O que este conteúdo fez por você?
- No município cearense, cerca de 21 mil alunos aprendem a lidar com o dinheiro de forma lúdica por meio de jogos
- O projeto é uma iniciativa do Instituto Brasil Solidário (IBS) em parceria com a Secretaria de Educação de Sobral
- A ação também atende 291 municípios espalhados em todos os Estados brasileiros
- A ideia do projeto é reduzir o índice de endividamento entre as famílias brasileiras
Aos 12 anos de idade, Edilany Marques já aprendeu a poupar. Todo o dinheiro que recebe dos pais vai para um “potinho” que ganhou nas suas mãos a função de cofre. É nesse recipiente que a estudante espera conseguir juntar dinheiro para comprar um celular mais novo e moderno que possa lhe auxiliar nos estudos. “Toda vez que quero alguma coisa e que não preciso deixo de lado para poder comprar algo que preciso no futuro, que é o meu celular”, diz.
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Essa determinação ajuda a adolescente a estar mais próxima do seu objetivo financeiro todas as vezes que recebe dinheiro dos pais. E mesmo quando surgem imprevistos, Marques tem a maturidade de não ficar desanimada e saber recomeçar na sua trajetória financeira. “Não podemos ver um obstáculo e parar. Precisamos progredir até conseguir o que a gente quer”, afirma.
Essa consciência é um dos resultados de um trabalho pedagógico voltado para a educação financeira realizado na escola Professora Maria José Santos Ferreira Gomes, onde Marques estuda, localizada no município de Sobral, a 330 quilômetros de Fortaleza (CE). A adolescente e outros 21 mil alunos da rede pública de ensino do município cearense fazem parte de um grupo privilegiado que tem a oportunidade de aprender a lidar com o dinheiro ainda na infância.
Graças às atividades realizadas por meio do projeto “Jogos de Educação Financeira” oferecido pelo Instituto Brasil Solidário (IBS), as crianças e adolescentes da cidade de Sobral aprendem conceitos básicos de finanças pessoais, como a necessidade de poupar dinheiro. “Ao trabalhar em grupo, as crianças precisam fazer acordos e aprendem a lidar com os prejuízos financeiros. Então, mostramos como se joga e falamos sobre a importância da educação financeira para as nossas vidas”, diz Ana Cecília dos Santos, orientadora educacional da escola José da Matta e Silva.
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Todo esse processo acontece de forma lúdica, “longe” da realidade do mundo adulto. Pelo menos uma vez ao mês os estudantes de 6 a 10 anos de idade são convidados a brincar de um jogo de tabuleiro, chamado Piquenique. Em cada rodada, participam seis jogadores que terão o desafio de chegar até o parque (linha de chegada) com o dinheiro suficiente para comprar os alimentos selecionados no início da partida e ainda com uma reserva financeira.
Ao longo do percurso, os estudantes enfrentam desafios como pagar a conta de luz e demais despesas de casa ou escolher comprar outro alimento além dos selecionados no início da partida. As tentações são tantas que Larissa Rodrigues, de 10 anos, precisa manter o foco para chegar até o fim do jogo com o saldo positivo. “Eu costumo separar o dinheiro para as contas ou para pagar alguma ‘prenda’ para outros jogadores e o restante guardo para comprar os alimentos”, diz Rodrigues, sobre sua estratégia.
O lúdico também é adotado para as crianças a partir de 10 anos. Mas ao contrário das turmas mais novas, a dinâmica costuma ser feita com outro tipo de game, chamado de Bons Negócios. Trata-se de um jogo de cartas que instiga os adolescentes a negociar e a desenvolver as habilidades de empreendedorismo e de investimentos.
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E quando os alunos estão inseridos nesta atividade, as negociações são intensas. As ofertas chegam a dobrar o valor inicial dos produtos disponíveis. “Esse jogo nos ajuda a nos preparar para a vida porque, no futuro, vamos ter gastos e vamos precisar fazer investimentos”, diz Marques.
Combate ao endividamento
Lidar com o dinheiro de forma consciente pode até parecer uma atividade simples quando se já possui uma renda. Basta priorizar os recursos para o pagamento de todas as despesas essenciais e o que sobrar pode ser aplicado para outras finalidades, como gastos com o lazer. O problema é que, na prática, esse raciocínio fica bem mais complexo para a maioria das pessoas.
A dificuldade pode ser acompanhada por meio da realidade financeira da maior parte dos brasileiros. Segundo dados referente ao mês de outubro da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 8 a cada 10 pessoas estão endividadas no Brasil. Esse é o maior volume de endividados desde 2010, quando teve início a série histórica monitorada pelo CNC.
Além da renda ser inferior às despesas, a ausência de uma educação financeira ainda na infância contribui para que essas pessoas não tenham a capacidade de “honrar” com os seus compromissos e criem um comportamento quase cultural propício ao endividamento.
“Viemos de uma sociedade em que os pais são endividados e os avós também foram endividados. Então, por que a próxima geração não será endividada? Essa lógica precisa ser descontruída na base, que é a escola”, André Barretto, CEO e fundador do n2, fintech que oferece orientação financeira para pessoas que se encontraram endividadas.
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Mas o surgimento do projeto “Jogos de Educação Financeira”, do Instituto Brasil Solidário (IBS), organização da sociedade civil de interesse público, em 2017, tem o propósito de mudar essa realidade ao levar a educação financeira para a sala de aula. As escolas dos municípios cearenses de Cascavel, Beberibe e Pindoretama foram as primeiras a receber os jogos educativos. Naquela época, apenas 20 mil estudantes estavam envolvidos. Cinco anos depois, o projeto alcança um total de 1 milhão de alunos distribuídos em 4 mil escolas públicas espalhadas em todos os estados brasileiros.
“Defendemos que as finanças não são apenas matemática. Você pode fazer conta, mas se você não souber o que fazer com essa conta não vai para lugar nenhum. Então, provocamos muito (nos alunos) sobre as finanças (pessoais) do presente, do futuro e sobre os planos de aposentadoria por meio dos jogos”, diz Luis Salvatore, diretor-presidente do IBS.
O instituto fica responsável pela entrega do material didático para as escolas e pela formação dos professores com uma carga horária de 72 horas. Após essa etapa, cabe ao município a execução dos projetos dentro das salas de aula. Para as secretarias de educação, a principal vantagem dessa parceria com o IBS está no acesso a uma metodologia educacional já pronta e eficiente sobre educação financeira voltada para as crianças e adolescentes.
No caso de Sobral, o trabalho em conjunto com o instituto desde 2019 possibilitou para a rede municipal ampliar a atividade para outros campos da educação. Segundo Herbet Lima, secretário de Educação do município, as olimpíadas de matemática realizadas com os alunos da cidade incluíram algumas temáticas de educação financeira que foram desenvolvidas no projeto.
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“Hoje, faz parte da política educacional de Sobral”, diz. “O nosso objetivo é fortalecer essa parceria com o instituto, aumentar o número de jogos disponíveis por unidade escolar e tentar trazer essa modalidade para a educação infantil”, acrescenta.
Assunto de adulto?
O trabalho da organização atua em linha com os direcionamentos da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) que incluiu em 2020 a educação financeira como tema obrigatório em todas as turmas da educação infantil até o ensino médio. A inclusão da temática no currículo escolar quebra a falsa ideia de que dinheiro é um assunto para adultos. Pelo contrário, reforça a necessidade de abordar o tema ainda na infância para reduzir as chances de endividamento ao alcançar a fase adulta.
“O resultado (da ausência dessa formação) é o adulto não saber se organizar e planejar sua vida com a entrada de uma receita. A prática mais comum é passar a comprometer a renda futura com parcelas e créditos para compra de bens e serviços”, diz Eduardo M. Reis Filho, especialista em educação financeira e de investidores da Ágora.
No caso dos alunos atendidos pelo IBS, a tendência é que deixem de lado a cultura do endividamento ao atingir a fase adulta para dar espaço à responsabilidade financeira e a preocupação com o futuro. A nova postura em relação ao dinheiro pode até acelerar a entrada de novos investidores na Bolsa de Valores ao longo dos próximos anos.
Segundo dados da B3, de 2018 até o terceiro trimestre de 2022, o número de investidores pessoa física cresceu 557,1%. A entrada expressiva de brasileiros na bolsa tem relação com a popularização de assuntos relacionados ao mercado financeiro na internet, por meio das redes sociais.
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O problema é que parte desse novo público ainda possui uma visão de curto prazo sobre os investimentos. Essa perspectiva “imediatista” aumenta os riscos atrelados às aplicações financeiras e impede que o investidor consiga ter remunerações mais atrativas. Por outro lado, a consciência de uma visão de longo prazo não é um processo simples a ser desenvolvido quando o investidor não tem uma educação financeira desde a infância.
“Quando a gente ensina a necessidade de pensar no longo prazo desde criança, o primeiro passo dela será desta forma. É diferente para uma pessoa que não teve essa educação cedo porque, dependendo da fase da vida, ela terá mais despesas ao ponto de não ter recursos para investir”, afirma Bruna Magalhães, head de Educação da Empiricus.