Ana Paula Hornos, psicóloga clínica, educadora financeira e colunista do E-Investidor, explica que transtornos mentais como depressão, ansiedade, bipolaridade e Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) impactam diretamente na tomada de decisão financeira. “Eles comprometem o autocontrole, a clareza de julgamento e a regulação emocional, levando a comportamentos impulsivos, procrastinação e dificuldade em planejar”, diz.
Além de uma saúde mental fragilizada oferecer mais riscos para gastos precipitados, ela também pode levar à realização de doações excessivas e à compra de presentes como forma de busca por aceitação ou amor. “O doar para ser amado é um comportamento comum entre pessoas com baixa autoestima ou histórico de carência afetiva. Isso pode levar ao comprometimento da renda pessoal em nome de vínculos frágeis ou ilusórios”, ressalta Hornos.
Outros possíveis problemas são o investimento de alto risco sem análise crítica e também uma negligência intencional com as próprias finanças. Ou seja, a pessoa pode deixar de pagar contas básicas ou então fazer dívidas para sustentar algum prazer momentâneo, como vícios e consumos exagerados.
Na visão de Márcia Tolotti, especialista em psicofinanças, um processo de inveja em um grau mais avançando também pode afetar o planejamento financeiro. “Isso ocorre, por exemplo, quando a pessoa passa a se sentir merecedora daquilo que o outro possui. Assim, ela tende a tomar decisões financeiras impulsivas, como comprar um carro, trocar de casa, fazer uma viagem ou até realizar procedimentos estéticos, movida mais pelo desejo de superar ou igualar o outro do que por uma necessidade real”, diz.
Para Marco Antônio Duro, planejador financeiro CFP pela Planejar, a saúde mental desestabilizada também traz mais dificuldades para o consumidor lidar com temas financeiros relevantes, como revisar gastos, pagar as contas em dia ou mesmo procurar ajuda junto a um profissional especializado em educação financeira.
“O descontrole emocional pode levar à tomada de empréstimos sem a devida avaliação da necessidade real ou capacidade de pagamento. O uso descontrolado do cartão de crédito é outro problema frequente, gerando uma situação financeira cada vez mais difícil de administrar”, diz Duro.
Segundo Luciana Benedetto, neuropsicóloga especialista da BurnUp, healthtech especializada em saúde mental e emocional, outro distúrbio que tem gerado preocupações é o burnout, o esgotamento profissional. Entre os principais sintomas, estão fadiga constante, distanciamento emocional, irritabilidade, dificuldade de concentração, alterações de sono e apetite, além da sensação de ineficácia. “Pessoas nesse estado tendem a procrastinar decisões importantes, agir por impulso e evitar planejamentos, o que pode levar a um colapso financeiro silencioso”, destaca Benedetto.
O estresse financeiro
Hornos explica que o estresse crônico ativa o eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal), liberando o hormônio cortisol em excesso, o que prejudica memória, foco e controle inibitório. “A pessoa estressada busca alívio rápido e isso enfraquece o pensamento de longo prazo, afetando a capacidade de guardar dinheiro ou manter disciplina.”
Ou seja, esse é um processo que se retroalimenta. Sem uma reserva financeira, o consumidor se sente vulnerável a qualquer imprevisto e essa insegurança reforça o estresse, criando um “loop” de exaustão emocional e instabilidade financeira.
Divulgada no final de abril, a 8ª edição do Raio X do Investidor Brasileiro, pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) em parceria com o instituto de pesquisas Datafolha, mostrou que 51% da população relata alto estresse financeiro. Por outro lado, apenas 22% indica ter baixo estresse.
O nível foi medido a partir de uma autoavaliação, em escala de zero a dez, em que zero indica ausência de estresse e dez representa nível elevado. Com base nas respostas, as pessoas entrevistadas foram classificadas em três categorias: baixo estresse (notas de 0 a 4), médio estresse (5 a 7) e alto estresse (8 a 10).
Neste ano, o Raio X do Investidor também trouxe um índice de estresse, que apresenta uma análise mais abrangente, a partir da avaliação das reações a 12 afirmativas concretas. Para cada uma das sentenças, os participantes indicavam se concordavam ou não (totalmente ou parcialmente). Foi estabelecida uma pontuação de 0 a 5 para as respostas e a soma delas poderia variar de 0 a 60, captando o estresse de forma estatística e quantitativa.
Ao relacionar a autoavaliação com o índice, foram observadas algumas curiosidades. No quesito de alto estresse financeiro, o padrão foi consistente: 51% das pessoas se percebem com muito estresse, enquanto na medição objetiva são 49%. No entanto, embora 22% dos participantes se considerem pouco estressados, apenas 5% estão no nível mais baixo de estresse do indicador.
Para realizar o estudo, o Datafolha ouviu 5.846 pessoas de 16 anos ou mais, de todas as classes sociais, nas cinco regiões do Brasil, em novembro de 2024. A margem de erro da pesquisa é de um ponto porcentual, para mais ou para menos.
Como se proteger?
Hornos, psicóloga clínica, destaca a importância de buscar apoio psicológico ou de grupos terapêuticos. “Identificar os padrões emocionais que impulsionam comportamentos financeiros é o primeiro passo para a mudança”, afirma, ressaltando que construir uma rede de apoio confiável, com amigos, familiares ou mentores, também pode ajudar.
O ideal, segundo os especialistas, é começar com pequenos compromissos financeiros realistas, pois metas muito ambiciosas aumentam a chance de frustração. No início, vale entender os gastos mensais em relação ao orçamento e renda do mês, anotar por uma semana e definir prioridades.
“Todas as nossas escolhas têm consequências e a falta de planejamento financeiro – seja ao contrair dívidas, gastar mais do que se ganha ou não constituir uma reserva – resulta em um tipo de aprisionamento, que pode se manifestar de diversas formas: em um trabalho do qual não se pode sair, em uma relação da qual não se consegue se desvincular ou até mesmo na impossibilidade de mudar de cidade ou de país”, diz Tolotti, especialista em psicofinanças.