Comportamento

‘Demissão silenciosa’ não é uma opção para mulheres e negros

Prática envolve só fazer o que foi previsto para a vaga na contratação e cumprir tarefas alinhadas ao salário

‘Demissão silenciosa’ não é uma opção para mulheres e negros
As mulheres negras são ainda mais propensas a experimentar o esgotamento, de acordo com a pesquisa da Deloitte. Foto: Envato Elements.
  • Mulheres que trabalham fora de casa apresentam índices mais altos de esgotamento em comparação aos homens
  • Os negros foram desproporcionalmente afetados pelas demissões no início da pandemia
  • Qualquer pessoa negra ou mulher que tente estabelecer limites saudáveis tem muito mais chances de ser vista como um criador de problemas

A geração Z encontrou uma nova solução para o esgotamento no trabalho, a “demissão silenciosa”. A ideia é simples: não fazer nada além da descrição da vaga para a qual foi contratado e ser condizente com o salário recebido. A tendência, que viralizou no TikTok, parece perfeita. Desligar o computador às 18h? Combinado. Passar mais tempo com a família em vez de me voluntariar para fazer hora extra? Contem comigo.

Mas as pessoas que tendem a experimentar os maiores níveis de esgotamento – mulheres e negros – provavelmente não podem se dar ao luxo de se “demitirem silenciosamente”. As mulheres que trabalham fora de casa nos Estados Unidos apresentam índices mais altos de esgotamento no trabalho em comparação com os homens, de acordo com uma pesquisa da Gallup de 2021.

Aqui vai uma explicação para o porquê: com tarefas que vão desde saber quando é o aniversário dos colegas até garantir que haja sempre café no escritório, muitas estão sobrecarregadas com um trabalho que não as ajuda a progredir em suas carreiras, diz Celeste Headlee, autora de “Do Nothing: How to Break Away from Overworking, Overdoing and Underliving” (Não faça nada: Como se livrar do trabalho em excesso e viver mais, em tradução livre).

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As mulheres negras são ainda mais propensas a experimentar o esgotamento, de acordo com a pesquisa Women at Work 2022 da Deloitte. E elas têm menos chances de se abrir quanto às suas preocupações com a saúde mental no trabalho.

Diante disso, a “demissão silenciosa” parece uma resposta lógica – se você está sobrecarregado, por que não reduzir a carga de trabalho? Sobretudo se está sendo mal pago. O problema é que, ao fazer isso, as mulheres e as minorias podem enfrentar riscos maiores quando se trata de progredir em suas carreiras e manter seus empregos.

Um estudo de 2022 com trabalhadores do varejo descobriu que os gestores já subestimam o potencial das mulheres mais do que o dos homens, diminuindo em 14% as chances de elas serem promovidas em comparação com os colegas homens.

Muitos funcionários negros sentem que precisam trabalhar duas vezes mais devido a avaliações injustas de desempenho e promoções que já deveriam ter recebido, mas ainda não surgiram. E os negros foram desproporcionalmente afetados pelas demissões no início da pandemia de Covid-19. A “demissão silenciosa” pode exacerbar essas desigualdades no ambiente de trabalho.

Qualquer pessoa negra ou mulher que tente estabelecer limites saudáveis para si mesmo tem muito mais chances de ser vista como um criador de problemas. Imagina fazer o mínimo no trabalho.

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Algumas pesquisas mostram que as mulheres e as minorias enfrentam punições mais severas que os demais pelos mesmos erros. Portanto, não é apenas o crescimento profissional e as relações no local de trabalho que podem sofrer com a “demissão silenciosa” – ser demitido também pode ser um risco, se os empregadores enxergarem a redução de trabalho como uma tentativa de se esquivar dos seus deveres.

Como uma pessoa da geração Z que entrou no mercado em meio à epidemia de Covid-19, entendo por que minha geração agora está resistindo à cultura do trabalho sem fim. Aceitamos empregos extras e trabalhos como freelancers para compensar as oportunidades perdidas por causa das demissões no início da pandemia.

Fomos inundados com vídeos do TikTok sobre como ganhar dinheiro extra e trabalhar de casa e isso tornou confusa a fronteira entre nossos empregos e o restante de nossas vidas. A “demissão silenciosa” é nossa maneira de recuperar energia e poder no trabalho.

Talvez essa estratégia funcione para alguns. Mas para aqueles que querem fazer menos no trabalho sem arriscar uma retaliação, vale a pena questionar o que está por trás do seu esgotamento ou da sua insatisfação.

Você está sendo sobrecarregado com tarefas que não vão lhe render uma promoção? Sente que seus esforços não são reconhecidos? Ou que não há oportunidades para progredir na carreira? Está sendo mal pago? A “demissão silenciosa” talvez lhe dê um conforto temporário, mas não fará essas questões sumirem.

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Em vez de resistir de forma silenciosa, é provável que seja útil falar a respeito dessas inquietudes para seu chefe e tentar encontrar outras soluções. Ter o apoio de mentores e aliados, dentro e fora do local de trabalho, pode ajudá-lo a lidar com essas conversas. E se ter uma discussão honesta a respeito do equilíbrio entre vida pessoal e profissional leva a conflitos ou punições, isso costuma ser um sinal para começar a procurar outro emprego.

Gostaria de ver mais funcionários defendendo a si mesmos em vez de se “demitindo silenciosamente”. Documente situações de excesso de trabalho – seja regularmente ter que ligar o computador depois do expediente, atender ligações de trabalho durante o fim de semana ou receber mais tarefas do que é capaz de lidar – para poder dar exemplos específicos ao conversar com seu supervisor sobre limites.

Peça apoio para definir prioridades e gerenciar sua carga de trabalho. Caso esteja pedindo uma promoção ou um aumento, destaque conquistas específicas para demonstrar como você agrega valor à sua equipe.

A “demissão silenciosa” parece uma boa ideia, mas pode prejudicar suas perspectivas de carreira a longo prazo. Para os profissionais mais jovens, principalmente as mulheres e as minorias, esse é um preço alto demais a se pagar para seguir uma tendência.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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