Comportamento

Dá para planejar uma viagem completa com o ChatGPT? Veja o teste

Inteligência artificial elaborou planejamento financeiro, roteiro e cronograma para dez dias na Europa

Dá para planejar uma viagem completa com o ChatGPT? Veja o teste
A inteligência artificial provoca impactos consideráveis em praticamente todos os setores da economia. (Foto: Envato Elements)

A inteligência artificial (IA) veio para ficar. Mais do que “se”, é uma questão de “quando” aplicações dessa natureza estarão integradas às mais diversas práticas humanas. Não é de hoje que instituições financeiras utilizam robôs para fazer análise de riscos e projeções matemáticas, por exemplo.

E também já existem empresas explorando a capacidade das máquinas de recomendar investimentos, visto que elas são rápidas em reconhecer padrões e levantar históricos. Mas será que a IA está pronta para atender ao planejamento financeiro voltado para atividades mais pessoais, como uma viagem?

Com algumas ressalvas, a resposta é sim. 

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Por mais breve que seja, uma viagem não acontece sem alguns cuidados: para onde ir, qual meio utilizar, quais pontos visitar, e quanto dinheiro levar, é claro. Todos os anos, milhares de viajantes passam por esse processo, na busca por um destino que se encaixe nos requisitos.

Dá para contar com uma “mãozinha” desta tecnologia nessas horas? “As ferramentas disponíveis hoje conseguem fazer um planejamento de viagem completo”, explica Alexandre Kavinski, CMO das agências Mirum e i-Cherry, ao falar do uso profissional das IAs em agências. Muitas dessas ferramentas são pagas.

Isso não significa que basta ao usuário dar alguns comandos à máquina e esperar por um roteiro impecável, traçado e orçado. Para refinar as respostas, alguns dados sobre preferências do viajante podem ser úteis. “Quanto mais informação sobre o perfil, mais assertivas são as sugestões”, ressalta Kavinski.

Por outro lado, não é recomendado fornecer dados sensíveis, confidenciais ou personalíssimos: “O que colocamos nela alimenta o banco de dados”, complementa o diretor.

ChatGPT: guia turístico?

Pensando em dias mais quentes, a reportagem do E-Investidor pediu ao ChatGPT, IA generativa da empresa norte-americana OpenAI, que fizesse o planejamento de uma viagem para Portugal e Espanha, para uma pessoa. A data de embarque seria no dia 1º de agosto, com retorno previsto para o dia 10 do mesmo mês.

Ainda foi solicitado que a máquina considerasse os aeroportos mais econômicos na chegada e na partida, além de um roteiro com os principais pontos de parada, lugares para passar a noite e possíveis trajetos de carro. Para não restringir a pesquisa, não foi estabelecido um perfil minucioso do viajante.

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O chatbot que abalou o mundo no final do ano passado se mostrou coerente com o itinerário, levando em conta as distâncias entre cidades e o tempo de deslocamento entre elas. Além disso, sugeriu visitas a locais disputados por turistas. Nos dois dias iniciais em Lisboa, o viajante passaria por lugares como a Torre de Belém, o bairro de Alfama e o Castelo de São Jorge.

Depois, alugaria um carro para ir à cidade do Porto, a 3 horas de distância, com direito a uma parada em Coimbra. No Porto, o viajante conheceria as ruas estreitas da Ribeira, além da Ponte Dom Luís I e a Torre dos Clérigos. Um passeio de barco pelo Rio Douro também poderia fechar a permanência na cidade.

No dia seguinte, seguiria estrada até Santiago de Compostela, a cerca de 2h30 de distância, já em território espanhol. Chegando na região, o viajante poderia conhecer lugares como Rías Baixas, Cambados e Sanxenxo.

O chatbot ainda previu paradas em locais como Vigo e Combarro, na Espanha, além de visitas a Sintra e Cascais, uma vez que o viajante retornasse a Lisboa. Da capital lusitana, voltaria a São Paulo, após dez dias de turismo e calor intenso na costa oeste da Península Ibérica.

Alexandre Kavinski usa como exemplo plug-ins de metabuscadores que já trabalham junto ao ChatGPT: “São treinados com informações atualizadas de passagens, hotéis e aluguel de veículos na sua versão paga”, diz. Isso ajuda a explicar como a máquina associa e interpreta os dados antes de oferecê-los ao usuário.

Planejador financeiro?

Se o ChatGPT foi eficiente em elaborar um itinerário com cronograma para todos os dias, além de paradas em pontos turísticos, a parte financeira do planejamento foi menos precisa. Ao apresentar à máquina um cenário em que o viajante tem renda de R$ 5 mil mensais, com gastos fixos de R$ 3,5 mil por mês e outros R$ 800 destinados a emergências, o bot calculou que restariam R$ 700 para serem guardados no fim de cada mês.

Até aí, a máquina fecharia o ano letivo com dez em matemática. O problema é que pelos cálculos arredondados dela, o viajante levaria 18 meses para juntar R$ 12 mil, quantia insuficiente para a viagem, como será demonstrado mais adiante.

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Além disso, a margem de gastos estimada pelo ChatGPT foi mais ampla do que se espera quando o assunto é dinheiro. Seria necessário para a viagem “de R$ 8,1 mil a R$ 14,8 mil”, segundo o robô. Ainda que essa tenha sido uma tentativa de não errar — ao deixar R$ 6,7 mil em aberto —, a estimativa foi mais otimista do que a realidade.

Um pacote de viagem para o mesmo período, com traslados, passeios e hospedagem, passando por algumas das cidades sugeridas pela IA, ficou cotado em R$ 10.322. As passagens aéreas mais baratas encontradas para o período, de São Paulo a Barcelona, adicionaram mais R$ 6.757, totalizando R$ 17.079. Caso seguisse a sugestão da IA de voar até Lisboa, o viajante veria o custo total da viagem subir mais: R$ 17.864.

Uma explicação para isso pode estar na base de dados: o GPT 3.5, versão disponível para uso aberto, reúne informações até 2021. “O mundo financeiro é sensível ao tempo”, lembra Kavinski. Ao mesmo tempo, o bot pode ser útil para explicar o funcionamento de mecanismos. “Por enquanto, não podemos considerar o orçamento oferecido por ele como final. São ferramentas probabilísticas”, avalia o diretor das agências Mirum e i-Cherry.

Não cravar o valor exato não quer dizer que máquinas não possam ser usadas para esse tipo de pesquisa, mas aponta para alguns cuidados a serem tomados. Marco Saravalle, analista de investimentos e sócio fundador da Sara Invest, entende que bots como o ChatGPT são boas ferramentas para levantar e cruzar dados: “Podemos pedir, por exemplo, para que compare o rendimento de um fundo com o de outro num certo período”. Por outro lado, enfatiza que as máquinas não substituem o trabalho de analistas ou consultores de finanças.

Antecipar e levar um “extra”

O analista sugere a quem deseja viajar que comece a se planejar com antecedência e garanta aquilo que puder em vez de tentar adivinhar a variação das moedas. “Muitos brasileiros deixam para pagar a viagem após o evento, e o câmbio explode”, ilustra Saravalle. Não é raro que sejam surpreendidos com faturas de cartão de crédito até 20% mais caras nos meses seguintes.

No cenário imaginado com o auxílio do ChatGPT, essa porcentagem adicional representaria quase R$ 3 mil. “Antecipar é a melhor forma de reduzir os riscos”, ensina o analista de investimentos.

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Outra dica para não passar aperto com os gastos in loco é pesquisar os preços para comer em restaurantes, o custo de atrações, transporte e de passeios turísticos, antes de embarcar. Isso facilita na hora de estimar quanto é necessário para as despesas do dia a dia.

Além das quantias diárias, incluir um fundo extra para emergências é sempre aconselhável, a depender do lugar e do orçamento total. Saravalle enfatiza a importância de se consultar profissionais de finanças: “A ferramenta garante mais produtividade e rapidez, mas a decisão não pode ser dela”.

Quanto ao futuro das máquinas no planejamento financeiro de viagens, Alexandre Kavinski projeta: “Em breve, a IA generativa estará mais presente em sites para dar ainda mais autonomia ao viajante”.