os EUA e a China. Talvez o resultado mais relevante das conversações tenha sido a restauração das comunicações militares entre as duas nações. Embora possa parecer um detalhe menor, essa linha de comunicação de emergência pode ser inestimável na prevenção de mal-entendidos que possam escalar para conflitos maiores – uma realidade que ambas as partes conhecem bem, dado o seu histórico um com o outro.

Blinken referiu que as negociações com os oficiais militares chineses para restabelecer a comunicação ainda estão em andamento. No entanto, ambas as partes concordaram em prosseguir com as discussões para estabilizar as relações sino-americanas, ao mesmo tempo que recebem de bom grado os esforços para reforçar as interações entre pessoas, sejam estudantes, acadêmicos ou empresários.

Pessoalmente, creio que esses intercâmbios ainda serão tratados com cautela por ambos os lados (especialmente pelos EUA), pois vários episódios de espionagem (e alegações de espionagem) prejudicaram o interesse de cidadãos chineses em estudar e viver nos EUA.

Contudo, é evidente que ainda existem divergências que obstaculizam uma relação mais harmônica. Uma questão que tem sido bastante debatida são os esforços da China para estabelecer uma instalação militar conjunta na costa norte de Cuba — a meras 100 milhas da costa da Flórida. Isso seria um movimento altamente controverso, pois os oficiais americanos têm visto Cuba, há muito tempo, como uma ameaça potencial à sua segurança nacional.

As autoridades americanas estão agora intensificando esforços para deter a expansão da influência chinesa em Cuba, explorando receios cubanos de ceder soberania à China. Então, é possível que os esforços dos EUA para frustrar a iniciativa chinesa possam comprometer os avanços alcançados na segunda-feira, criando a possibilidade de um racha entre as duas nações neste momento crítico de suas relações.

Nos últimos anos, as tensões entre os Estados Unidos e a China têm aumentado progressivamente. Isso tem sido especialmente perceptível na região do Mar do Sul da China, onde ambos os países têm demonstrado disposição para demonstrar seu poderio militar numa tentativa de reivindicar domínio sobre os territórios disputados.

Embora as comunicações diplomáticas entre as duas partes permaneçam abertas em algum nível, ainda existe muito desacordo sobre como proceder para uma resolução pacífica do conflito. Recentemente, o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, não conseguiu garantir um acordo formal para a reabertura dos canais de comunicação militar entre os dois países, deixando a possibilidade de futuros confrontos aéreos ou marítimos nesta região levarem a um aumento das tensões e até a um fim de todas as discussões.

O crescimento das tensões entre a Europa e a China, resultante da pressão dos EUA para que os europeus assumam posições mais firmes contra os chineses, é outro fator que, embora possa fortalecer a posição dos americanos durante uma negociação relativa ao Mar do Sul da China, também gera um sentimento de alarme no Partido Comunista Chinês, prejudicando o estabelecimento de uma linha diplomática contínua de comunicação.

Se a China perceber que os EUA podem levar a Europa a uma posição antagonista ao país, o governo chinês entenderá que pode fazer o mesmo contra os EUA (em relação a Cuba ou até mesmo ao Brasil).