- A revelação do ChatGPT para o público em geral provocou em trabalhadores de todas as áreas um encantamento, mas também um forte medo de que muitas profissões possam estar com os dias contados
- Em meio a emoções extremas, poucos pararam para fazer a pergunta que realmente importa: a nova tecnologia torna a força de trabalho humana mais produtiva?
- A resposta do professor Ian Goldin, da Universidade de Oxford, convida autoridades, empresários e trabalhadores a repensar o caminho que está sendo seguido
A revelação do ChatGPT para o público em geral, em novembro de 2022, provocou em trabalhadores de todas as áreas um encantamento com aquilo que a ferramenta pode entregar, mas também um forte medo de que muitas profissões possam estar com os dias contados pelo surgimento de um sério concorrente. Em meio a emoções extremas, poucos pararam para fazer a pergunta que realmente importa: a nova tecnologia torna a força de trabalho humana mais produtiva?
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A reflexão não sai da cabeça do professor Ian Goldin, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e líder de pesquisas sobre Mudanças Tecnológicas e Econômicas, Futuro do Trabalho e Futuro do Desenvolvimento. Para a decepção dos entusiastas da inteligência artificial (IA) generativa, a resposta dele convida autoridades, empresários e trabalhadores a repensar o caminho que está sendo seguido.
“Não estamos vendo a tradução da automação e da inteligência artificial em níveis mais altos de produtividade”, disse, em entrevista exclusiva ao E-Investidor durante sua vinda ao Brasil para participar do Anbima Summit, evento promovido pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais . “Vivemos o que os economistas chamam de paradoxo da produtividade. Nada disso está levando a níveis mais altos de eficiência ou renda na sociedade.”
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Com experiência acumulada como vice-presidente do Banco Mundial, consultor de empresas, governos e agências internacionais e – aqui ele ganha a simpatia de todas as plateias – assessor econômico do presidente sul-africano e símbolo mundial da luta contra o preconceito Nelson Mandela, Goldin falou sobre as tecnologias que vão impactar o mercado financeiro no futuro e tendências que obrigarão o investidor a mudar as suas estratégias atuais.
E-Investidor – Quais tecnologias recentes serão mais importantes no final da década?
Ian Goldin – Todo o encontro de tecnologias é muito importante. Existem muitas sobre as quais sou otimista, como a combinação de inteligência artificial e biologia para encontrar novos tratamentos para o câncer. Tecnologias para chegarmos à economia de carbono zero são muito importantes, mas temos que fazer mudanças radicais nos sistemas de energia para conseguir isso.
Também precisaremos estar focados no desenvolvimento de novas vacinas, em maneiras de identificar pandemias rapidamente e interrompê-las, porque a ameaça não acabou. O sistema mundial de saúde é totalmente inadequado para o século 21. Então, clima e energia e diferentes aspectos da saúde e, em seguida, as grandes questões sobre trabalho e, depois, as grandes questões sobre a relação entre tecnologia e democracia e IA. Esses são os grandes problemas.
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O Sr. lidera pesquisas sobre mudanças tecnológicas e econômicas. O que pode nos dizer sobre aonde essas pesquisas levam?
A grande questão está no que os humanos farão e o que as máquinas farão, e quais são as implicações disso tudo para a sociedade. Há motivos para se preocupar porque fica evidente que a combinação de inteligência artificial e novas tecnologias está permitindo que robôs façam trabalhos que as pessoas faziam antes, não apenas os repetitivos, mas também os de serviços, como call centers e atividades administrativas. Cada vez mais haverá trabalhos que exigirão habilidades que as máquinas não têm ou não são capazes de fazer, o que significa grandes investimentos em educação.
A tecnologia contribui para o aumento das desigualdades?
O trabalho remoto reflete a desigualdade provocada pela tecnologia. São, principalmente, os trabalhadores da economia do conhecimento que podem usufruir desse sistema. Mas muitos têm que se deslocar todos os dias, aqueles que fazem atendimento ao cliente, por exemplo. Essa discrepância está levando a maiores diferenças de renda e de lugares.
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Também é verdade que a propriedade das tecnologias está cada vez mais concentrada em um número menor de empresas. Estamos vendo nos EUA e na Europa um menor número de empresas respondendo por uma parcela maior dos mercados de ações. Existem evidências de que a concentração de IA na mão de poucos players está levando à criação de menos empresas pequenas e isso dá às big techs algum tipo de poder de monopólio ou oligopólio. Isso demanda repensar políticas de concorrência, o que não está acontecendo rápido o suficiente.
A democracia está ameaçada pelo poder que novas tecnologias dão àqueles que as dominam?
Existe uma grande ameaça e eu estou muito preocupado. Tivemos no passado jornais ou outros filtros de informações que têm alguma responsabilidade legal e social. Nas redes sociais isso não existe. A maneira como as pessoas veem o mundo está se tornando mais polarizada por causa das novas tecnologias.
Com a internet nos anos 1990, o sonho era de ela unisse o mundo e todos tivessem uma compreensão semelhante dos problemas para que isso construísse uma solidariedade global. Mas o que vemos é uma polarização, e não é apenas na política, globalmente também vemos polarização na renda. O Brasil, assim como a Árica do Sul, meu país, é um dos lugares mais desiguais do mundo. Não houve a convergência. Há um risco real com a polarização que impede a resolução de problemas que ficam cada vez maiores.
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E o que isso implica para o investidor, que tem uma visão de longo prazo?
O que empresas gostam é de um bom clima para negócios, o que significa infraestrutura confiável, investimento em educação, saúde, desenvolvimento social e segurança. Dito isso, não há evidências globais de que os negócios gostam de Estados fracos. A ideia de que as empresas preferem os Estados pequenos não é corroborada pelas evidências em todo o mundo.
Por exemplo, na idade de ouro do capitalismo, dos anos 1950 aos anos 1970, houve a maior taxa de crescimento na Europa e nos EUA com um Estado muito forte, com impostos muito altos. Então, o principal está na capacidade de criar regulamentos, regras, educação, saúde, infraestrutura que funcionem e dotem a sociedade do que ela precisa.
A tecnologia está aumentando a produtividade do trabalhador?
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Vivemos o que os economistas chamam de paradoxo da produtividade. Nada disso está levando a níveis mais altos de eficiência ou renda nas sociedades. Sim, algumas pessoas ficaram muito ricas, mas a sociedade como um todo não está se beneficiando. Não estamos vendo a tradução da automação e da inteligência artificial em níveis mais altos de produtividade. Então, precisamos pensar sobre as razões para isso.
No Brasil há uma reforma tributária em curso e um dos principais pontos de discussão é a tributação de lucros e dividendos. Essa é uma medida efetiva para reduzir a concentração de renda?
Não conheço o suficiente sobre a discussão brasileira para comentar, mas o que posso dizer em termos globais é que esse não é o fator primordial para a lucratividade das empresas, mas faz parte de um contexto. Se as pessoas estão se sentindo seguras e protegidas, onde a criminalidade é baixa, onde a educação e a saúde são acessíveis, elas estão preparadas para pagar mais por serviços e para pagar níveis mais altos de impostos. O que as pessoas não querem é pagar e não conseguir os serviços. A discussão diz respeito a tornar o Estado efetivo.
A população do Brasil e, em geral, do mundo está envelhecendo. Em que magnitude isso vai mudar o mercado financeiro?
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O envelhecimento tem impactos no crescimento econômico e políticos e isso pode retardar os retornos financeiros. O principal diz respeito à desaceleração do crescimento econômico, porque uma parcela maior de sua população vira dependente e a maior parte dos impostos precisa ser destinada para cuidar de idosos. O consumo diminui porque os idosos compram menos carros e roupas, e menos entretenimento. Então a estrutura da economia muda.
Politicamente, os idosos se tornam uma parcela cada vez maior dos votos. E eles votam mais no passado do que no futuro. Isso também pode desacelerar o crescimento econômico, porque há menos investimento em educação, em infraestrutura e habitação. Eles também votam contra reformas tributárias, enquanto os jovens tendem a ser mais favoráveis.
No entanto, eu tenho uma visão mais otimista, porque sempre falamos sobre problemas de superpopulação. Assim, o envelhecimento das sociedades pode ser visto como um sinal de sucesso, de que as taxas de fertilidade estão caindo e a expectativa de vida está melhorando. O desafio está em manter os idosos saudáveis, portanto, os conceitos de investimento na saúde e na aposentadoria precisam ser repensados. Nossas idades de aposentadoria são muito precoces, dada a expectativa de vida.